Baralhar e dar de novo, neste caso, significa que o Presidente russo está à procura de receber as cartas que melhor servem a sua jogada que é dizer que quer tudo, não para poder negociar e, no fim, obter o que pretende efectivamente, porque o que pretende é precisamente... tudo.
E a novidade foi reintroduzir o termo Novorossya para definir a geografia ucraniana que pretende ver anexada à Federação Russa, sendo que, actualmente, já o fez, pelo menos formalmente, com as regiões de Lugansk e Donetsk (Donbass), Zaporizhia, Kherson e Crimeia.
Estas regiões foram anexadas, as primeiras quatro, em 2022, e a Crimeia, já em 2014, no seguimento do golpe de Estado em Kiev, apoiado pelo Ocidente e que afastou do poder o Presidente Ianukovich, claramente pró-Moscovo.
Com a guerra no terreno a seguir, apesar das centenas de milhares de mortos e feridos de um e do outro lado, de feição para Putin, pelo facto de estar, dia após dia, a somar novos territórios ao mapa da sua nova Rússia, o chefe do Kremlin veio agora dizer que, se calhar, vai querer ainda mais...
Isto, porque no Congresso do Rússia Unida, este fim-de-semana, Vladimir Putin subiu ao púlpito para dizer que entre os seus objectivos para a guerra na Ucrânia, a que se refere como Operação Militar Especial, está devolver à Rússia a totalidade da geografia da Novorossya (Nova Rússia).
E esta geografia, apesar de haver diferentes interpretações, abrange, desde o reinado de Catarina, a Grande (finais do Século XVIII), além do Donbass, Crimeia, Zaporizhia e Kherson, a região de Odessa e o leste da Moldova (Transnístria).
Ora, se Putin, aproveitando os ventos favoráveis na frente de batalha, quiser mesmo acrescentar à "Mãe Rússia" Odessa e a Transnístria, não só a Ucrânia ficaria sem acesso ao Mar Negro como a guerra teria de ser reanalisada por parte dos aliados ocidentais de Kiev...
Os analistas mais equidistantes na abordagem à evolução deste conflito no leste europeu já admitem, quase unanimemente, corroborando a mudança de agulha sobre o desfecho mais certo para ele nos media ocidentais, que a Ucrânia não conseguirá manter a resistência aos avanços de Moscovo por muito mais tempo.
Para dar corpo a esta nova realidade, só em Dezembro, a Ucrânia, segundo os números sublinhados por media como The New York Times, Bloomberg ou The Economist, terá cedido mais de 400 kms2 ao inimigo.
E o mapa das trincheiras sublinha isso mesmo, com as forças russas a conseguirem agregar às suas conquistas novas localidades a um ritmo diário, o que pode ter levado Putin a lançar-se para a frente no que diz respeito aos objectivos que tem vindo a afirmar para o conflito que já dura há quase três anos.
Biden procura atrapalhar chegada de Trump à Casa Branca
Apesar de a frente de combate estar em permanente redefinição, entre os aliados da Ucrânia e do Presidente Volodymyr Zelensky o que mais preocupa é, claramente, o regresso de Donald Trump à Casa Branca, que leva na agenda para as primeiras horas de governo acabar com a guerra na Ucrânia.
Para lhe dificultar o trabalho, o ainda Presidente, Joe Biden, e os seus aliados europeus, principalmente no Reino Unido e França, tem-se desdobrado em anúncios de novos pacotes de ajuda militar e financeiros a Kiev e um crédito extraordinário de 20 mil milhões USD...
Apesar de o crédito de 20 mil milhões USD ter de receber o respaldo do Congresso, o que não será fácil devido ao processo burocrático e à falta de tempo até à posse de Trump, a 20 de Janeiro, os analistas notam que os meios militares enviados no último mês podem permitir a Kiev manter a linha de defesa com alguma solidez e dificultar o avanço dos russos.
O esforço que está agora a ser feito por Moscovo para arrebanhar territórios para o seu "mapa" é resultado da forte possibilidade de o Kremlin já estar a negociar com Trump que as negociações terão como ponto de partida as posições observadas a partir de 20 de Janeiro.
Isto, naturalmente com Putin a garantir que as negociações compreenderão a aceitação por parte de Kiev e dos seus aliados ocidentais que as cinco regiões já anexadas oficialmente não sofrerão contestação, e que conseguirá levar a discussão para a geografia mais lata da Novorosya.
Ou seja, o Kremlin poderá levar como territórios de cedência na mesa das negociações para "satisfazer" Zelensky o que compreende a geografia da Novorossya, abdicando de aproveitar a vantagem no terreno para avançar até Odessa e a Transnístria, que é uma região da Moldova onde Moscovo tem mais de 1.500 militares ao abrigo de uma resolução da ONU para manter a paz...
Porém, o que em Moscovo pode não estar a ser bem visto, e nem pela nova Administração que assume o poder em Washington dentro de cerca de um mês, é o reforço significativo das capacidades militares ucranianas, com novos pacotes de armas e o ainda perigoso cenário em que Kiev obteve autorização de Joe Biden para atacar a Rússia em profundidade com os misseis de longo alcance - ATACMS - norte-americanos.
