Quase ao mesmo tempo, mas não por acaso, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, segue para Bruxelas, levando na pasta as "ordens" de serviço de Washington para os aliados europeus, que já sabem que vão ter muito trabalho nas articulações diplomáticas para resolver o problema ucraniano.

E em Kiev, o Presidente ucraniano, no meio dos mais acelerados avanços das forças do Kremlin na frente de guerra, quando os céus do país enegrecem com as centenas de drones e misseis russos, vive dos momentos mais tensos nos mil dias que passam da invasão russa.

Volodymyr Zelensky sabe que a chegada de Donald Trump à Casa Branca é sinónimo de mais dificuldades para alimentar a sua máquina de guerra, sabe ainda que entre os aliados da Europa ocidental a quebra anímica no apoio a Kiev é igualmente rugosa... então o que fazer?

A resposta pode-lhe ter já chegado pelso serviços de imprensa, que já lhe devem ter levado os recortes do jornal britânico que é, de longe, o seu mais robusto aliado entre os media internacionais ocidentais, The Guardian, numa coluna de um dos mais influentes jornalistas do reino.

Os recados do "Guardian"

Na sua habitual coluna neste jornal, Simon Jenkins, jornalista e autor de diversos livros, que desde a década de 1960 é das vozes mais ouvidas sobre política interna e externa no Reino Unido, diz esta semana que aos ucranianos não resta outra opção que não seja negociar.

Jenkins diz, no que deve ter feito Zelensky dar um murro na mesa, que se somam evidências de que as sanções ocidentais contra a Rússia "falharam completamente", levaram Moscovo a construir novas alianças e apenas serviram para minar as economias ocidentais, com a inflação a corroer os governos europeus e norte-americanos.

Perante este cenário, apresentado pelo colunista do Guardian, que não compromete a direcção mas mostra que ali tem alguma aceitação pelo destaque que lhe é dado nas páginas do jornal, em Kiev e em Washington, no tempo que resta a Joe Biden antes de ceder o lugar a Trump a 20 de Janeiro, resta apenas desenhar uma saída o mais airosa possível através de um processo negociado.

"Acabar coma guerra na Ucrânia é uma escolha que depende de Washington, cujo apoio, se falhar, a Ucrânia colapsa, mas o fim tem de chegar através de negociações, o que significa que as partes devem regressar às negociações que aconteceram em 2014 e 2002, em Istambul, porque não há mais nenhuma saída realista", defende Simon Jenkins.

Com esta fórmula, o colunista do mais influente jornal britânico no momento aponta no sentido da cedência dos territórios anexados pela Rússia, negociando as linhas de fronteira da melhor forma possível, sendo claro que Kiev não pode querer ter a Crimeia de volta, ou mesmo parte do Donbass, abdicar de pertencer à NATO embora o Kremlin tenha de perceber que a Ucrânia precisa de ter garantias internacionais para a sua segurança e aproximar-se da União Europeia.

Zelensky rói as unhas em KIev

Este cenário dramático para Kiev considerando a natureza maximalista das condições expostas por Zelensky nas suas propostas recentes para acabar com o conflito, a Fórmula da Paz ou o Plano de Vitória, que eram ganhar a guerra e voltar às fronteiras de 1991, aquando da independência da então URSS, com a entrada da NATO no conflito, não está muito deslocado do que se começa a erguer como solução nas chancelarias europeias e norte-americana.

Como vai Biden aproveitar os pouco mais de mês e meio antes de sair de cena, é a grande questão mas que, para a qual, Smon Jenkins tem uma solução: não esperar por Trump, dizer claramente a Zelensky que é chegada a hora de aceitar falar com Moscovo, como, de resto, estava a fazer em Março de 2022, dias depois da invasão russa.

Só que, nesse momento, Março e Abril de 2022, Zelensky abandonou as negociações em Istambul, Turquia, porque o "acelerado" então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, irrompeu por Kiev "obrigando" a Ucrânia a sair do processo negocial.

Para isso, Johnson, com o respaldo de Joe Biden e da alemã que dirige a União Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu a Zelensky "todas as armas necessárias e todo o dinheiro que fosse preciso até onde fosse exigido para vergar a Rússia no campo de batalha".

Boris Johnson há muito que saiu de cena, Joe Biden está quase a deixar os palcos da política mundial e Zelensky manteve-se no poder em Kiev porque a Lei Marcial lhe permitiu anular as eleições presidenciais de Maio deste ano, enquanto a guerra continua, a Rússia não está vergada sobre os seus joelhos, pelo contrário, está claramente a ganhar a guerra...

