Depois de estabelecida a ordem em Bissau, na passada terça-feira, quando um grupo de homens fortemente armados tentou controlar o poder na Guiné-BIssau pela força, tomando de assalto o Conselho de Ministros, o Presidente Umaro Sissoco Embaló acusou o narcotráfico - a Guiné é vista internacionalmente como uma placa giratória de cocaína proveniente da América do Sul - de estar por detrás desta intentona, que provocou 11 mortos e vários feridos durante o forte tiroteio que envolveu atacantes e as forças de segurança.

Foi, como o Novo Jornal noticiou ao longo do dia de terça-feira (ver links em baixo nesta página para revisitar o fio dos acontecimentos), por volta do meio-dia, que um grupo fortemente armado tentou tomar de assalto o Conselho de Ministros que decorria no Palácio do Governo, em Bissau, com a presença do Presidente da República, o primeiro-ministro, Nuno Nabiam, e o restante elenco governativo.

Os governantes guineenses, soube-se posteriormente, estiveram perto de cinco horas à mercê do comando assaltante, durante as quais as forças armadas estiveram envolvidas numa intensa troca de tiros, com recurso a espingardas automáticas e RPG (lança-foguetes), até ao final da tarde desse dia, quando as forças leais ao Presidente entraram no edifício libertado os sequestrados.

Pelo meio, 11 pessoas morreram, várias ficaram feridas, e uma dúvida começou a adensar-se como um tsunami pelas redes sociais e pelos media do país e estrangeiros: Quem tinha estado por detrás desta intentona?

Ladeado pelo primeiro-ministro, o Presidente Embaló, anunciou, já depois das 21:00, a partir do seu gabinete que o golpe falhara e que tinham sido elementos ligados ao narcotráfico que conduziram esta tentativa de tomada do poder na Guiné-Bissau.

Mas, antes, perto das 19:30, Embaló e Nabiam já estavam em "casa", tendo sido o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a desatar esse nó, porque, até aí, o seu paradeiro era desconhecido, tendo mesmo chegado a circular em meios de comunicação social credíveis que tinha sido morto durante o tiroteio.

Toda a comunidade internacional repudiou de forma célere este atentado falhado, desde a ONU à União Africana, tendo a CEDEAO assumido de frente de condenação mais vigorosa, tendo esse vigor dado origem à agora missão de estabilização enviada para a Guiné-Bissau, retomando assim o cenário que existia até Setembro de 2020, quando os chefes de Estado e de Governo da CEDEAO decidiram retirar a força de interposição, ECOMIB, da Guiné-Bissau, onde estava desde um outro golpe em 2012.

Os mesmos Chefes de Estado e de Governo que, agora, na quinta-feira, em reunião de urgência, optaram por retomar a presença de uma força em Bissau de forma a garantir que este pequeno mas turbulento país da costa da África Ocidental não derrape mais uma vez para um ciclo infindável de golpes e contra-golpes, em que, na realidade, está mergulhado desde 1999, quando uma guerra de mais de um ano acabou com o "reinado" de ferro do Presidente Nino Vieira.

Em comunicado, a CEDEAO informa que o envio desta força, que deverá ter lugar em poucos dias, foi uma decisão da organização para tentar normalizar o país, ao mesmo tempo que o golpe voltava a ser firmemente condenado.

Apesar de a acusação de que foram elementos ligados ao narcotráfico que estiveram por detrás da intentona ter partido do Chefe de Estado, as dúvidas, ainda assim, não se dissiparam, mantendo-se até agora por conhecer quaisquer nomes ou caras, sem que se tenha diluído por completo a tese de que se tratou de uma operação a partir de dentro, com apoio das Forças Armadas da Guiné-Bissau traduzindo o mal-estar profundo que há largos meses é público e notório entre Embaló e Nuno Nabiam.

Isto, porque, apesar de se tratar de um Governo de iniciativa presidencial, erguido a partir da coligação de partidos que apoiou a eleição de Umaro Sissoco Embaló, mas que rapidamente deu lugar a uma relação tensa, com remodelações criticadas por Nabuam no Executivo, ou ainda a polémica que há meses envolve um avião de grande porte que aterrou na capital guineense, com autorização Presidencial mas que o Executivo apreendeu por suspeitar de que continha como carga armas ou drogas.

Para já, o que se sabe, embora sem conclusões, é que as Forças Armadas guineenses deram início a uma vaga de detenções no âmbito das investigações posteriores à intentona, havendo notícias de dezenas de pessoas detidas na antiga Fortaleza da Amura, um edifício histórico, datada do século XVII, no centro de Bissau.

Nesta fortaleza, erguida pelos portugueses em 1696, sob controlo militar, onde se encontram já os restos mortais de Amílcar Cabral, o "pai" da independência da Guiné e de Cabo Verde, morto em 1973, em Conacri, também num golpe que permanece envolto em mistério mas que é cada vez mais claro que se tratou de um assassinato político a partir de dentro do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e que se revelaria, como a história o demonstra, o primeiro de muitos "golpes".

Pelo menos quatro golpes de Estado, desde a independência unilateral do país, em 1973 tiveram sucesso imediato e vários foram apenas tentativas frustradas.