Desde a infalibilidade do seu plano para ajoelhar a Rússia a ponto de obrigar o Kremlin a clamar por negociações até à formidável jogada diplomática para encostar o Presidente Vladimir Putin às cordas numa nova Cimeira de Paz, tudo parecia estar sobre os carris no plano de Zelensky forjado para ganhar a guerra.
Tudo ficaria claro quando fosse conhecido o já famoso "plano" de Zelensky com o qual surpreenderia o mundo, mas especialmente a Federação Russa e o seu Presidente, Vladimir Putin.
Mas eis que a uma das maiores e relevantes agências de notícias mundial e um dos media que mais acaloradamente apoia Kiev, vem agora atirar um balde de água fria sobre o sobreaquecido plano de Zelensky: "É apenas uma lista de desejos", noticia esta quarta-feira, 25, a norte-americana Bloomberg.
A agência sublinha ainda, porque obteve informações precisas sobre o conteúdo da "arma secreta" de Zelensky junto dos seus conselheiros, que o seu plano, que vai ser, oficialmente apresentado esta semana ao Presidente dos EUA, Joe Biden, afinal não contém qualquer surpresa.
Os cinco pontos-chave deste plano devem mudar de alto a baixo o actual curso da guerra, onde as forças russas levam larga vantagem avançando quilómetros por dia em território controlado por Kiev, ao mesmo tempo que internamente crescem vozes a admitir, citadas por jornais como o Financial Times, London Times ou The New York Times, que a Ucrânia está à beira do colapso militar se não acontecer algo poderoso que altere este cenário.
E é, ao que tudo indica, o que pretende ser o plano de Zelensky, um "game changer", como o foram ao longo dos quase três anos de guerra, os HIMARS, os Leopard 2, os M1 Abrams, os F-16... sem que nada tenha mudado efectivamente neste "jogo".
Kiev força caminho para dentro da NATO
O que o Presidente ucraniano visa com esta apresentação na Casa Branca é, já se sabe em termos gerais, porque o próprio o divulgou, a segurança da Ucrânia com garantias internacionais, a liberdade de acção total, como aderir à NATO, por exemplo, apoio económico robusto e duradouros dos aliados ocidentais e reforçar o fluxo em material militar sem limites ao seu uso, como os misseis de longo alcance.
A ser esta enumeração de requisitos consistente com o que vai ser desdobrado na Casa Branca quando, ainda esta semana, depois de se ter dirigido ao Conselho de Segurança e já hoje à Assembleia-geral, se encontrar com Joe Biden, então o plano secreto de Zelensky é apenas mais do mesmo mas embrulhado de forma a parecer uma novidade.
A Bloomberg, citando fontes próximas do líder ucraniano, refere que se trata de "uma lista de desejos" que não contem "qualquer novidade" e que não é, nem de perto nem de longe, "um factor de mudança relevante no curso da guerra".
Na verdade, o jogo que Zelensky está a jogar, segundo alguns analistas, como o britânico Alexander Mercouris, com posições pró-russas no geral mas revelando uma acuidade nas suas análises que se têm revelado certeiras, é "garantir a sua própria segurança" junto dos parceiros-chave da Ucrânia, como são os EUA.
Isto, porque, com o evoluir da frente de batalha claramente a pender para uma vitória russa com calendário mais ou menos apertado, dependendo do volume do apoio ocidental, que tem vindo a diminuir dramaticamente, tanto o europeu como o norte-americano, Volodymyr Zelensky precisa de prevenir quaisquer convulsões internas em Kiev e proteger-se a si e aos seus mais próximos.
E tal só pode ser conseguido com o envolvimento das organizações ocidentais a que a Ucrânia quer pertencer, como a NATO e a União Europeia, o que lhe garantiria segurança em caso de crise política severa.
Crise que pode emergir no decurso, por exemplo, das contrariedades esperadas no conflito com a Rússia, onde estas organizações lhe serviriam de rede de segurança e de controlo de eventuais erupções de violência em Kiev como, por exemplo, aconteceu em 2014, quando, com o apoio de Washington e de Bruxelas, foi organizado o golpe de Estado que destituiu o Presidente pró-russo Viktor Ianukovych.
Todavia, como o Novo Jornal já avançou, alguns analistas notam que o secretismo em torno deste plano pode não ser resultado do seu bombástico conteúdo, mas sim porque se trata de uma folha em branco que Zelensky vai preencher à medida que sentir o pulso da vontade de vitória ou de desistência dos seus aliados nos múltiplos encontros que está a manter em Nova Iorque.
Com esse ardil, Zelensky pode, no final, abrir o livro e mostrar um conteúdo que satisfaça a todos sem comprometer a base inicial das suas intenções, que é não assumir uma derrota sem condições e manter em aberto várias opções seguras para o seu futuro, e dos seus colaboradores mais próximos.
Além disso, outra possibilidade emerge como tendo alicerces de sustentação, que é o facto de poder responder aos seus aliados ocidentais que começam claramente a pedir negociações com a Rússia para acabar com a guerra devido às consequências nefastas desta nas suas economias, seja o chanceler alemão Olaf Scholz, seja o Presidente Checo, Petr Pavel.
E essa resposta será que as negociações com os russos estavam muito bem encaminhadas em Março de 2022, com um acordo quase assinado em Istambul, intermediado pelo Presidente turco, Recep Erdogan, quando o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, respaldado por Washington e Bruxelas, foi a Kiev obrigar a Ucrânia a retirar-se dessas negociações a troco de apoio militar e financeiro sem limites até à derrota da Rússia e uma entrada acelerada na NATO e na União Europeia.
