Sabe-se apenas que para se chegar ao ou aos autores deste ataque à principal infra-estrutura de transporte de energia - gás natural - da Rússia para a Europa ocidental, vai ser preciso um esforço gigantesco internacional de investigação, recursos significativos a terem de ser envolvidos, até porque, para já, ao contrário do que é habitual, ninguém surge a apontar o dedo a ninguém.

Certo é que este episódio, que se revelou na forma de gigantescas e altamente poluentes fugas de gás para a superfície do Mar Báltico, gerando bolhas de quase um quilómetro de diâmetro, pode conter o combustível suficiente para alterar o curso da guerra, não na frente de batalha, mas na percepção que dele pode vir a ter a comunidade internacional, até porque em causa está o fluxo vital de gás natural que, se não for reposto, apesar de estar já a sofrer reduções desde o início da guerra, pode levar ao colapso da economia alemã, que é o motor da economia da Europa ocidental, ameaçando ainda mais a estabilidade económico-financeira planetária.

O que se sabe até hoje? Ao certo, nada. Mas se se fizer a pergunta, como nos filmes policiais, que é "a quem mais serve este crime?", rapidamente se percebe que, afinal, esta pergunta apenas levanta mais dúvidas - ao contrário dos filmes - porque todos podem ganhar e todos podem perder. E o chefe da diplomacia europeia, o espanhol Josep Borrell, veio mesmo a terreiro garantir que Bruxelas vai dar uma "resposta robusta" aos autores desta sabotagem.

Falta a "impressão digital", como nos filmes

Mas há pistas sólidas que podem levar ao "fio de cabelo" que o criminoso deixou para trás, ou mesmo à "impressão digital" de quem rebentou com os dois nord stream.

Antes de irmos aí, veja-se o que podem perder uns e outros: A Rússia, que é o grande fornecedor de gás natural à Europa ocidental, tem aqui uma fonte de rendimento gigante, mais de 600 milhões de euros por dia em contexto normal, do qual só pode abdicar circunstancialmente, o que lhe bastaria fechar a torneira e inventar avarias, como tem feito, para procurar subjugar os países europeus mais industrializados à sua vontade, levando-o a reduzir ou mesmo anular o apoio à Ucrânia.

Mas a Rússia é suspeita porque este tipo de "avaria" garante que o próximo Inverno, o período mais crítico para a Europa ocidental, vai ser passado em penúria energética, porque o gás oriundo dos EUA e do Médio Oriente, não vai ser suficiente, o que pode, ou tem esse potencial, de elevar a contestação popular nas sociedades europeias a "morrer de frio" e a industria a resvalar para o desastre, o que seria, assim, a "bomba atómica" da chantagem energética russa.

O outro suspeito e, interveniente indirecto no conflito ucraniano, são os Estados Unidos da América, o maior fornecedor de equipamento militar e dinheiro à Ucrânia, porque, com esta explosão dos dois nord stream, o I, em funcionamento, e o II, que foi suspenso mesmo antes de ser aberta a torneira pela Alemanha e por pressão norte-americana, como forma de sancionar a Rússia, depois de Moscovo ali ter investido, via Gazprom, centenas de milhões de dólares, são os EUA que se apresentam como grandes exportadores de gás natural para a Europa, tiram poder à Rússia de manter o esforço de guerra e fragilizam a União Europeia, deixando o bloco europeu mais dependente, o que é essencial para Washington poder juntar a União Europeia ao Reino Unido como seus aliados incondicionais na luta planetária com China e Rússia pela manutenção de um mundo "ocidentalizado".

Mas, ainda como elemento que eleva a suspeição sobre os EUA, há uma frase do Presidente Joe Biden, antes de 24 de Fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, sobre a urgência de manter fechado o nord stream II, de forma a não beneficiar a Rússia, e, quando questionado como o faria, respondeu enigmaticamente: "Nós temos os meios!". Quais eram esses meios, o que acaba de acontecer, pelo menos, enquadra-se no vasto de possibilidades.

