Estas palavras de Mikhail Podoliak, avançadas este fim-de-semana ao canal Ukraine 24 News, citado pela RT, não surgem por acaso, porque desde o início de Setembro, com a evidência de que a famosa contra-ofensiva do Verão, que começou a 04 de Junho e se revelou um fracasso, os EUA e os seus aliados europeus têm reduzido substancialmente o fluxo de armas e apoio financeiro para Kiev.

Essa redução do suporte ocidental, que coincidiu com uma saída deste conflito das páginas e ecrãs dos media internacionais, levou a uma crise interna no Governo, com Volodymyr Zelensky a acusar, segundo a revista norte-americana Time, os aliados de "traição", e, depois, a uma fractura interna que pode, segundo The New York Times, fazer colapsar o regime, com um ruidoso desentendimento sobre a estratégia a seguir com o seu CEMGFA, general Valerii Zaluzhnyi, cujo desenlace continua sem ser conhecido mas que alguns analistas admitem que possa evoluir para um golpe de Estado militar em Kiev.

Há analistas que afirmam que a fricção entre Zelensky e Valerii Zaluzhnyi pode estar já num caminho sem remissão, especialmente depois de o ajudante de campo do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas ucranianas ter sido morto por uma granada disfarçada de presente de aniversário.

Porém, subjacente a esse atentado estão visões diferentes sobre a condução da guerra, aparentemente com o Presidente Zelensky a querer forçar avanços na linha da frente, independentemente do preço a pagar em vidas, porque essa é a única forma de convencer os aliados ocidentais liderados pelos Estados Unidos a aumentar o apoio militar e financeiro, enquanto o general Zaluzhnyi defende que isso não justifica o elevado número de baixas nas fileiras e no armamento destruído sem resultados visíveis no terreno.

Face a este cenário de iminente colapso nas forças ucranianas, sem resultados no terreno da sua vasta contra-ofensiva, embora a substancial redução do apoio ocidental seja a razão principal, porque também do lado russo não se vislumbram avanços na linha da frente, e o número de baixas e perda de material é igualmente substantivo, o conselheiro principal de Zelensky e o mais determinado falcão de guerra em Kiev, Mikhail Podoliak, vem agora avisar de forma clara que se o ocidente não agir, todo o esforço feito até agora, em quase dois anos de guerra, que começou a 24 de Fevereiro de 2022, terá sido em vão.

Nessa mesma entrevista onde diz temer pelo futuro da Ucrânia enquanto Estado, se os territórios anexados por Moscovo não forem totalmente recuperados, Podoliak diz também que a redução no fluxo do apoio e os atrasos no cumprimento dos compromissos deram à Rússia enormes vantagens no passado, como estão agora a permitir o mesmo resultado com a diminuição desse apoio.

Por detrás desta inquietação em Kiev está claramente uma mudança de "chip" tanto nos EUA como na Europa, onde se verificou uma substancial redução do apoio em material de guerra e financeiro, mas também político, com os lideres europeus e norte-americanos a escalarem com menor intensidade a capital ucraniana, especialmente oriundos de Washington, onde a nova maioria Republicana na Câmara dos Representantes, transformou o Congresso dos EUA num obstáculo para a Administração Democrata de Joe Biden enviar um prometido pacote de 24 mil milhões USD para Kiev.

A encimar este momento dramático para a continuidade dos esforços de guerra ucranianos contra a invasão da Rússia, estão ainda os crescentes amargos de boca oriundos da Europa ocidental, com vários países a admitirem que foi já ultrapassado o limite das suas possibilidades financeiras e militares, como a Hungria, a Eslováquia, a Chéquia... e até o mais robusto aliado no primeiro ano de guerra, a Polónia, está agora muito longe desses momentos onde se impunha ajudar Kiev "até onde for preciso" como repetia então o Presidente norte-americano Joe Biden.

A excepção a este quadra de recuo evidente veio do Reino Unido, com a visita recente a Kiev do novo ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo primeiro-ministro, David Cameron, onde renovou a promessa de apoio militar e financeiro sem limites aos ucranianos, apesar de isso já ter sido sublinhado várias vezes por Londres sem que se materialize em mais armas e mais dinheiro para Zelensky mantar acesa a chama da vitória na linha da frente.

Esta atitude de Londres é resultado do papel que o antigo primeiro-ministro Boris Johnson teve nesta guerra, ao quase obrigar Kiev a rasgar o acordo que rubricou com Moscovo em Março de 2022, poucos dias após a invasão russa, prometendo-lhe apoio ilimitado de todo o ocidente.

Apoio esse que agora está a falhar em grande medida e permite a Zeçensky dizer com propriedade que está a ser traído pelos aliados ocidentais, porque a guerra poderia ter terminado pouco depois de começar com menos perdas, porque, ao que se sabe, o Kremlin apenas exigia a Kiev neutralidade militar global, não entrar na NATO e o respeito pelos russófilos e russófonos na Ucrânia, além de não abrir mão da Crimeia.

E é precisamente face a este quadro de redução da boa-vontade ocidental para com o esforço de guerra ucraniano que Mikhail Podoliak sublinha igualmente que uma eventual vitória russa constituiria um "forte revés" também para o ocidente por caus adas consequências desse desfecho na questão da liderança global quando se trava uma batalha pela nova ordem mundial entre o sul global - liderado pela China, Índia e Rússia - e o ocidente alargado, onde despontam norte-americanos e a Europa ocidental.

