Estes dois exercícios militares da NATO em simultâneo, abrangendo as fronteiras da Aliança com a Federação Russa e a Bielorrússia, incluindo o leste europeu e a vastidão nórdica até ao Ártico, é uma raridade de tal ordem que só é explicada pelo contexto da guerra na Ucrânia.
O contexto da guerra na Ucrânia é, em primeiro plano, a iminente derrota de Kiev na frente de batalha, como os seus aliados ocidentais já não escondem, nem o Presidente Zelensky procura contornar ao afirmar essa possibilidade a cada renovado e lancinante pedido de mais armas.
Mas não menos saliente são os recentes e dramáticos acontecimentos, como a admissão pelo Presidente francês, Emmanuel Macron (ver links em baixo nesta página), de que o ocidente pode enviar tropas para a Ucrânia para evitar a derrota de Kiev.
E não é possível escamotear deste xadrez que evolui a uma velocidade que pode levar a tropeções inesperados, como o Presidente russo, Vladimir Putin, avisou, que é uma guerra aberta entre Rússia e NATO, que é o mesmo que dizer, a uma guerra nuclear devastadora.
A tudo isto, junta-se agora a mais abrasiva das escutas telefónicas divulgadas por Moscovo este fim-de-semana, na qual dois generais de topo alemães surgem a conversar e a confirmar que Berlim, afinal, vai mesmo enviar os poderosos misseis de longo alcance Taurus para Kiev.
Isto é sério porque o chanceler alemão, Olaf Scholz, tem repetido que a Alemanha não vai enviar nem estes misseis nem militares para a Ucrânia, o que é contrariado pelos dois generais que na conversa "apanhada" dizem que com os Taurus vão equipas de apoio para o seu uso.
Num cenário em que misseis alemães de longo alcance são enviados da Ucrânia para alvos no interior da Federação Russa operados por equipas de especialistas militares alemães, isso é visto em Moscovo como um acto de guerra da Alemanha contra a Federação Russa.
Mas é ainda mais grave porque Olaf Scholz foi lesto a desmentir, até com uma clara agressividade, o Presidente francês quanto ao envio de forças dos países da NATO para a Ucrânia, embora seja hoje evidente que isso não é verdade.
Isto, porque não só The New York Times divulgou há dias que a CIA tem mais de uma dezena de postos avançados no leste da Ucrânia como é certo que os países da NATO, especialmente polacos, britânicos e franceses, têm oficiais a ajudar Kiev a desenhar a estratégia de guerra
E é neste contexto que os dois exercícios da NATO em simultâneo, cujo palco é a geografia fronteiriça da Rússia e da Bielorrússia com a Europa ocidental, o Steadfast Defender 24 e o Norweigan-led Nordic Response 24, decorrem, agrupando meios raramente vistos.
Se o exercício no Norte-Ártico vai juntar 20 mil militares para debutar a Suécia e a Finlândia, a mais recentes entrada na NATO, além de centenas de meios terrestres, marítimos e aéreos, o Steadfast é, definitivamente, o que tem concentrada a atenção do Kremlin.
E as preocupações dos russos são simples de explicar: o Steadfast Defender 24 conta com a participação de mais de uma dezena de países da NATO, perto de cem mil militares, e uma concentração de meios que já não era vista desde o fim da Guerra Fria, em 1990, que evolui junto daas suas fronteiras de segurança existencial.
Ao todo, os dois exercícios, que geograficamente estão muito próximos, agregam mais de 110 mil soldados e milhares de carros de combate e de transporte, centenas de aviões de guerra, e veículos anfíbios... e se a NATO garante que é apenas treino regular das suas unidades, em Moscovo não faltam razões para manter a guarda.
Até porque a Rússia, antes da invasão da Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, juntou mais de 120 mil tropas, com blindados, helicópteros... negando repetidamente intenções de avançar sobre as fronteiras ucranianas como garantia, por exemplo, o Presidente dos EUA, Joe Biden...
Além disso, o Kremlin conta agora com as palavras de Emmanuel Macron a admitir o envio de forças para a Ucrânia e os dois generais alemães apanhados a conversar ao telefone, também o admitem, falando mesmo na existência de planos para o efeito e confirmam a presença de britânicos na guerra.
E nem isso é algo de novo, porque são diversos os analistas militares que colocam como "a evolução natural" da guerra a entrada de forças da NATO na Ucrânia, como o major general Agostinho Costa, ou ainda Jacques Baud, antigo oficial da NATO e da intelligentsia suíça, e Alexander Mercouris, especialista britânico em geopolítica.
Mas se tal suceder, o mundo pode evaporar-se numa fornalha nuclear, porque quase imediatamente a seguir à invasão russa, tanto Putin como o seu homólogo norte-americano, Joe Biden, admitiram que um confronto entre a Rússia e países da NATO levaria, inevitavelmente, a um confronto nuclear.
E o chefe do Kremlin voltou a sublinhar essa possibilidade no seu mais recente discurso à Nação, perante a Duma, o Parlamento russo, onde advertiu de forma clara que qualquer avanço da NATO levará a um Armagedão nuclear.
"Mas nós lembramo-nos do destino de todos aqueles que ousaram no passado tentar invadir o nosso território, mas o que espera hoje quem o fizer será muito mais trágico", alertou, deixando em evidência a disponibilidade para recurso às armas nucleares.
"As nossas forças nucleares estratégicas estão em total prontidão", avisou logo no início deste discurso à Nação na Duma, o Parlamento da Federação Russa.
"O que nós podemos fazer a quem nos atacar é, seguramente, muito mais devastador que aquilo que eles nos podem fazer a nós", enfatizou, para referir de seguida que a Rússia "tem armas que os podem derrotar no seu próprio território e contra as quais nada podem fazer".
Entre este jogo de galos, com a NATO de um lado e a Rússia do outro, pelo meio a Ucrânia vive o seu mais desolador momento na frente de batalha, com as suas posições quase todas a recuar face ao avanço russo, ou a resistir com pesadas baixas e quase sem munições e artilharia.
Zelensky admite mesmo que uma derrota está agora entre as possibilidade, considerando que tal seria "a mais humilhante vergonha" para o ocidente, deixar-se derrotar pela Rússia, voltando a pedir aos europeus e norte-americanos que lhe forneçam mais armas e mais meios.
Há, todavia, uma renovada vaga de iniciativas de paz, desde logo uma chinesa, com Pequim a enviar o seu enviado especial para a EurÁsia, Li Hui, com passagens marcadas para Moscovo, onde esteve nas últimas horas, Ucrânia, Polónia e Alemanha.
Na passagem pela capital russa, Li Hui concordou que não é admissível que o ocidente esteja a realizar cimeiras para discutir a paz na Ucrânia sem a Rússia, como veio dizer o seu interlocutor, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Mikhail Galuzin.
Quase ao mesmo tempo, o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, veio dizer, numa conferência de imprensa, que deve ser conseguido um cessar-fogo rapidamente na Ucrânia.
FIdan, que tutela a diplomacia da maior potência militar convencional da NATO na Europa, sublinhou que um diálogo de cessar-fogo não tem de "partir do reconhecimento da ocupação russa", mas sublinhou que "o tema da soberania deve ser discutido ao mesmo tempo".