Vamos aos factos!

Um grupo de eminentes figuras africanas decidiu-se a congregar numa plataforma para discutir sobre problemas candentes que emperram o desenvolvimento em África, entre os quais se destacam os desafios da democracia. A Plataforma, designada Plataforma para os Democratas Africanos, ou, em Inglês, como ela é mais conhecida, Platafform for African Democrats, conhecida pela sigla PAD, realiza, anualmente, uma Conferência Internacional como espaço de debate activo, com frutuosa troca de ideias e visões sobre possíveis soluções para os problemas acima referenciados. Este ano, a cidade de Benguela foi escolhida para albergar o evento, e não foi por acaso esta escolha.

Greg Mills, patrono da Brenthrust Foundation, esteve em Angola há pouco mais de uma ano para o lançamento do seu interessante livro "Países Ricos, Países Pobres", que, no essencial, se questiona e tenta, de alguma forma, responder por que razão países com uma infinidade de recursos são pobres e por que países desprovidos de recursos naturais se tornam ricos. O lançamento deste livro ocorreu nas províncias da Huíla, Benguela e Luanda, mas foi em Benguela que Greg Mills parece ter encontrado uma sociedade civil mais inquieta e, ao mesmo tempo, entusiasmada. Mills também se encantou com as condições de alojamento e outras comodidades que Benguela ofereceu, por isso, na hora de pensar na 3.ª Conferência Internacional da PAD, enquanto principal patrocinador, não hesitou em indicar Angola, em particular Benguela, como sede do evento. Portanto, não coube à UNITA a escolha de Benguela para acolher a Conferência, mas, sim, a Brenthrust Foundation, o que deveria, em princípio, ser motivo de orgulho dos angolanos, pelo incentivo que isso representa ao turismo, se tivermos em conta o naipe de personalidades que gravitam em torno dessas realizações. Angola, em vez de tratar bem estas pessoas com grande poder de influenciar posições na política e na economia, não só na região da SADC, mas a escala global, preferiu simplesmente hostilizá-las pelas razões mais estapafúrdias que se podem imaginar.

À UNITA coube apenas desempenhar o papel de anfitriã, e esse papel, comparado com os encargos efectivamente suportados pelos patrocinadores, deixavam ao partido uma contribuição marginal, sendo responsável por fazer todas as diligências junto das autoridades, para assegurar o êxito da conferência. Neste sentido, encetou contactos junto do Ministério do Interior e das Relações Exteriores, primeiro, para dar a conhecer às autoridades a realização e, em segundo lugar, para solicitar às autoridades garantias de segurança e tratamento protocolar, já que muitas das personalidades que deveriam deslocar-se a Benguela eram, de facto, dignas deste tratamento. Como no aproveitar é que está o ganho e, dada a coincidência de datas, a UNITA decidiu-se a associar as comemorações do seu 59.º aniversário ao término da conferência, para, juntando o útil ao agradável, mostrar aos ilustres convidados da conferência a força que ele representa no País e, particularmente, em Benguela.

Aqui chegados, importa referir que a conferência não foi uma realização da UNITA, mas da PAD, que contou com o patrocínio de importantes organizações internacionais, particularmente a Brenthrust Foundation, de Greg Mills, a quem coube, por razões afectivas e outras, a escolha de Benguela. A UNITA foi um anfitrião passivo no que toca ao evento, limitando o seu papel nas diligências indispensáveis junto das autoridades para os devidos efeitos.

Nos dias imediatamente antes, começaram a surgir alguns sinais, sugerindo uma atitude obstrutiva do Executivo em relação à conferência, eram sinais ténues, tais como recusa de vistos a cidadãos etíopes e do Uganda, mas nada fazia prever que aquela pequena marola fosse virar daí a pouco uma forte tempestade ou mesmo um furacão. Mas, na quinta-feira, contra algumas previsões, o furação bateu forte para nos lembrar de viva voz que, em Angola, o Estado Democrático de Direito está sob tensão ou sob estresse, para não dizer sob grave ameaça, sucumbindo, por vezes, às ordens superiores em detrimento da lei.

