Ainda em Nova Deli, capital da Índia, onde este fim de semana, 09 e 10, decorreu mais uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, que, primeiro, ficou marcada pela ausência do russo Vladimir Putin e do chinês Xi Jinping, depois pela vitória da Rússia conseguida mesmo sem a presença do seu Presidente, que foi a não condenação de Moscovo na declaração final, ainda a entrada da União Africa neste grupo da elite mundial com pleno direito e, já depois da sua conclusão, pelas garantias inusitadas de Lula da Silva sobre o TPI.

Já numa segunda abordagem ao assunto, o Presidente brasileiro lançou uma nova abordagem na forma de esperança de que este assunto já nem esteja em cima da mesa na reunião do G20 de 2024, no Rio de Janeiro, porque o conflito "tem de estar já terminado".

Se a ausência de Xi e Putin deste "conclave" dos 20 mais ricos do mundo, já era esperada, e se a entrada da organização pan-africana também estava na calha, foi com estrando que os media internacionais leram a declaração final onde não surge uma condenação da invasão russa da Ucrânia, o que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, atribuiu à imposição do "sul global", ou seja, os países emergentes, contra EUA, Japão e europeus ocidentais.

Mas o melhor estava para vir, como a cereja no topo do bolo para os media de todo o mundo: a ameaça de Lula da Silva ao Tribunal Penal Internacional, apostando em não deixar que a reunião do G20 do próximo ano, no Brasil, não fique marcada pelo que sucedeu na África do Sul, no encontro dos BRICS, onde Pretória, primeiro ameaçou sair do TPI, depois de não permitir a detenção de Putin se este fosse a Joanesburgo, e, por fim cedeu e obrigou o chefe do Kremlin a ficar em Moscovo, por não poder travar qualquer iniciativa para a sua detenção pela justiça do país, que é independente, mesmo que Putin nunca tenha confirmado a deslocação.

Se Lula disse, de forma intempestiva, logo em Nova Deli, que não iria permitir a detenção de Putin no Brasil, pelo menos enquanto fosse ele o Presidente, depois virou ligeiramente o bico ao prego e, mais tarde, veio reajustar a "artilharia" para um alvo ainda mais apetitoso... rever o próprio estatuto do Brasil no seio do TPI, que, recorde-se, é uma instância judicial internacional sem respaldo das Nações Unidas, embora esta reconheça a sua existência e utilidade.

Em cima da mesa está a ameaça de represálias a Brasília por parte do TPI se não forem cumpridas as suas premissas, como avança a imprensa brasileira, onde surgiram nas últimas horas diversos relatos do que pode acontecer se Putin for ao Brasil e o mandato de detenção não for cumprido pelas autoridades judiciais brasileiras, pelo menos enquanto a participação do pais neste organismo não for redesenhada.

De acordo com o Estatuto de Roma, no ser Artº 87, os países que não acatarem as determinações deste tribunal são convocados para uma assembleia geral e é no decurso desta que será determinada a sentença, podendo ir até à suspensão, com as consequências adjacentes, ou exclusão de órgãos da ONU.

O TPI é acusado amiúde de ser um instrumento de perseguição aos mais pobres e países emergentes, como o demonstra a sua história, onde apenas membros de guerrilhas e grupos armados em África ou chefes militares da antiga Jugoslávia, ou agora Putin, foram condenados ou alvos de mandados de captura, sendo nem os EUA, a Rússia, a China, entre outros, o integram...

A guerra vai até onde as eleições nos EUA a deixarem...

Com o avançar do calendário, com a guerra entre Rússia e Ucrânia a entrar no 19º mês, o mundo vai dando cada vez mais mostras de cansaço para este conflito, como, por exemplo, o demonstra o conteúdo da declaração do G20 de Nova Deli, a decrescente importância que merece nos media internacionais, onde começa a aparecer cada vez mais nas páginas secundárias dos jornais ou no alinhamento tardio dos noticiários das tv"s de todo o mundo, com alguns dos seus mais acesos defensores e protagonistas, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyn, a sair de cena num acentuado fade out, depois de ser o grande falcão de guerra europeu a defender a derrota da Rússia no campo de batalha custasse o que custasse.