Ficou igualmente claro nestas declarações que em Kiev não existe qualquer vontade para iniciar um processo negocial com Moscovo, estado, para já, apenas a continuação da guerra como opção, tendo, porém, deixado uma ligeira brecha por onde o fim das hostilidades poderá chegar: Podoliak disse também que a impossibilidade de negociar resulta da pretensão russa de "subjugar a Ucrânia".

A continuação da guerra no chão está apenas a ser possível porque as temperaturas geladas, bastante abaixo de zero, nalguns locais a chegarem aos 20 graus negativos em Novembro, estão este ano atrasadas e isso permitiu aos ucranianos conseguirem um feito notável, que foi avançar alguns quilómetros na margem esquerda do Rio Dniepre, na província de Kherson.

Apesar de no resto dos mais de mil kms de frente seja a Rússia que vai levando a melhor, o sucesso de Kiev em Kherson é o mais saliente deste conflito neste momento, embora isso deva mudar radicalmente nestes dias, com o começo da esperada "chuva" de misseis e drones russos sobre a infra-estrutura eléctrica ucraniana, criando dificuldades extra para as populações lidarem com os rigores do Inverno onde as temperaturas se vão manter negativas pelo menos até Março de 2024.

O "prego" húngaro

Um dos mais importantes objectivos políticos do regime de Zelensky é conseguir desenhar um mapa sólido de acesso à União Europeia, fixando metas e trajectos num processo que se sabe ser longo mas que Kiev não quer ver repetido o que aconteceu com países como a Turquia, cujo caminho de acesso a Bruxelas foi iniciado há mais de duas décadas e acabou desfeito.

Vários dirigentes políticos europeus têm chamado a atenção para as dificuldades que a Ucrânia tem pela frente até entrar na União Europeia, como o fez, por exemplo, o primeiro-ministro português António Costa, embora defendendo que esse caminho seja feito.

A entrada no bloco europeu é um dos ganhos possíveis de Zelensky a partir desta guerra, sendo uma férrea defensora de Kiev a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, mas esta deverá deixar o cargo em 2024, mantendo-se alguns críticos severos dessa entrada, como o primeiro-ministro húngaro, Vikor Orbán, ou o eslovaco, Roberto Fico.

E, segundo a agência Lusa, o primeiro-ministro voltou este fim-de-semana à carga advertindo que a Ucrânia está a "anos-luz" de garantir uma adesão à União Europeia (UE), e prometeu apresentar um roteiro sobre as ambições de Kiev em aderir ao bloco comunitário.

"A nossa tarefa será corrigir o erro sobre a promessa do início das negociações com a Ucrânia, porque a Ucrânia está actualmente a anos-luz da União Europeia", disse Orbán no congresso bianual do seu partido nacionalista Fidesz, referindo-se às conversações agendadas para meados de dezembro sobre um convite formal a Kiev para o início as conversações de adesão.

O chefe do executivo húngaro assinalou que o bloqueio do caminho para uma adesão da Ucrânia à UE vai constituir uma das principais prioridades do seu governo nos próximos meses.

Na perspectiva de Orbán, as negociações não devem ser iniciadas com um país em guerra e a integração da Ucrânia irá reorientar o sistema de distribuição de fundos atribuídos a cada um dos 27 Estados-membros.

Visita surpresa de Lloyd Austin a KIev

O secretário da Defesa dos Estados Unidos da América, Lloyd Austin, chegou esta segunda-feira, 20, a Kiev, numa visita surpresa à Ucrânia para garantir o apoio "inabalável" de Washington face à invasão russa.

Lloyd Austin "viajou hoje para a Ucrânia para se encontrar com os líderes ucranianos e reforçar o apoio inabalável dos Estados Unidos à luta da Ucrânia pela liberdade", revelou o Pentágono, em comunicado, citado pela Lusa.

À chegada a Kiev, o secretário da Defesa publicou na rede social X (antigo Twitter) uma fotografia com a recepção da embaixadora dos EUA na Ucrânia, Bridget Brink.

A visita não foi anunciada com antecedência por razões de segurança.

Segundo a fonte do Pentágono, o responsável norte-americano irá sublinhar "o compromisso contínuo dos Estados Unidos em fornecer à Ucrânia a assistência de segurança necessária para se defender da agressão russa".

A viagem a Kiev, de comboio a partir da Polónia, é a segunda do chefe do Pentágono desde que a Rússia lançou a sua invasão em território ucraniano.

EUA fornece ajuda militar à Ucrânia

Washington é o maior fornecedor de ajuda militar a Kiev e uma redução na ajuda dos EUA representaria um grande golpe para a Ucrânia e os seus esforços para libertar o sul e o leste do país.

Os Estados Unidos forneceram dezenas de milhares de milhões de dólares em ajuda desde o início da guerra, em Fevereiro de 2022, e comprometeram-se repetidamente a apoiar Kiev durante o tempo que for necessário, mas esta promessa tem sido minada pela crescente oposição nalguns eleitos republicanos.