A resposta do Presidente Zelensky às palavras de Francisco não podiam ser mais abrasivas e disse que só a vitória ucraniana será erguida no contexto desta guerra que já vai no 3º ano, ao mesmo tempo que criticava aquilo a que chamou "mediação virtual" à distância do Vaticano.
Este regresso do Papa à linha da frente diplomática para procurar uma solução que ponha fim às hostilidades entre Moscovo e Kiev foi feito através de uma entrevista à televisão pública suíça RTS, país para onde está prevista uma Cimeira de Paz para o Verão.
Nestas declarações, proferidas em Fevereiro, segundo os serviços de imprensa do Vaticano, porque foi no mês passado que surgiu com maior solidez a ideia da Cimeira de Paz, de iniciativa de Kiev, o Papa enfatizou a urgência de negociar a paz com bravura.
"Acredito que os mais fortes são aqueles que encaram a situação, pensam nas pessoas e têm a coragem de erguer a bandeira branca e negociar", disse Francisco, acrescentando que a palavra "negociar" é uma "palavra de coragem".
Isto, porque, segundo o chefe da igreja católica, quando os corajosos olham para as situações e não perscrutam soluções viáveis na via em que estão, "quando se dão conta que estão a ser derrotados, é preciso ter a coragem de negociar".
Nestas palavras, o Papa destacou duas impossibilidades para o regime ucraniano, atendendo a tudo o que o Presidente Volodymyr Zelebsky disse até agora, que é a noção de que está a ser derrotado e a abertura para uma paz negociada antes de uma paz imposta por um vencedor militar.
Sem esconder a indisposição com as palavras de Francisco, o chefe do regime ucraniano respondeu-lhe num vídeo onde não proferiu o nome do Papa, afirmando que as suas palavras não estão conectadas com o esforço das figuras religiosas no seu país para ajudar.
"Os religiosos ucranianos estão a ajudar o país com orações, que é o que se espera de uma igreja que está com o povo", disse Zelensky, deixando em suspenso a sua convicção de que os religiosos ucranianos rezam pela vitória contra os russos.
"Não precisamos de alguém a 2.500 kms de distância, numa espécie de mediação virtual entre alguém que quer viver e alguém que nos quer destruir", atirou Zelensky, o que levou um assessor de Francisco a explicar-lhe que o que o Papa propõe é negociar, não capitular...
Já do lado russo, o que emerge das palavras do Papa é, segundo a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, "um pedido ao ocidente que deixe as suas ambições de lado e admita que o que está a fazer está errado".
Zakharova entende, assim, que o Papa está consciente de que se o ocidente deixar de alimentar com armas o regime ucraniano, a paz chegará com naturalidade.
A resposta do ocidente tem estado a ser dada por antecipação, como o fez o Presidente francês, Emmanuel Macron, nas últimas duas semanas (ver links em baixo nesta página), ou, mais recente, pelo ministro da Defesa britânico, Grant Shapps, numa visita a Kiev.
Shaaps disse ter ido à capital ucraniana para "lançar um alerta" para a urgência de garantir que o ocidente tem de apoiar Kiev para evitar a vitória na guerra do "ditador Putin", sublinhando que os aliados da Ucrânia "possuem os meios suficientes se existir vontade".
Ora, vontade é o que parece existir cada vez menos entre os países ocidentais mais empenhados até aqui no apoio a Kiev, como os Estados Unidos, claramente num processo de lenta mas inexorável saída de cena neste conflito.
Em Washington é já evidente que a guerra na Ucrânia passou para uma terceira linha de prioridade, soterrada nas preocupações da política interna, com eleições em Novembro, onde Donald Trump está mais próximo de voltar à Casa Branca que de Joe Biden por lá se manter, segundo as sondagens.
E as declarações temerárias de Macron foram ruidosamente rechaçadas pela generalidade dos líderes europeus, inclusive do Presidente Biden, recusando liminarmente o envio de tropas da NATO e dos seus membros para a Ucrânia porque isso seria abrir a porta a um Armagedão nuclear.
Isto ocorre num momento em que, na linha da frente, se somam os desastres militares para o lado ucraniano, com a Rússia a avançar solidamente no terreno e, mais recentemente, numa sucessão de ataques de precisão aos valiosos sistemas de defesa antiaéreos fornecidos pelos EUA, Alemanha e Reino Unido.
Com efeito, nos últimos três dias, a Rússia destruiu, segundo relatos dos media ocidentais e russos, três sistemas Patrior norte-americanos, com cada um deles a custar 1,5 mil milhões USD, dois S-300 e ainda um alemão Iris-T, com custos superiores a mil milhões USD.
Esta sucessão de golpes desastrosos na capacidade de defesa antiaérea ucraniana tem reverberado pela imprensa ocidental como sinónimo do iminente colapso da capacidade militar de Kiev porque está, simplesmente, a ficar sem forma de enfrentar a cada vez mais sólida superioridade aérea de Moscovo.
Outra realidade a que as palavras do Papa não são alheias é a incapacidade cada vez mais saliente dos ucranianos recrutarem para as suas fieiras militares os jovens do país, com uma preocupante e crescente divulgação de vídeos feitos por ucranianos que se opõem com violência às equipas de recrutamento forçado ou de fugas em massa para os países vizinhos.
Não é, porém, apenas Zelensky a mostrar incómodo com as palavras do Papa que, dificilmente, foram proferidas sem que, como sempre sucede, o Vaticano não tenha garantido o caminho pelos corredores diplomáticos com os ou alguns dos países mais relevantes neste conflito.
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia veio a terreiro dizer ao Papa que em vez de se preocupar com as posições de Kiev, deveria antes pedir a Moscovo para ordenar a saída das suas tropas da Ucrânia.
Em pano de fundo a este acelerar de um processo que está a correr nos subterrâneos da diplomacia global, com a China também a regressar ao terreno da busca de saídas para esta guerra que há muito deixou de ser do agrado no ocidente, está o esforço dos europeus para ver se é possível substituir o papel que os EUA, claramente a sair de cena, no apoio viável para uma vitória militar sobre a Rússia.
E o que já é claro para alguns analistas é que não vai ser possível aos europeus ter esse desempenho, pelos custos inerentes e pela incapacidade da sua indústria militar para suprir as necessidades dos ucranianos.
Pelo menos no curto e médio prazo, porque no longo prazo esse cenário poderá mudar depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, ter anunciado um programa político para mudar a forma da economia europeia para uma economia de guerra.
Só que, com o evoluir da situação no terreno a favor da Rússia e com o iminente colapso da capacidade de resistência ucraniana, à Europa ocidental deverá faltar tempo, até porque também a vontade não é unanime entre os 27 Estados-membros.