Apesar de Angola estar no mapa dos países "apanhados" no mais recente escândalo planetário a envolver centenas de ricos, famosos, políticos, artistas e desportistas, denominado Pandora Papers, num trabalho de análise de 11,9 milhões de ficheiros confidenciais que saíram de dezenas de firmas de advogados, ainda não são conhecidos os nomes envolvidos.

Mas o "cliente 13173", que identifica a família do Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, coloca o continente africano em plano de destaque nesta investigação do ICIJ, que mete na companhia deste líder africano o antigo primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, o primeiro-ministro libanês, o Rei da Jordânia, o primeiro-ministro da República Checa, amigos próximos do Presidente da Rússia, o Presidente do Equador...

O surgimento do queniano nesta lista de famosos é relevante porquanto chegou à chefia do Estado graças a uma tenaz campanha eleitoral fortemente assente em promessas de combate cerrado à corrupção, quando, depois de tomar o poder, pelo que se pode perceber da documentação analisada pelo ICIJ, fez precisamente o contrário e não se coibiu de beneficiar largamente da sua posição de poder para si e para a sua família, uma das mais poderosas do Quénia, sendo, como é, filho do primeiro Presidente do País, Jomo Kenyatta.

Numa das suas mais recentes intervenções públicas, o Presidente queniano fez mesmo questão de insistir na sua determinação de acabar com uma realidade onde milhões vivem na mais severa miséria enquanto alguns lideres políticos vivem com grande riqueza graças ao dinheiro do Estado subtraído através de múltiplos esquemas, defendendo com vigor que a boa governança é a chave para o sucesso dos países.

Mas, agora, aos 59 anos, o Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, vê esta investigação internacional expor outra realidade. Ele e a sua família estão há vários anos a acumular uma imensa fortuna em paraísos fiscais e através de empresas estratégicas criadas para o efeito.

Dizem os documentos agora trazidos a lume que Uhuru Kenyatta, a sua mãe, filhos e uma irmã, estão a armazenar largas fortunas há anos a fio através de fundações escondendo a sua existência do escrutínio público com esquemas complexos que envolvem firmas internacionais de advogados.

Conta o jornalista Will Fitzgibbon, um dos integra os 600 profissionais que trazem a lume este novo escândalo, após os sobejamente conhecidos Panama Papers, Paradise Papers ou o ainda mais próximo Luanda Leaks, que a família presidencial começou a acumular fortunas em off shores quando Uhuru ganhou espaço e poder públicos na condição de estrela da política queniana.

E mesmo num país em que o Presidente está obrigado a enviar ao Ministério das Finanças uma lista com os seus bens, a família conseguiu esconder esta acumulação ilegal no estrangeiro, embora se presuma que agora deverá ocorrer uma investigação para apurar, na justiça do Quénia, como tal foi possível.

Sabe-se também que nos 11,9 milhões de documentos confidenciais surgem os nomes dos africanos Ali Bongo Ondimba, do Gabão, e Denis Sassou-Nguesso, da República do Congo, embora os pormenores devam emergir nos próximos dias ou horas, à medida que este escândalo vai ficando mais claro, sabendo-se igualmente que existem nomes de angolanos por revelar em que circunstâncias aparecem.

São pelo menos 35 actuais ou antigos lideres mundiais e mais de 330 polítricos com cargos de poder implicados em mais este escândalo, que surge espalhado por 91 países, atingindo uma dimensão largamente superior a dos Panama Papers, Paradise Papers ou do Luanda Leaks.

O ICIJ, através de 600 jornalistas de 150 media, trabalhou perto de 11,9 milhões de documentos confidenciais ao longo os últimos dois anos, surgindo agora com mais uma monumental exposição dos benefícios que políticos e homens de negócios conseguem obter através de esquemas baseados em paraísos fiscais.

The Washington Post, o Expresso, de Portugal, a BBC, The Guardian, Radio France, Oštro Croatia, Indian Express, The Standard (Zimbabué), o marroquino Le Desk ou o El Universo, do Equador, são alguns dos media que integram este esforço global de exposição de esquemas que, embora não sendo todos ilegais, mostram uma enorme margem de imoralidade na forma de obter benefícios a partir de posições de poder ou de riqueza acumulada com a qual manuseiam as brechas nos edifícios legais dos seus países.

Numa realidade que é mais próxima de Angola, Portugal, três políticos bem conhecidos surgem neste esquema. São eles Nuno Morais Sarmento, ligado ao PSD, Manuel Pinho, antigo ministro do PS, e Vitalino Canas, conhecido político do PS.

Esta investigação partiu de uma gigantesca fuga de 11,9 milhões de documentos secretos a partir de 14 sociedades de advogados e, além de políticos e homens de negócios, abrange ainda artistas e desportistas conhecidos.

A informação disponível nestas primeiras horas de exposição deste escândalo com 2,94 terabytes, contra os 2,6 terabytes dos Panama Papers (2016), permite perceber que envolve, além dos já citados, o ex-director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, o Presidente chileno Sebatián Piñera; o ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, os cantores Julio Iglesias e Shakira ou o treinador Pep Guardiola.

Pandora Papers, remete para a mitologia grega.

A Caixa de Pandora era o receptáculo onde o Deus dos deuses, Zeus, aprisionava o mal do mundo, da guerra à fome, violência, ódio... e também a esperança, sendo Pandora, a primeira mulher criada pelos deus, a guardiã dessa caixa com a condição de que não poderia espreitar para o seu conteúdo.

Pandora não resistiu à curiosidade e, ao abrir a caixa, soltou todos os males do mundo mas manteve a esperança lá dentro.

Apesar de se tratar de um mito, tal como na sua narrativa, também este conjunto de jornalistas espera que a sua investigação permita soltar a esperança, condenando os males a voltarem a ser confinados na mítica caixa.