Facilitar a tarefa a Trump

E é a essa realidade agreste para Londres, Washington e Bruxelas que o colunista do Guardian vem agora dar resposta, apresentando como solução ma espécie de proposta para negociar agora enquanto é possível salvar a face e alguma coisa dos territórios anexados por Moscovo, enquanto Trump não chega à Casa Branca, permitindo-lhe fazê-lo com este problema resolvido.

Com isso, Donald Trump poderá gabar-se de ter, como prometeu em campanha, acabado com a guerra mesmo antes de tomar posse e reatar o diálogo institucional com o seu "amigo" Vladimir Putin, o que, em síntese, consubstanciará um cenário em que será impossível a Zelensky manter o poder em Kiev, pelo menos sem se submeter a eleições.

É que, como avisa ainda Jenkins, até para Putin esta pode ser a melhor solução porque, como poucos, ele conhece Trump e sabe que as suas oscilações de humor podem levá-lo a querer mostrar-se forte perante os russos, não por fanfarronice, mas porque sabe que não pode baixar a guarda para o próximo embate dos EUA que será, inevitavelmente, com a China.

A tudo isto, junta-se a inesperada deslocação de Antony Blinken, o chefe da diplomacia norte-americana, a Bruxelas, que a Associated Press diz que é uma operação urgente para lidar com a questão ucraniana junto da União Europeia e da NATO perante este cenário de regresso de Trump à Casa Branca.

Dificilmente se virá a saber se foi o colunista do Guardian que "divinhou" as tramitações diplomáticas em curso, ou se foi Blinken que leu a sua coluna e finalmente percebeu-se em Washington que acabaram as "munições" políticas e diplomáticas e económicas.

E percebeu-se ainda que, desde a ida tempestuosa de Boris Johnson a Kiev em Março de 2022, até às ameaças pueris de von der Leyen de esmagar a Rússia no campo de batalha, passando pelas promessas impossíveis de Biden de manter o apoio "até onde for preciso" à Ucrânia, o ocidente ergueu um beco sem saída no leste europeu agora com muitas semelhanças com outros episódios históricos onde a partir do Ocidente se procurou "matar" o "urso" gigante euro-asiático.

Blinken chega a Bruxelas fragilizado

Nesta ida de Blinken à Europa, segundo a Associated Press, terão lugar, nesta quarta-feira, 13, reuniões urgentes com lideres europeus, da União Europeia e da NATO, sobre a Ucrânia, a partir de um ponto comum para a ordem de trabalhos: a vitória de Trump nas eleições de 05 de Novembro.

Mas a agência de notícias norte-americana, cujas fontes na Administração em Washington são quase directas, não refere apenas a urgência destes encontros, diz ainda que em cima da mesa vai estar a necessidade de garantir que após a saída de Biden, os europeus consolidam o apoio a Kiev.

Esta tarefa de Blinken, cujo registo de falhanços diplomáticos o persegue, desde logo os no Médio Oriente, mesmo não sendo nem refutada nem confirmada por nenhum dos lideres europeus, choca com uma realidade que ninguém desconhece: a Europa não tem condições de substituir o apoio dos EUA à Ucrânia, nem financeiro nem em armamento.

E não é por acaso que, percebendo que a chegada de Trump à Casa Branca representa a saída de cena dos norte-americanos, na Alemanha, uma das maiores vítimas das sanções à Rússia, como nota Jenkins, o chanceler Olaf Scholz já veio dizer que quer reatar o dialogo com Vladimir Putin.

Há, contudo, um elemento que pode ser ainda mais dramático na perspectiva de Kiev, que é, como o Financial Times sugere nesta quarta-feira, o iminente colapso da capacidade de resistência das forças ucranianas, que, há largos meses, contra o que lhes foi prometido pelo ocidente, EUA e União Europeia, viram o apoio reduzir-se até à quase insignificância, tanto em armas como o financeiro.

Vai a Ucrânia ser capaz de evitar que a Rússia consiga ocupar o que lhe falta conquistar das regiões de Zaporizhia e de Kherson, duas das quatro províncias, com Donetsk e Lugansk, anexadas em 2022, antes das eventuais negociações começarem?

Os próximos dias vão ser decisivos para o fim daquele que é já, de longe, o mais destrutivo conflito na Europa desde a II Guerra Mundial.