Dos 101 países que estiveram presentes, apenas 78 o fizeram ao mais alto nível, e na sua esmagadora maioria aliados ocidentais de primeira linha de Kiev, sendo que foram 79 os que assinaram o documento final, apesar deste ser uma versão aligeirada das exigências de Kiev.
O documento foca-se em três questões essenciais, desde logo a segurança alimentar, a garantias de segurança nuclear e a troca de prisioneiros e do regresso das crianças ucranianas levadas para a Rússia.
Mas foi a parte em que o texto coloca como princípios essenciais a soberania, independência e integridade territorial da Ucrânia, embora limpando alguma adstringência dando-lhe um cariz global, como o determina a Carta das Nações Unidas, que levou muitos dos países do Sul Global, como o Brasil, África do Sul, México, Arábia Saudita, Indonésia, Índia... a não assinarem o documento.
Como a Lusa refere, o Brasil foi um dos países que não assinaram hoje o comunicado final da Cimeira para a Paz na Ucrânia, documento que pede o envolvimento de todas as partes nas negociações de paz e "reafirma a integridade territorial" ucraniana.
Também não subscreveram o documento Arménia, Barém, Líbia, Tailândia, Emirados Árabes Unidos.
O documento, que pede que "todas as partes" do conflito estejam envolvidas para se alcançar a paz, foi subscrito por 84 países, incluindo os da União Europeia, Estados Unidos da América, Japão, Argentina, Somália e Quénia.
O texto, citado pela agência France-Presse (AFP), reafirma "os princípios da soberania, da independência e da integridade territorial de todos os Estados, incluindo a Ucrânia".
Mas há uma luz no fundo do túnel
No princípio, a ideia da Ucrânia e aliados era simples, usar este encontro de perto de 90 países e algumas organizações internacionais, chamando-lhe Cimeira de Paz para lhe dar estatuto e relevância, para isolar a Rússia, mas que foi, na verdade, apenas um encontro de aliados porque não há possibilidade de uma paz negociada sem ambos os contendores presentes.
Como o Sul Global não alinhou na jogada arriscada de xadrez de Kiev e NATO, com a recusa de vários países importantes em participar e outros a mostrarem o seu desconforto com uma Cimeira de Paz de apenas um lado em conflito enviando delegações de 2ª e 3ª linhas, rapidamente a Suíça, país anfitrião, começou a falar na necessidade de uma segunda Cimeira já com todos dentro.
Ainda por cima, horas antes do arranque deste encontro na cidade suíça de Lucerna, numa conhecida estância turística, Burgenstock, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, avançou com uma proposta concreta para um acordo de paz imediato.
O Kremlin, que está claramente por cima nesta guerra, mesmo que os avanços no terreno sejam curtos e esparsos, mas com mais soldados, mais equipamento e uma evidente supremacia aérea, a vantagem é sua, está disposto a baixar as armas e acabar com o "matadouro" da Ucrânia.
Isto, como explicou Putin na sexta-feira, se Kiev mandar retirar as suas forças da parte das regiões anexadas pela Rússia em 2022 que ainda controla, nomeadamente Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, visto que a Crimeia, anexada em 2014, está totalmente nas mãos dos russos.
A reacção dos aliados ocidentais de Kiev foi célere e ríspida, todos a defenderem a irracionalidade da proposta de Putin, tendo o Presidente Zelensky sido dos últimos a reagir, o que mostra que terá estado a conversar com os seus assessores sobre o assunto, acabando por considerar que o chefe do Kremlin não fez mais que um ultimato que só pode ser veementemente recusado.
No entanto, Andriy Yermak, o chefe de gabinete de Zelensky e uma das figuras de proa do regime, visto por muitos como o notório e influente "número 2", que foi um dos realizadores que trabalhou com antigo actor e humorista que o Presidente foi, pela primeira vez em quase dois anos, admitiu conversações com Moscovo.
Yermak não foi macio nas críticas a Putin e às suas propostas, que, além da saída das forças ucranianas das novas regiões russas, na perspectiva de Moscovo, quer ainda garantias, tudo com base num acordo internacional de segurança na Europa, a neutralidade de Kiev mantendo-se fora da NATO.
Numa publicação nas redes sociais, o chefe de gabinete de Zelensky frisou, como era esperado, na tecla da soberania, na firme oposição à cedência de territórios aos russos, mas sublinhou, como é citado pelo Politico, jornal norte-americano com um dos melhores acessos aos corredores da Casa Branca, que Kiev "respeita a opinião de todos os países".
E um dos mais importantes é a China, que Kiev tudo fez, sem sucesso, para estar nesta Cimeira da Suíça, que propõe que os interesses e as questões de segurança da Rússia devem ser consideradas em quaisquer negociações de paz que surjam no caminho deste conflito.
Andriy Yermak assumiu que essas opiniões são substantivas para a definição de um plano conjunto para sair desta guerra e que quando esse documento estiver pronto, a Ucrânia estará pronta "para encontrar forma de apresentar essa proposta à Rússia".
O que o "número dois" de Zelensky está a dizer com estas palavras é que o Presidente ucraniano está disponível para anular o decreto que fez publicar e aprovar onde se proíbe a si mesmo e a qualquer elemento do seu Governo de negociar com Vladimir Putin.
Alias, a denominada fórmula de paz, que é uma evolução do Plano de paz de Zelensky em 10 pontos, aparentemente, no contexto da Cimeira na Suíça, para proporcionar a abertura de uma segunda Cimeira, desta feita com todos, deixa de lado a questão dos territórios ocupados, focando-se em questões substancialmente mais simples e que devem ser o grosso do comunicado final deste encontro qaue só deverá ser conhecido após o encerramento dos trabalhos.
Que são a segurança nuclear, a segurança alimentar e a troca de prisioneiros e o regresso à Ucrânia das centenas de crianças que foram levadas para a Rússia, com os russos a alegarem que os menores foram apenas retirados de zonas de guerra para sua segurança mas que, como garantiu Putin, seriam devolvidas às famílias na primeira oportunidade.
Naturalmente que os media ocidentais vão, como é esperado, focar os relatos desta Cimeira de Burgenstock nas palavras duras dos lideres europeus e norte-americanos, como a frase bombástica do Presidente francês, Emmanuel Macron, que disse já que a Ucrânia "não pode capitular".
Mas isso não retirará a condição de elemento mais relevante dos dois dias de trabalhos na Suíça a disponibilidade, pela primeira vez assumida por Andriy Yermak de conversar com Putin.
Desde Abril de 2022, um mês depois da invasão russa, quando russo e ucranianos, com intermediação da Turquia, iniciaram negociações de paz, havendo mesmo um "draft" de acordo pronto e rubricado pelas partes, que Kiev não admitia desta forma "conversar" com o Kremlim.
Recorde-se que esse processo negocial de Istambul foi terraplanado pelo então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, telecomandando por Washington, que irrompeu por Kiev (ver links em baixo nesta página) e obrigou Zelensky a retirar-se da mesa de negociações, prometendo-lhe todo o apoio, por tempo ilimitado, em armas e dinheiro, até que a Rússia fosse derrotada no campo de batalha.