Depois dos golpes militares no Mali e na Guiné-Conacri, em 2021, no Burquina Faso, em 2022, no Níger em 2023, todos países da África Ocidental, e no Gabão, também em 2023, país já da África Central, mas incluindo na "FranceAfrique", como ficou conhecida nos anos de 1970 e 1980 a geografia preenchida pelas antigas colónias francesas na África subsaariana, o Senegal era o derradeiro baluarte da francofonia... e da democracia nesta vasta região.
Era, porque há já largos meses que o Estado de Direito e a democracia senegalesa se tem vindo a deteriorar de forma acelerada, tendo começado ainda em 2022, com os primeiros indícios do Presidente Macky Sall (na foto, com Antony Blinken, em 2021, quando estes prolemas ainda não eram conhecidos), no poder desde 2012, de querer tentar um 3º mandato, inconstitucional.
Face à reacção negativa popular, natural num país com uma forte e culta sociedade civil, e partidos políticos solidamente alicerçados na Constituição democrática do país de Leopold Sédar Sénghor, o Presidente Macky Sall retrocedeu, mas não desistiu de se manter no poder.
Em vez de insistir na alteração à Constituição para se poder candidatar a um 3º mandato, Sall deixou o calendário eleitoral correr para, a escassas horas antes do início da campanha eleitoral das eleições que o próprio tinha marcado para 25 deste mês de Fevereiro, enviou um despacho Presidencial para aprovação no Parlamento onde a maioria que o apoia aprovou um adiamento de quase um ano das eleições gerais, para 15 de Dezembro.
Ao mesmo tempo, colocou as forças de segurança fortemente armadas nas ruas das principais cidades senegalesas, desde logo Dacar, a capital, Ziguinchor, no sul, e Saint Louis, no norte, para evitar o alastramento descontrolado dos inevitáveis protestos, ao mesmo tempo que desligava a internet em várias regiões do país, e, nas restantes, manteve os acessos online sob forte vigilância.
Os protestos, no entanto, mantiveram-se, embora menos efusivos e letais que ao longo dos últimos meses de 2023, embora a oposição esteja dia após dia a fazer engrossar os protestos, levando-os até às grandes capitais ocidentais, como Paris, Bruxelas e Washington, fazendo temer que o Senegal seja outro Mali ou Burquina Faso, o que seria uma dupla dor de cabeça para Paris e Washington, devido à importância geoestratégica do Senegal, que é, de longe, o mais relevante aliado ocidental nesta vasta região da costa africana do Mediterrâneo ao Golfo da Guiné.
O que está por detrás do pânico gerado no ocidente é a eventual repetição no Senegal do que sucedeu nos países francófonos da região do Sahel, onde golpes militares levaram à instalação de Governos autoritários geridos por juntas militares que se afastaram da França, expulsando mesmo os seus diplomatas e as suas unidades militares, aproximando-se sem dúvidas de Moscovo, antagonizando igualmente as organizações regionais, como a União Africana, a Comunidade de Países da África Ocidental (CEDEAO) e também os norte-americanos.
A última coisa que a diplomacia norte-americana e francesa precisam é que o Senegal também inicie essa aproximação a Moscovo e a Pequim, levando franceses, britânicos, norte-amercianos e a União Europeia a exigirem, em uníssono, a reposição da normalidade constitucional.
E isso mesmo fica claro com a exigência feita agora pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, para ultrapassar a crise política que é realizar eleições "o mais depressa possível", tendo-o dito numa dura chamada telefónica com o Presidente, Macky Sall.
Blinken "falou com o Presidente do Senegal para reiterar a preocupação com a situação no país e para deixar claro que as eleições se devem realizar como previsto. Queremos que se realizem o mais rapidamente possível", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, citado pelas agências.
Blinken quer que as eleições sejam mesmo a 25 de Fevereiro, como estava previsto e foram adiadas num estranho contexto, que pode ser revisitado nas notícias do Novo Jornal disponibilizadas nos links em baixo nesta página. "Se não se realizarem a 25 de Fevereiro, devem ocorrer o mais rapidamente possível".
Recorde-se que por detrás da justificação do adiamento das eleições está uma questão ainda por explicar e esclarecer que é a existência de dúvidas sobre a condição da nacionalidade de Karim Wade, filho do antigo Presidente Abdoulaye Wade, que presidiu ao país entre 2001 e 2012, que alegadamente não terá abdicado da nacionalidade francesa para se poder candidatar como "jurou" ter feito.
Isso levou Karim Wade e o candidato da oposição Ousmane Sonko a verem as suas candidaturas desqualificadas, aproveitando Macky Sall para adiar as eleições para que esta situação pudesse ser esclarecida.
A oposição acusa, todavia, Sall de não querer expor-se à justiça por suspeitas graves de desvios de milhões de dólares das verbas aprovadas para o combate à pandemia da Covid-19 em 2020 e 2021.