Nesta quinta-feira, dia 13/03/2025, por sinal data da fundação da UNITA (será mera coincidência?), enquanto o presidente in tempore da União Africana (UA) proferia um eloquente discurso, um grupo de proeminentes participantes da conferência chegava a Luanda e, no Aeroporto 4 de Fevereiro, experimentou sevícias inimagináveis, tendo passado mais de sete longas horas confinado numa sala do aeroporto, sem acesso a alimentos e água e, pior, sem explicações consistentes das razões daquela retenção. Entre as pessoas retidas, estavam figuras como o ex-Presidente do Botswana, Ian Sereste Kama, Andrés Pastrana, ex-Presidente da Colômbia, que veio em representação do IDC, outras personalidades com dignidade protocolar, mas também o moçambicano Venâncio Mondlane, que foi, de resto, o busílis da questão. Se algumas destas personalidades como Ian Kama e Andrés Pastrana conseguiram, depois de um longo calvário, autorização para entrar no território angolano, outras, como Venâncio Mondlane, acabaram sendo repatriadas, apesar da isenção de vistos que vigora em relação aos países da SADC.

Como entender este gesto grosseiro e inamistoso do Governo de Angola?

Este gesto do Governo de Angola só pode ser entendido no quadro da total subversão do Estado Democrático de Direito e da consequente deriva autoritária que caracteriza o partido-Estado. No quadro da sua demente estratégia de manutenção do poder, o Partido-Estado vilipendia a lei e viola direitos fundamentais sem medir as consequências e fazendo valer o princípio de Maquiavel, segundo o qual "os fins justificam os meios". Tudo que poder ser feito para eclipsar a luz da oposição se deve sobrepor a qualquer princípio ético ou moral e trespassar toda a racionalidade política, económica e social.

A imagem do Governo de Angola saiu, fortemente, chamuscada deste triste episódio e o presidente intempore da União Africana fica bastante desacreditado, mas, para o partido-Estado, isto não conta, pois o mais importante é enfraquecer a oposição e, assim, garantir, a todo o custo, a manutenção do poder. O problema é eles considerarem que gestos dessa natureza contribuem para fragilizar a oposição quando o efeito é exactamente o contrário.

As consequências mais contundentes destas decisões inusitadas recaem sobre o investimento directo estrangeiro e o turismo. Com gestos assim, todos os milhões gastos em publicidade na CNN e EURONEWS arriscam-se a ir pelo ralo abaixo, mas infelizmente não estamos ainda capacitados a fazer estas contas e o resultado é o endividamento brutal que o País conhece com juros altíssimos que certamente as futuras gerações herdarão. Não é possível pensar em desenvolvimento do País quando as ordens superiores ferem sem dó nem piedade as decisões estratégicas tendentes a recolocar o País nos trilhos do desenvolvimento. Esta condução equivocada é que determina a situação precária em que o País se encontra hoje. Como já está mais que provado que o partido-Estado é incapaz de promover reformas que ponham cobro a estas decisões improvisadas sob a capa de Ordens Superiores e que causam enormes prejuízos ao País, a única solução que nos resta é a luta pela alternância democrática numa perspectiva de inclusão e participação de todos os angolanos. Já está suficientemente demonstrado que o MPLA é incapaz de, por si só, encetar estas reformas e, por isso, a alternância em Angola tornou-se imperiosa sob o risco de retardarmos ad eternum o desenvolvimento do País.

O impedimento de entrada de personalidades que vinham participar da Conferência Internacional da PAD é um gesto condenável e inaceitável, um gesto grosseiro e inamistoso que merece a reprovação em uníssono de todos os angolanos. Daí o silêncio tumular do Governo angolano em relação ao sucedido. n

*Médico, docente e deputado à Assembleia Nacional pela UNITA