Donald Trump, o Presidente dos Estados Unidos que deixa a Casa Branca, no final do seu primeiro mandato, a 20 de Janeiro, optou por focar a sua atenção na política externa em África, continente que ignorou diplomáticamente durante quatro anos, redefinindo as fronteiras de Marrocos ao reconhecer que este país do norte do continente integra soberamente o Saara Ocidental, onde a Frente Polisário luta á 45 anos pela sua independência em nome da RASD, auto-proclamada em 1976.

O mapa reconhecido pelos EUA assume especial relevância porque, apesar de as Nações Unidas manterem a sua posição de considerarem este território como estando em disputa, historicamente determina em definitivo quem ganha e quem perde estas disputas, dando corpo à imagem simbólica de Washington como "polícia do mundo".

O Saara Ocidental é um território ladeado por Marrocos, pela Argélia, pela Mauritânia e pelo Atlântico e os autonomistas consideram Al-Ayun, ou Laiune, como a sua capital e está na lista das Nações Unidas de territórios não autónomos desde a década de 1960, sendo o seu controlo disputado por Marrocos e pelo movimento independentista Frente Polisário que, a 27 de Fevereiro de 1976, proclamou a República Árabe Saaraui com um governo no exílio.

A República Árabe Saaraui é reconhecida internacionalmente por 50 países, incluindo Angola, contando em Luanda com uma das suas 16 embaixadas em todo o mundo, e membro da União Africana desde 1984, o que levou Rabat a abandonar este órgão pan-africano, mas não dispõe de representação oficial na ONU.

A posição de Angola sobre esta matéria é de longa data e pode ser percebida pela presença de uma embaixada em Luanda da RASD.

Ainda em Abril deste ano, em declarações à imprensa, em Luanda, após audiência concedida pelo Presidente João Lourenço, o então embaixador Bah Cheik Mohamed, prestes a deixar o País, agradeceu o apoio de Angola, que tem encorajado o Reino do Marrocos e a RASD na busca de uma solução negociada para a resolução do diferendo que os opõe.

Bah Cheik Mohamed, que foi apresentar cumprimentos de despedida ao Chefe de Estado angolano, destacou as "excelentes relações de longa data" com Angola.

Porque mudou o azimute de Washington sobre este território?

Os analistas internacionais apontam como razão para a mudança de agulha na política externa norte-americana um acordo feito com o Reino de Marrocos no sentido de trocar o reconhecimento da soberania de Rabat sobre o Saara Ocidental pela abertura de relações diplomáticas entre este país magrebino e Israel, que é uma forma de Washington dar peso e relevância internacional ao seu mais forte aliado no Médio Oriente, o primeiro.ministro israelita Benjamin Netanyahu, sob pressão da justiça de Tel Aviv por suspeita de corrupção e tráfico de influências.

Com o novo mapa de Marrocos reconhecido por Washington, aprovado depois de Donald Trump ter tornado público o reconhecimento dos EUA da soberania marroquina sobre o território, toda a política externa da União Africana, que não reconhece o direito de Rabat sobre a RASD, pode entrar em convulsão, visto que, deste modo, os 54 países do continente podem provocar faíscas nos EUA se não acertarem agulhas com esta nova posição face ao risco de eventuais sanções económicas, como já sucedeu noutras ocasiões e circunstâncias, sendo disso melhor exemplo os "castigos" norte-americanos ao Irão ou à Venezuela.

Todavia, com a iminente saída de cena de Donald Trump, derrotado pelo democrata Joe Biden nas eleições de 03 de Novembro, cuja perspectiva para a política externa de Washington é distinta da do ainda Presidente republicano, este episódio tende a ter menos impacto e importância já a partir do próximo mês.

Isto, porque, também para os Estados africanos, esta repentina deslocação das atenções de Trump para África, continente que ignorou totalmente nos últimos quatro anos, pode provocar alguma tensão, visto que surge em contramão com a posição generalizada que passa pelo reconhecimento da RASD ou, pelo menos, por uma posição intermédia, apelando ao diálogo como "arma" para resolver o conflito que tem, nas últimas semanas crescido em escaramuças repetidas entre a Frente Polisário e o Exercito marroquino, como sucedeu na última sexta-feira, 13, em Guerguerat, próximo da fronteira com a Mauritânia.

De acordo com as posições conhecidas até este novo passo dado pela diplomacia norte-americana, a Frente Polisário exige a realização de um referendo para definir o destino do território, colónia espanhola até 1975, enquanto Marrocos propõe a indicação de um Governo autónomo para o Saara Ocidental mas obtendo como contrapartida o reconhecimento da sua soberania.

Entre 1975 e 1991 o território foi palco de um violento conflito armado entre as duas partes, que terminou com um cessar-fogo onde Guerguerat surge como área desmilitarizada.

Já este ano, os combates esporádicos foram retomados depois de Marrocos ter tentado abrir caminho à força das armas através da área desmilitarizada, que tinha sido bloqueada pelos saarauis, levando a Frente Polisário a denunciar o acordo de cessar-fogo.

Face a este cenário, e com a sólida defesa dos direitos da RASD em África, de um modo quase generalizado, e perante a quase despedida de Donald Trump da Casa Branca, o mais normal, segundo analistas, é que a União Africana, e mesmo os países individualmente, esperem até finais de Janeiro para abordarem publicamente este assunto.