A data de 20 de Maio está a ser definida como o último dia do mandato constitucional da Presidência de Zelensky, eleito em 2019, e a questão é que, do lado russo, esta data marca o fim das garantias de protecção institucional ao Presidente legítimo da Ucrânia.
O que não é a abordagem ucraniana, nem sequer dos seus aliados, embora alguns analistas estejam a enfatizar que há países ocidentais cujas constituições dificultam o apoio a países nesta situação, em que a legitimidade do Chefe de Estado é prolongada por uma Lei Marcial.
Pouco depois da invasão russa da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022, o então primeiro-ministro israelita Naftali Bennet, foi a Kiev e a Moscovo com a missão de apurar, provavelmente a "pedido" dos EUA e da NATO, se Putin poderia ordenar a execução do Presidente ucraniano.
Depois de regressar a Israel, Bennett disse que tinha recebido garantias de Putin de que Zelensky não seria um alvo para os misseis russos porque Moscovo respeitaria o lado institucional do líder ucraniano.
Todavia, esse "escudo" institucional, ao que parece, pelas palavras de Dmitri Medvedev, o antigo Presidente russo e actual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, deixou de estar activado pelo Kremlin, sublinhando que, com o fim do seu mandato, Zelensky passou a ser "um alvo legítimo".
Normalmente visto como o "fala-barato" do Kremlin, Medvedev tem-se distinguido pelas afirmações mais "soltas" e até irresponsáveis e de mau gosto político, mas nunca desmentidas verbalmente por Putin ou o seu Governo.
O que, por um lado, determina que esta ameaça não é uma sentença de morte clara para Zelensky, que dificilmente escaparia aos misseis hipersónicos russos se essa fosse a vontade de Putin, mas também não permite ao Presidente ucraniano andar muito descansado a parir de agora.
No entanto, nestas declarações à TASS, a agência oficial russa, Medvedev deixa um particular reparo que permite alguma alívio em Kiev...
Diz ele que a perda de legitimidade democrática de Zelensky não tem grande importância, o relevante, para ser um "alvo legítimo", é tratar-se de um líder de um regime hostil a Moscovo, o que já o é há vários anos e continua vivo...
Mais relevante é o que diz Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin e de Putin, que afirmou sobre o fim do mandato de Zelensky que a partir de agora, não só em Moscovo, mas também nas capitais dos aliados de Kiev, e mesmo na Ucrânia, muitos vão começar a questionar a sua legitimidade democrática, sem, de forma alguma, legitimar as palavras de Medvedev.
Este é um momento potencialmente melindroso porque, como notam alguns analistas, se a extensão da Lei Marcial no início de Maio por três meses, dá alguma legitimidade a Zelensky, em Agosto, quando esta prorrogação terminar, já não será um Presidente em efectividade constitucional no cargo que fará uma nova extensão, o que obriga à convocação de eleições, excepto se o entendimento for de que essa legitimidade acompanha a sua revalidação.
Zelensky insiste nas críticas aos aliados
Mesmo com as dúvidas a crescerem quanto à sua legitimidade, Volodymyr Zelensky não se encolhe ao insistir nas críticas aos aliados, a quem responsabiliza pelo mau momento que as forças ucranianas vivem na frente de guerra.
Isto, quando, de acordo com um recente artigo publicado pela britânica The Econimist, a publicação mais pró-ucraniana entre todos os media ocidentais, Zelensky só agora percebeu que os seus generais o estão a enganar com informações erradas sobre a evolução da guerra, especialmente em Kharkiv.
Com a nova frente aberta a norte, na região de Kharkiv, que cola à fronteira na zona russa de Belgorod, cidade que é o alvo predilecto dos misseis e roquetes ucranianos, as forças de Kiev viram aumentar as suas dificuldades, com perda de território a cada dia que passa.
Tanto o CEMGFA ucraniano, general Sirsky, como o Presidente Zelensky repetem amiúde que as dificuldades crescem todos os dias e que em muitas áreas as posições estão a ser abandonadas por falta de armas e de homens para preencher as trincheiras.
Se à questão da falta de "mão-de-obra", Zelensky procura responder com a nova lei de mobilização, para guarnecer as suas fileiras com mais 500 mil recrutas, o que está a ser um falhanço, porque os ucranianos em idade militar estão a fugir ao recrutamento aos milhares, no que diz respeito às armas e municções, Kiev acusa directamente os seus aliados ocidentais.
Em declarações à Reuters citadas pelo The Guardian, Volodymyr Zelensky acusa os aliados da NATO de demorarem sempre muito a decidir que armas vão enviar para Kiev e quando o vão fazer, quando se sabe que a Rússia está a abrir novas frentes de combate a norte.
Pediu ainda para que os seus aliados ocidentais se deixem de melindres e que comecem rapidamente a abater os misseis russos que sobrevoam o território ucraniano - a Polónia e a Alemanha estão a pensar fazê-lo a partir dos países da NATO com fronteira com a Ucrânia - e que autorizem os ucranianos a usar os seus misseis de longo alcance para atacar a Rússia em profundidade.
Insiste ainda no atraso da chegada dos aviões de guerra F-16, prometidos pelos Países Baixos e pela Dinamarca, que considera essenciais para contrabalançar o uso pelos russos de "mais de 300 aviões em território ucraniano", sublinhando que são precisos "cerca de 120 a 130 aparelhos" para o efeito.
"SE estes aviões não podem chegar já à Ucrânia, os aliados que os usem no espaço aéreo da NATO que a partir daí abatam os misseis e os aviões russos usados para atacar a Ucrânia", disse Zelensky ainda nestas declarações à Reuters.
E lamenta ainda que "nada de positivo tenha sido ainda feito" para permitir o uso dos misseis de longo alcance contra alvos no interior do território russo em profundidade.
Recorde-se que o Kremlin já avisou, tendo mesmo ordenado exercícios com os seus sistemas de armas nucleares tácticas nas zonas de proximidade geográfica com a NATO, e que se os países ocidentais autorizarem o uso dos seus misseis no formato pretendido por Kiev, a Rússia vai responder atacando alvos desses países ocidentais em qualquer parte do mundo.