O vulcão Cumbre Vieja, em La Palma, ao largo da costa ocidental de África, está, há muito, referenciado, inclusive por alguns cientistas ligados a estes fenómenos telúricos, como um local de potencial catástrofe com impacto Atlântico pela possibilidade de formação de um maremoto gigante se e quando o cone vulcânico colapsar em consequência de sismos gerados pela sua própria actividade, como é o caso dos que ocorrem há quase uma semana.

Mas a verdade é que seria preciso um ciclo muito anormal de ocorrências para serem criadas as condições geradoras de tal fenómeno trágico que poderia chegar com fúria às costas atlânticas do continente africano, das Américas e da Europa, na forma de ondas com vários metros de altura.

Se fossem criadas as condições, numa espécie de tempestade perfeita, o Cumbre Vieja, com 1.949 m de altura a partir do nível do mar, poderia, no caso do colapso do seu flanco mais próximo do mar, gerar um impacto de tal dimensão no Atlântico que, em poucas horas, as costas das Américas, em muito menos tempo as africanas e depois as europeias logo a seguir, seriam atingidas por ondas gigantes causando devastação sem paralelo na história recente, podendo mesmo varrer algumas cidades mais costeiras, especialmente nos vizinhos africanos, onde as ondas poderiam atingir as dezenas de metros de altura.

Há mesmo estudos onde a hipótese mais dramática é trabalhada e sustentada por cientistas considerados credíveis, como Steven N. Ward, do Instituto de Geofísica e Física Planetária, da Universidade da Califórnia, EUA, e Simon Day, do Departamento de Ciências Geológicas da Universidade de Londres, Reino Unido, onde se admite como razoável esperar que uma avalanche de material rochoso, entre 150 km3 e 500 km3 (kms cúbicos) de rocha, despreendido do flanco oeste do cone vulcânico do Cumbre Vieja em direcção ao mar gere o tal mega-maremoto de dimensões bíblicas.

E uma das linhas de investigação apresentada no estudo destes dois cientistas passa pela evidência em muitas ilhas vulcânicas da existência de gigantescos deslizes de rocha a partir de formações deste tipo, tal como existem vestígios consideráveis de maremotos terem atingido a costa em diversos oceanos no passado longínquo.

Há razões para alarme?

Para já, não, porque, apesar de a lava expelida por este vulcão, em cinco dias de erupção continuada ter destruído centenas de casas, e milhares de hectares em colheitas, ainda não chegou ao mar, o que significa que a sua projecção do interior da terra está a ser lenta, e só nas últimas horas foi interrompido o tráfego aéreo para La Palma e a vizinha ilha de Gomera.

É ainda evidente, pelos dados existentes, que este vulcão, que é considerado um vulcão activo, tem mantido uma regular entrada em erupção ao longo dos últimos séculos, desde que as ilhas são habitadas, e mesmo antes, pelos vestígios encontrados no mar e em terra pelos cientistas de várias especialidades, e esse temor, que sempre vem à superfície quando o Cumbre Vieja se manifesta, não deu sinais de poder ir tão longe.

Os cientistas do Instituto Espanhol de Vulcanologia tê estado a emitir informação ao minuto sobre a actividade vulcânica e empenho em desmontar as teorias mais eufóricas sobre o tal mega-tsunami, sublinhando que alguns estudos, como o de Steven N. Ward e Simon Day, têm fragilidades claras porque não tiveram em conta variáveis fundamentais.

Por exemplo, como explicou à DW o vulcanólogo Thomas Walter, professor daa Universidade alemã de Potsdam, "o mais provável", no caso de ocorrer tal deslizamento de terras e rochas, este ocorra em diversas fases e etapas e não de uma única assentada.

Mesmo que, admita o cientista, o pior cenário, que seria semelhante aos chamados filmes-catástrofe, quando sismos ou vulcões ameaçam gerar o bíblico Armagedão via formação de gigantescos maremotos, varrendo o planeta em sucessivas vagas de destruição, esse cenário não é, nem de perto nem de longe, provável.

Porém, os especialistas, ouvidos nos últimos dias, por todos os grandes media do mundo, sublinham que a ciência avançou muito em pouco tempo e hoje é possível perscrutar as entranhas da terra dentro e em redor dos vulcões, permitindo ter uma ideia mais clara, mesmo que não total, do que se vai seguir quando uma erupção está em curso.

Mas é impossível antecipar todos os cenários e o pior pode sempre acontecer, admite o cientista alemão, que coincide na opinião cm outros especialistas, como Maria Ana Baptista, especialista em tsunamis e professora do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, ouvida pelo jornal português Público, que defende que os tsunamis gerados pelo colapso de cones vulcânicos tendem a gerar vagas de curto alcance.

E um dos exemplo avançados para este teoria resulta dos estudos feitos na Ilha de Cracatoa, na Indonésia, que em 1883, naquela que é considerada a maior explosão do género conhecida da humanidade, explodiu de forma muito semelhante ao que os mais eufóricos defensores de um desastre iminente em La Palma, tendo efectivamente gerado um tsunami devastador, matando milhares de pessoas nas ilhas vizinhas, mas circunscrevendo-se a um raio muito limitado, apesar de tudo.

Ou seja, o grande problema com maremotos resulta de sismos e não de colapsos vulcânicos, porque, com sucedeu, por exemplo, em 1755, no conhecido sismo-maremoto de Lisboa, explica ainda Maria Ana Baptista explica "para criar uma vaga com o comprimento de onda necessário para chegar a longas distâncias, é necessária uma grande deformação do terreno".

Esta cientista lembra que as vagas geradas pelos sismos em leito marítimo gera ondas que perduram mais tempo e por maiores distâncias sobre o mar, atingindo longas distâncias, enquanto um eventual colapso do flanco oeste do Cumbre VIeja poderia gerar ondas muito altas mas com dissipação quase imediata, delimitando a sua acção catastrófica a uma geografia de proximidade.

Seja como for, apesar de não ser, nem de perto nem de longe, um cenário provável, nenhum cientista garante que não possa ocorrer o pior cenário, com ondas de 80 metros de altura a viajar a quase 700km/h pelo Atlântico em direcção às costas das Américas, da Europa e de África, onde, pela proximidade de países como a Mauritânia, Senegal, Marrocos ou mesmo Cabo Verde e a Guiné-Bissau, o seu impacto seria maior, podendo produzir vítimas na ordem dos milhões.