Já reparou que, após a "mexida" que cria a Comissão Administrativa da Cidade de Luanda (CACL), está mais evidenciada entre os populares a ideia de que o 25 de Janeiro é o aniversário da cidade e não da província?

Sim, na realidade a festa é da cidade, que coincide com o município de Luanda. Os 446 anos são da cidade de Luanda, que se comemoram desde a altura que se institucionalizou a cidade, com a chegada das entidades colonizadoras portuguesas que se instalaram na Fortaleza de São Miguel. Portanto, a partir dessa data, começou a comemorar-se o dia da cidade, o que não implica que o Governo da Província, como é, digamos, o guardião da província, também não se incorpore nas festas da cidade.

Como é a coabitação entre a presidente da CACL e a governadora?

A CACL faz parte do Governo Provincial de Luanda (GPL). Nós somos geridos por um Decreto Executivo n.º 52/15, de 2 de Março, que institucionaliza a CACL como entidade com autonomia administrativa e financeira. Gerimos o território conhecido como a cidade de Luanda, que tem os distritos urbanos e que tem superintendência do GPL.

Mas sabe que, no princípio, entre o então governador Bento Bento e o general Tavares, presidente da CACL, surgiram algumas fricções...

Surgiram fricções, mas penso que era mais em termos de personalidade e de cada um querer demarcar convenientemente o seu território. Penso que o corpo é único, embora nós tenhamos autonomia administrativa e financeira.

Terá havido alguma «zona cinzenta» em termos de norma na criação da CACL?

Não. O decreto é bem explícito, bem definido. O presidente da CACL, na altura, dependia ou respondia directamente ao GPL. Portanto, isso está estabelecido. Com a alteração deste Decreto Executivo [o 52/15, de 2 de Março] e com a introdução duma nova norma jurídica, que foi a aprovação da Lei da Administração Local do Estado, e o seu respectivo regulamento, as coisas estão ainda mais demarcadas. A nível deste regulamento, a CACL continua com a autonomia administrativa e financeira, e o que está estabelecido é que o presidente da CACL deverá responder, digamos assim, directamente ao Presidente da República. É o que diz o novo regulamento. Todavia, não temos ainda o estatuto orgânico aprovado e, como tal, gerimo-nos com o estatuto que está em vigor, respondendo directamente à governadora da província.

Em termos concretos, por que razão se criou a CACL?

Em meu entender, resultou da necessidade do desenvolvimento de novas normas, do ponto de vista de funcionamento das cidades e das municipalidades, já pensando no funcionamento das autarquias. Portanto, quando tivermos as autarquias institucionalizadas, elas serão independentes do Governo Central. Penso que isso foi uma tentativa de ensaiar esta nova modalidade de funcionamento.

E esta tentativa está a correr bem?

Está a correr bem. Do nosso ponto de vista, notamos alguns constrangimentos porque há coisas que não estão bem definidas, pois o estatuto ainda não está aprovado. Então, estamos aqui numa dualidade de funcionamento.

Poderia dar exemplo?

A nossa estrutura orgânica não está condizente com o que está estatuído. Temos direcções que ainda estão a funcionar com a nomenclatura antiga, quando, nas outras administrações, há um modelo de funcionamento que está de acordo com o regulamento de funcionamento da Administração Local do Estado. Há determinados departamentos com a denominação antiga, com funcionamento antigo, quando a nova lei já determina que se deva fazer de modo diferente. Tivemos um constrangimento agora que houve o concurso público. Todas as administrações receberam quotas de novos funcionários, mas a CACL não recebeu.

Porquê?

Não recebeu porque não tem o estatuto definido. Ora, isto é um grande constrangimento para nós, uma vez que colocámos na reforma muitos funcionários, mas nós não tivemos a possibilidade de admitirmos novos funcionários.

A quem se deveriam queixar?

O assunto da aprovação do novo estatuto está na mesa do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado (MAT) e do GPL. Temos estado a trabalhar nisto há quase três anos, portanto já esteve lá [o processo] no tempo do governador Rescova, mas nada foi adiantado. Esteve lá no tempo da dona Joana Lina, também não se adiantou. Já remetemos, porque a governadora [Ana Paula de Carvalho] solicitou a nossa proposta de estatuto, que está de acordo com o legislado, e estamos à espera, porque é o MAT que deve levar o assunto ao Titular do Poder Executivo para a aprovação.

A nova norma (202/19) não baralha ainda mais os problemas que o Decreto 52/15 ainda não resolveu?

Não penso que vem baralhar, mas, sim, clarificar.

Em face do historial de conflitos entre líderes do GPL e da CACL, ao subir de certa forma o estatuto da Comissão Administrativa, não cria um problema?

Penso que não, visto que o próprio estatuto também diz como é que este modelo vai funcionar. Portanto, as questões que são transversais devem ser tratadas com o GPL. Aqui a ideia é evoluir para um novo modelo de funcionamento, tal como existem nalgumas capitais de alguns países. Tornar autónoma a administração de Luanda, penso que é isso que se pretendia, só que tem havido alguma hesitação em dar este passo. Talvez estejam à espera da melhor oportunidade, se assim posso dizer.

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