Por detrás deste cansaço global estão razões diversas e variadas, como seja o encalhar da contra-ofensiva ucraniana, depois de meses a prometer um desenlace rápido, com a chegada de milhares de milhões de dólares em armamento norte-americano e europeu a Kiev, as perdas dramáticas de vidas, dos dois lados mas vincadamente mais acentuadas no rebordo ucraniano do conflito, como sempre sucede em quem ataca, a crise económica severa que está a fazer colapsar gigantes europeus como a Alemanha e a França, cada vez mais ligada às sanções à Rússia, especialmente na área energética.

Porém, a questão que mais está a acelerar este fade out da relevância do conflito é o ruidoso calendário eleitoral das grandes potências em 2024, com os norte-americanos a verem em perigo o empenho "até onde for preciso" do Presidente Joe Biden se, como as sondagens o admitem com crescente vigor, Donald Trump voltar à Casa Branca, com as sondagens a marcar claramente que a maioria dos eleitores já não querem que o fluxo de "biliões" continue entre Washington e a Ucrânia.

Mas não é só nos EUA que as eleições ameaçam o "até onde for preciso", também as eleições na Federação Russa, onde Putin deverá ser reeleito facilmente, lançam ruído internacional, porque se a guerra não começar a desvanecer-se neste Inverno do Hemisfério Norte, o Kremlin poderá ver-se forçado a ter de escalar o conflito para outro patamar, com, por exemplo, uma mobilização geral de forma a acabar com ele, além de empregar outro tipo de armamento no campo de batalha...

E se as eleições nos EUA e na Rússia são importantes, o adiamento da ida às urnas para escolher "novo" Presidente na Ucrânia, que a Lei Marcial decretada por Volodymyr Zelensky garante adiar para depois do conflito terminar, também pode chegar à frente de palco, lançando dúvidas sobre a vitalidade da democracia ucraniana, algo a que as opiniões públicas ocidentais podem ser sensíveis...

Embora sendo um actor menos incandescente neste conflito do leste europeu, também na Índia, o "segundo" gigante asiático, o primeiro-ministro Narendra Modi vai estar na corda bamba e empenhado na sua reeleição, o que implica estar obrigado a resolver alguns problemas económicos sérios, como alimentares e na produção interna, sendo que, para ambos, precisa de contar com a Rússia, seja na área alimentar como na energética, com Moscovo a chegar ao topo dos fornecedores de petróleo e de gás a Nova Deli, o que implicará um eventual reposicionamento da sólida equidistância de Modi face à guerra.

Com este intrincado xadrez mundial, e no qual os analistas menos entrincheirados na propaganda ocidental/NATO/EUA já admitem que a guerra na Ucrânia começa a ser o "elefante na sala" que todos querem ver sair mansamente pela porta antes que destrua os cristais com as patas e a tromba, talvez Washington possa em breve levar pela mão o Presidente Zelensky à mesa das negociações se conseguir de Moscovo uma saída que permita que ninguém seja claramente derrotado aos olhos do mundo...

Isto, porque na linha da frente, na frente de guerra, nada de novo parece estar ou pode vir a acontecer nos próximos largos meses, com a chegada do Inverno, que transformará as estepes e as trincheiras em gigantescas áreas de lama e pântanos intransponíveis.

Há, no entanto, alguns indícios de que as coisas podem vir a reacender-se na Primavera de 2024, como é disso demonstração a visita do histriónico Presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un a Vladivostok, cidade do extremo oriental da Rússia, para se encontrar com Vladimir Putin, e no qual, garantem vários meda internacionais ocidentais, sem que os russos o admitam de forma clara, Moscovo garantirá um fornecimento substancial de munições e peças de artilharia, que os norte-coreanos produzem em grande quantidade, enquanto Pyongyang terá acesso a tecnologia moderna para satélites e submarinos nucleares, além de armas hipersónicas.

A troca de "favores" entre russos e norte-coreanos tem, no entanto, outra dimensão que não é ignorável, que é o facto de garantir que a Coreia do Norte se mantém uma ameaça para os vizinhos, como o Japão e a Coreia do Sul, levado estes a ter, por razões de segurança nacional, menor capacidade de apoiar a Ucrânia no esforço de guerra com a Rússia, além de que Pyongyang se mantém como um pêndulo ameaçador sobre os EUA e os seus interesses no sudoeste asiático, especialmente devido à crise China/Taiwan.