Os EUA são os maiores produtores, hoje, de petróleo e estão entre os maiores produtores de gás, com uma indústria de extracção de petróleo de xisto, fracking, que tem um breakeven muito alto e carece urgentemente de compradores para esta produção com capacidade para pagar a matéria-prima acima desse valor de forma a recuperar esta indústria fragilizada por anos de pandemia e de baixo consumo energético.

Há ainda uma frase no mínimo estranha, lançada no Twitter, por um antigo deputado polaco e actual eurodeputado, Radoslaw Sikorski - a Polónia é o país e Governo mais radical na defesa de uma militarização do conflito pela NATO, defendendo uma guerra directa da Aliança Atlântica com os russos - onde este agradece aos EUA pelos rebentamentos dos nord stream. "Thank you USA", disse o político pouco depois de se conhecer o atentado, o que já levou o Kremlin a pedir que os EUA sejam considerados suspeitos relevantes da autoria do atentado.

Alias, que é um atentado, é a única certeza que todos têm, porque, tecnicamente, é inadequado pensar-se na possibilidade de terem ocorrido várias explosões acidentais em locais distintos em dois gasodutos na mesma área submarina.

Mas se não foi nem russos nem norte-americanos, quem foi então? As possibilidades reduzem-se drasticamente, porque, para colocar as cargas explosivas ou perfurar os tubos, é preciso ter os meios subaquáticos - submarinos pilotados ou telecomandados -, o que deixa em aberto a possibilidade de um ataque planeado e organizado por mais de um país, estando, na linha da frente, os três Estados bálticos, que integram a União Europeia e a NATO e, com a Polónia, assumem a mais dura posição anti-Rússia, Lituânia, Estónia e Letónia.

A possibilidade de surgir um "cisne negro" nesta equação, um protagonista inesperado deste ataque, é difícil, porque os outros vizinhos bálticos, Alemanha, Finlândia, Suécia, Dinamarca não teriam nem benefícios económicos directos nem sequer isso estaria em linha com as suas posições, claramente ao lado de Kiev mas com políticas sobre a guerra na Ucrânia mais moderadas.

Investigar, investigar e investigar. Essa a posição de todos. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, já disse que é preciso investigar para saber quem foi e depois de se saber, actuar energicamente. Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, não disse diferente, anunciado a urgência de uma investigação para uma ocorrência de extrema gravidade e advertiu que quem pensar que podem ter sido os russos é "estúpido" porque a possibilidade é "absurda".

Nos Estados Unidos, o Secretário de Estado, Antony Blinken, apontou no mesmo sentido, "investigar já!", mas acrescentou: "Os EUA vão sempre colaborar com os aliados europeus para a sua segurança energética".

Quem demonstrou menos dúvidas foi o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, que admitiu estarem estas sabotagens na antecâmara de uma "escalada da guerra na Ucrânia", o que vem no seguimento do que tem sido dito por Varsóvia, onde se defende a ideia de que os russos estão a procurar justificar uma escalada extraordinária no conflito.

Putin vai "tapar" estes buracos mediáticos na sexta-feira

O Presidente russos, Vladimir Putin, já anunciou que vai discursar na sexta-feira na Duma, o Parlamento russo, para abordar a questão dos referendos no Donbass e em Kherson e Zaporijia, onde deverá ficar concluído o processo de integração na Federação Russa destes territórios, depois de votações esmagadoras nesse sentido, acima de 96%.

Quando esse processo estiver fechado, com a aprovação da legislação inerente, a Federação Russa, segundo a perspectiva de Moscovo, vai crescer mais de 115 mil quilómetros quadrados, uma área superior à de um país como Portugal, permitindo ao Kremlin justificar uma escalada militar nesta guerra com a defesa de território russo do mesmo modo que o faria com regiões de São Petersburgo ou de Vladivostok.