Ora, o que Zelensky pode dizer agora aos seus amigos ocidentais é que se a Ucrânia está à beira da derrota militar é porque o tal apoio ilimitado e até onde fosse preciso, como repetiram insistentemente até finais de 2023 norte-americanos e europeus, afinal está a falhar clamorosamente devido aos danos gigantescos nas suas economias provocados pelas sanções à energia Rússia, petróleo e gás, especialmente na Europa Ocidental...
E o tal plano intrincado para garantir a vitória sobre a Rússia pode muito bem ser a ameaça de tornar públicos os acordos, eventualmente até acordos assinados, com britânicos, norte-americanos e a União Europeia antes de desistir das negociações de Istambul com Moscovo, a troco de apoio ilimitado e entrada rápida na NATO e na União Europeia.
Se tal sucedesse, o que é uma mera possibilidade, os danos reputacionais para os seus aliados ocidentais seriam catastróficos, especialmente para os norte-americanos que estão à beira de eleições Presidenciais e a candidata democrata, Kamala Harris, seria especialmente atingida.
Um dado a favor desta teoria é o facto de Donald Trump, o ex-Presidente e actual candidato dos republicanos, já ter anunciado que não vai receber Volodymyr Zeensky nesta sua visita aos EUA, aplicando um rude golpe no ucraniano que tinha anunciado oficialmente esse encontro para lhe apresentar, também, o seu plano de vitória.
Mais, o que Trump já veio dizer é que quer este conflito terminado rapidamente assim que chegar à Casa Branca, o que se está a revelar mais complicado agora que tem pela frente Kamala Harris que quando o candidato democrata era Joe Biden, embora as sondagens mantenham uma vantagem de apenas entre 1% e 3%, sendo que nos denominados "estados decisivos" é o antigo inquilino da Casa Branca que leva vantagem, mantendo assim tudo em aberto.
Uma janela para a III Guerra Mundial?
Há, porém, algo de muito mais melindroso neste plano de Zelensky, que a Bloomberg, citando uma fonte próxima de Zelensky, denomina como "lista de desejos".
Um dos desejos de Zelensky é que os norte-americanos, britânicos e franceses, autorizem o uso dos seis misseis de longo alcance, sejam os balísticos ATACMS, sejam os de cruzeiro Storm Shadow e Scalp-G, para ataques a alvos na profundidade do território russo.
Isto, mesmo depois de o Presidente russo ter dito sem titubear que se tal autorização dor dada, será vista em Moscovo como uma declaração de guerra e a resposta será ajustada a essa realidade, na qual já antes tinha admitido que o Reino Unido, quando Londres era a única capital a defender essa autorização, estaria sob a mira das ogivas de Moscovo.
Mas não menos assertivo já tinha sido Putin, e Joe Biden, quando, em Abril de 2022 já se conheciam declarações de um e doutro no sentido de que era urgente evitar um confronto directo entre a NATO/EUA e a Rússia, porque o primeiro tiro teria como desfecho inevitável a III Guerra Mundial e nada poderia travar a escalada rápida para um Armagedão nuclear.
Mesmo sabendo isto, uma das mais persistentes demandas do Presidente ucraniano é que Washington, Londres e Paris autorizem o uso dos seus misseis para Kiev atacar a Rússia na profundidade do seu território.
Talvez esta seja a razão cimeira para que até agora nem Washington nem Paris terem dito que sim às pretensões de Zelensky, estando apenas os britânicos na disposição de o fazer, sem que se perceba muito bem se é por desconhecerem os riscos ou porque não acreditam nas ameaças de Putin ou apenas por insensatez.
Há, porém, um elemento a favor da ideia de bluff por parte da Rússia, que é o facto de, após a anexação das regiões ucranianas de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, Putin ter vindo dizer que nesse momento tinha deixado de haver diferenças entre ataques a estas regiões ou a Moscovo, porque era tudo em igualdade parte da Federação Russa e, no entanto, Kiev tem usado as armas ocidentais para atacar estas regiões "russas" sem consequências extraordinárias.
O que diz o Kremlin a isto tudo?
O porta-voz do Kremlin e a voz de Putin quando não é este a falar, Dmitry Peskov, já veio dizer que não há qualquer possibilidade de um acordo de paz antes de a Rússia atingir todos os objectivos propostos para a sua "Operação Militar Especial".
Foi com estas palavras que Peskov respondeu a Zelensky, questionado pelos jornalistas, quando o Presidente ucraniano afirmou, numa das muitas entrevistas aos media ocidentais antes de rumar a Nova Iorque, que "se estava mais próximo do fim da guerra do que se pensa".
Nessa entrevista à norte-americana ABC, Zelesky explicou a frase sonora afirmando que para chegar à paz, a Ucrânia "só precisa de ser forte, muito forte" de forma a impor a Moscovo uma vontade de negociar o fim do conflito.
Admitindo que "todos os conflitos terminam um dia num acordo", Dmitry Peskov reafirmou que nesta caso só com as condições propostas por Moscovo tal será possível, o que passa por atingir os objectivos da operação miliar em curso.
Isto, quando, já antes, o porta-voz do Kremlin tinha afirmado que assim que chegar às autoridades russas informação oficial sobre o tal plano de Zelensky, este "não deixará de ser analisado"
E enviou um recado para Kiev e para as capitais dos aliados ocidentais da Ucrânia: "Quanto mais depressa a Rússia atingir os seus objectivos, mais depressa o conflito termina".
E esses objectivos são os que Vladimir Putin disse em Julho deste ano que se Kiev quisesse acabar com a guerra, bastava retirar as suas tropas das regiões russas anexadas em 2022 e que ainda não estão totalmente nas mãos dos russos (Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk), abdicar sem condições da adesão à NATO com garantias internacionais de neutralidade e ainda a erradicação das estruturas neonazis do seio do regime ucraniano.