Vladimir Putin, colocando como pano de fundo o papel da então URSS no apoio à causa das independências africanas, lembrou todo o sofrimento causado pelo colonialismo e deu como exemplo as situações humilhantes em que as crianças africanas eram enfiadas em jaulas para diversão dos colonos.

E foi ainda mais longe ao sublinhar que viu recentemente fotografias de "africanos a serem transportados para a Europa em 1957", não mostrado nenhuma das imagens, sendo que algumas de meninos africanos dentro de jaulas ladeados por outras crianças filhas de colonos possam facilmente ser encontradas online, embora de um período histórico anterior à data agora citada.

No entanto, estes reparos serviram unicamente para que o chefe do Kremlin pudesse contrapor o papel histórico dos países ocidentais, com um passado fortemente marcado pelo colonialismo e exploração de África através do terror colonial, ao da Rússia, ou antiga União Soviética, que nunca teve colónias.

Pelo contrário, sublinhou Putin, a então URSS ajudou os africanos a libertarem-se do jugo colonial, sem que tenha feito qualquer referência, por exemplo, aos bem conhecidos "Gulags", campos de trabalho forçado siberianos, os mais conhecidos, onde os lideres soviéticos mantinham milhares de indivíduos sob condições tenebrosas apenas por atrito ideológico ou desavenças de natureza política ou social.

Durante a plenária do Fórum Económico do Extremo Oriente, Vladimir Putin trouxe para o palco a questão da disputa global por uma nova ordem mundial baseada na cooperação multilateral que contraponha à actual, dominada pelo ocidente, segundo regras desenhadas pelos EUA no pós II Guerra Mundial e que têm como pilares o FMI, o Banco Mundial ou esmo as Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança é maioritariamente ocidental nos seus assentos permanentes.

Admitiu que África é um terreno fértil nas acções de disputa por influência e defendeu que o ocidente terá muitas dificuldades em convencer os africanos da sua bondade com um passado tão tenebroso ainda fresco na memória de muitos.

Face a isso, apontou, não será difícil a Moscovo restaurar as relações que manteve ao longo das décadas em que a URSS era um forte aliado dos movimentos africanos independentistas e depois desta conseguidas igualmente um pilar na área da cooperação multissectorial.

"Isso, porque a nossa cooperação foi sempre, ao contrário da ocidental, baseada em interesses comuns ou pelo nosso desejo de ajudar", disse o Presidente russo, atacado fortemente o novo interesse demonstrado pelos EUA e países da Europa ocidental no continente africano, depois de, embora sem o relembrar, nos últimos anos, o eixo Pequim-Moscovo ter admitido que o seu objectivo é fazer esfumar o domínio norte-americano e dos seus aliados ocidentais do planeta.

Além dos votos, por exemplo, na Assembleia Geral da ONU, o continente africano é ainda muito relevante na questão do acesso aos recursos naturais essenciais para as novas e velhas indústrias, como as terras raras, o coltão ou o cobalto, além do ouro e diamantes, sem esquecer o petróleo e a madeira, e, não menos saliente, o seu potencial agrícola e hídrico.

E esse interesse está bem patente na forma como todos defendem o ingresso da União Africana no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mo G20, ou a entrada do Egipto e da Etiópia para o núcleo dos BRICS.

Esta reacção de Putin não pode ser enquadrada sem referir que os EUA estão numa forte procura de recuperar o tempo perdido no continente para a China, primeiro, e depois para a Rússia, com o Presidente Joe Biden a anunciar um périplo africano para este ano ainda, ou o reforço da actividade dos pilares da ordem mundial baseada nas regras ocidentais, o FMI e o Banco Mundial, no continente...

Ou ainda a nervosa resposta francesa à sucessão de golpes de Estado militares no Sahel, o coração da FranceAfrique, onde vários dos países francófonos onde Paris mantinha forte domínio e influência, como o Mali, o Burquina Faso, ou o Níger, mudaram a agulha geoestratégica...

O próximo momento em que esta guerra global pela influência das grandes potências sobre os menos robustos económica e militarmente, será a Assembleia-Geral da ONU que tem lugar este mês, nos dias 18 e 19.