Isto, sendo já claro que nenhum país ocidental vai reconhecer estes referendos, nem sequer os aliados ou com ligações próximas a Moscovo, desde o Irão à Turquia, passando pela China, a legalidade desta iniciativa terá sempre como pano de fundo a ausência de legitimidade perante a lei internacional, até porque a ONU foi das primeiras organizações a garantir essa fragilidade de legitimação internacional.

É, porém, quase certo que a Rússia vai aumentar a intensidade da guerra nas frentes leste e sul e, para isso, conta com a mobilização parcial de reservistas, entre 300 mil e 1,2 milhões, dependendo das fontes, que estão a ser dirigidos para campos de treino intermédios antes de serem lançados na guerra.

Uma guerra que o Kremlin já admitiu poder evoluir para um patamar nuclear e Putin garantiu que engana-se quem pensar que se trata de "bluff".

O que esperar da reacção ocidental

Os analistas admitem que esta alteração de estatuto do conflito de operação especial para guerra, que será inevitável após a anexação plena das quatro províncias onde decorrem os referendos, vai levar a uma mudança dos alvos na Ucrânia, sendo, desde logo, esperado que as centrais eléctricas, as barragens, as grandes vias de comunicação, ferroviárias, rodoviárias, e aéreas (aeroportos) sejam flagelados, e até é ainda possível que as lideranças ucranianas (centros de decisão) até aqui fora dos alvos russos, passem a ser fustigados com os mísseis de longo alcance aeronavais da Federação Russa.

O próprio Presidente Zelensky, numa entrevista difundida pela norte-americana CBS News, veio admitir que a Rússia poderá usar as armas nucleares, ao contrário do que pensava anteriormente.

O líder ucraniano admitiu mesmo que aquilo que antes pensava ser um "bluff" de Putin, hoje pode não ser assim tanto improvável e pode "ser mesmo realidade".

Também o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, veio admitir que não se pode continuar a dizer que se trata de bluff quando quem tem a decisão na mão diz claramente que não se trata de bluff.

Mas o mais claro e inequívoco posicionamento perante essa possibilidade, de uso do nuclear por Moscovo, veio do conselheiro de segurança nacional do Presidente norte-americano, Jack Sullivan, optando por contra-atacar com um aviso claro ao Kremlin: "O uso de qualquer arma nuclear por parte da Rússia terá uma resposta inequívoca com consequências catastróficas para a Rússia".

Sullivan, num novo posicionamento norte-americano, veio ainda dizer, também em entrevista à CBS News, que os EUA já comunicaram, através de vias institucionais e privadas, com os decisores de topo russos, que o uso deste tipo de armas terá um resultado inequívoco: Os EUA e os seus aliados "responderão de forma decisiva".

O conselheiro de segurança de Joe Biden admitiu ainda que "é para ser levada muito a sério" a ameaça de Putin, que, na passada quarta-feira, veio dizer que a Federação Russa tem as armas adequadas, algumas superiores às da NATO e dos EUA, que permitem tirar quaisquer dúvidas sobre o que está em causa e que serão utilizadas se a existência do país estiver posta em causa.

Este responsável norte-americano não esmoreceu as promessas de apoio continuado à Ucrânia em equipamento militar e financeiro para mantar a capacidade de resposta aos ataques russos.

Uma demonstração clara de que se vai assistir a uma escalada violenta nesta guerra surge pela aprovação, na Duma, Parlamento russo, de legislação fortemente punitiva para comportamentos desviantes por parte dos militares russos em combate ou em fase de mobilização, entre os vários procedimentos estão punições com 10 anos de cadeia para quem se render ao inimigo,

Os mesmos 10 anos de cadeia esperam aqueles que se recusarem a combater ou desertarem, e ainda 15 anos para quem roubar bens de pessoas ou instituições em tempos de guerra ou numa operação militar.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.