Moscovo mantém milhares de soldados em posição junto à fronteira com a Ucrânia que levaram Washington a iniciar uma forte ofensiva mediática acusando Vladimir Putin de estar na iminência de lançar os seus tanques em direcção a Kiev, embora Moscovo refute essa possibilidade, exigindo negociações para garantir a sua segurança nacional face ao avaço da NATO para o leste europeu, cada vez mais em cima das suas fronteiras.

Face a este cenário complexo que pode resvalar para um conflito aberto entre russos e ucranianos, estes com apoio robusto no fornecimento de material militar pelos americanos, e com a possibilidade de envolvimento de países da Aliança Atlântica, o que colocaria os norte-americanos de novo em guerra na Europa, 70 anos após o fim da II Guerra Mundial, António Guterres veio a terreiro oferecer-se para mediador porque "só há um caminho para sair desta crise, a diplomacia..." e mais nenhum.

Este regresso de Guterres à cena principal da crise do leste europeu - o SG das Nações Unidas manteve-se em silêncio nos últimos tempos, o que deixa antever que este regresso foi precedido de intenso trabalho de bastidores - é um sinal de que as partes estão, finalmente, a mostrar flexibilidade para desanuviar tensões e encaminhar a crise para um terreno menos pantanoso e perigoso.

E isso mesmo foi o que emergiu deste aparente caos controlado, com Vladimir Putin a aparecer em reunião com o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, o mais experiente governante europeu com a tutela da diplomacia, e o ministro da Defesa, onde ficou claro que o caminho deve ser a diplomacia e as negociações e não a via militar.

Também de Moscovo chegou a informação de que o ministro da Defesa ordenou que fosse iniciado o processo de retirada de parte, para já, das forças estaconadas junto à fronteira com a Ucrânia, num claro gesto de desanuviamento.

O porta-voz do ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, citado pelos media russo, disse que algumas unidades militares colocadas na linha de fronteira com a Ucrânia "já cumpriram as suas tarefas" e foi iniciada a operação de regresso, via ferroviária e rodoviária, às bases de origem.

E também de Washington, quando os media mais importantes em todo o mundo, com base em fontes dos serviços secretos norte-americanos, davam, na segunda-feira, como certa uma invasão russa à Ucrânia para quarta-feira, veio um sinal de mudança de direcção do vento mais belicista, com o Pentágono a fazer saber que Vladimir Putin "ainda não decidiu se vai ou não invadir a Ucrânia", embora o próprio chefe do Kremlin tenha sempre negado que tal estivesse em cima da mesa.

Porém, se Guterres, ao oferecer mediação para evitar a guerra na Ucrânia, se mostra como sendo um homem de bom senso, não é propriamente uma "pomba da paz" no meio de falcões da guerra, porque, também ele, avisou Moscovo de que se invadir o vizinho, colocará o mundo perante um conflito "desastroso".

"E não existe alternativa à via diplomática para resolver o conflito", apontou o português que lidera a ONU.

Mostrando-se "profundamente preocupado com o aumento das tensões", Guterres sublinhou na segunda-feira que um conflito militar desta envergadura na Europa teria "um preço em sofrimento humano incalculável" bem como significaria a destruição de muito mais que a tragédia localizada no leste europeu.

Por isso, apontou, não se deve sequer aceitar "a possibilidade de um conflito com potencial tão desastroso" e é preciso "reduzir as tensões", procurar "evitar a retórica incendiária" apostando numa mensagem clara de que não existe alternativa à diplomacia, como, de resto, o próprio iniciou com uma renovada aposta em conversas com os ministros da tutela russo, Lavrov, e ucraniano, Dmitro Kuleba.

E, por fim, deixou uma das frases deste conflito: "Trocar a diplomacia pelo confronto não é ultrapassar uma linha, é um salto para o vazio".

Para revisitar o fio dos acontecimentos, links em baixo, nesta página, incluindo o impacto, por exemplo, da crise russo-ucraniana no negócio global do petróleo.