Ao que tudo indica, porque não existe qualquer informação vertida do interior do Kremlin sobre isso, Moscovo só não cumpriu ainda a ameaça de atacar alvos ocidentais como retaliação pela autorização do uso dos seus misseis para atingir a Rússia em profundidade, porque a 20 de Janeiro Trump deverá everter de imediato essa ordem, como, de resto, o disse sem titubear numa recente entrevista à revista Time.
A diplomacia começa a ganhar densidade irreversível
Há, todavia, novos dados sobre o "regimento" de diplomatas a trabalhar com intensidade desde que Trump ganhou as eleições de 05 de Novembro nos EUA, o aliado essencial de Kiev que, sem o qual, não poderá manter a frente de batalha devido à fragilidade efectiva, apesar da retórica, dos europeus.
E o principal eixo diplomático está assente no papel que em vindo a ser desempenhado pelo primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, que esteve, nos últimos dias, nos EUA para reunir com Donald Trump e com Elon Musk, o milionário que se está a assumir como uma espécie de "Cardeal" do Presidente-eleito, além do Conselheiro para a Segurança Nacional, Mike Waltz, e o general Kellog, o seu enviado especial para a Ucrânia e Rússia.
Depois de longas reuniões com Trump e a sua equipa mais próxima para o tema da guerra, embora Elon Musk seja o "Cardeal" para todos os temas, o primeiro-ministro húngaro e actual Presidente da União Europeia, já neste fim-de-semana, segundo os media russos, esteve ao telefone durante mais de uma hora com Vladimir Putin.
Mesmo que os media ocidentais estejam a ignorar olimpicamente as movimentações de Viktor Orban, os media russos destacam que a conversa com Putin, segundo a síntese disponibilizada pelo Kremlin, versou objectivamente a questão do conflito e as possíveis abordagens que permitam conduzir a situação para uma saída pacífica.
Segundo alguns analistas, este quadro permite afirmar sem quaisquer dúvidas que estão mesmo a decorrer negociações para acabar com a guerra, embora a retórica belicista de Zelensky não tenha sido moderada e não se saiba se Orban também falou com o Presidente ucraniano após ter estado com Trump e Musk.
O que é evidente é que sem o apoio dos Estados Unidos, a Ucrânia não poderá manter a firmeza da sua resistência face aos avanços russos no terreno, mesmo que esta seja, dia após dia, menos eficaz.
E Trump tem repetido os sinais de que não vai ceder na ideia de reduzir substantivamente os apoios de Washington a Kiev, obrigando Zelensky a ceder sob risco de ficar indefeso face à superioridade russa.
Putin também tem problemas
O Kremlin não o admite mas os números não enganam, com a inflação a subir de forma significativa e as taxas de juro a rebentar pelas costuras, com o rendimento disponível nas famílias russas a decrecer, o impacto das sanções ocidentais na economia russa começa a ser perigoso para a estabilidade social.
E Putin pode ser levado a aproveitar o momento proporcionado pela chegada do seu "amigo" Donald Trump à Casa Branca para alterar o discurso sobre as condições mínimas para aceitar negociar a paz com Kiev e Zelensky.
Embora sempre tenha dito que estava disponível para negociar, as condições que Putin definiu para o efeito tornam esse passo difícil de aceitar em Kiev, que não pode admitir a perda definitiva de todos os territórios já anexados por Moscovo sem o reconhecimento da comunidade internacional.
Pelo contrário, Zelensky mantém o finca-pé na ideia de que só aceita negociar quando Moscovo retirar todas as tropas das áreas ocupadas e devolver todas as fronteiras reconhecidas internacionalmente em 1991, aquando da independência da então URSS.
Com Zelensky a sentir na pele os efeitos da perda do apoio de Washington após a chegada de Trump ao poder, e com Putin a não conseguir esconder os efeitos devastadores das sanções ocidentais sobre a economia russa, apesar da resistência de quase três anos, podem estar reunidas as condições para um e outro lado da barricada começarem a recuar e a entreabrir a porta para a entrada de novos ares.
Este cenário deixa Trump com duas armas poderosas para pressionar Moscovo e Kiev a aceitarem ceder. Sobre Putin pode disparar a ideia de relaxamento das sanções, especialmente sobre as exportações de petróleo e gás, o que levaria ainda a uma baixa dos preços destas matérias-primas nos mercados internacionais, o que poderia ajudar a baixar a inflação nos EUA.
E sobre Zelensky, o novo Presidente dos EUA poderá atirar a ideia de que se não se encaminhar para a mesa das negociações, cedendo na ideia da inviolabilidade das fronteiras de 1991, fechará a torneira das armas e do dinheiro norte-americano, o que seria o mesmo que deixar a Ucrânia dependente unicamente dos seus aliados europeus, que não possuem, nem de perto nem de longe, essa capacidade...
Sobre as preferências de Trump, apesar de ser conhecida a sua boa relação com Putin, o Presidente-eleito não deve ter esquecido que Volodymyr Zelensky, durante a campanha eleitoral, esteve claramente contra si e a favor da candidata democrata Kamala Harris...