Chega-se ao final da leitura do livro "A Teia do BANIF" e fica-se com uma sensação de frustração ou até mesmo de tristeza, por se concluir que os supostos criminosos envolvidos nos vários casos apontados continuam impunes e que a justiça continua por se fazer. Quer comentar esta observação?

Penso que este género de livros que retrata, sobretudo, grandes casos sociais, grandes manobras de bastidores, acordos de cavalheiros, relações que se estabelecem entre a política e a economia, muitas vezes até relações perigosas entre a advocacia, a magistratura do Ministério Público, a adjudicatária, por aí, estas histórias normalmente não são bonitas, mas são histórias importantes de se revelar, porque, se não revelarmos estas histórias - nós jornalistas e outras entidades - acabamos sempre por pensar nelas como uma suspeição permanente e podemos estar a ser exactos nesta suspeição ou podemos estar com uma desconfiança que não tem de todo nenhum tipo de sentido. Ou seja, quando estamos a falar sobre determinada história e não lhe conhecermos todas as vertentes, podemos ser injustos na avaliação do acontecimento, dizer "aquele é corrupto", mas, quando vamos apurar exactamente o que é que se passou, podemos ver que, se calhar, é o outro que ficou na sombra e que nunca apareceu, mas conseguiu mover as peças para chegar a determinado fim. E apresentar a realidade é fundamental para todos nós enquanto cidadãos angolanos e portugueses. Precisamos de estar informados para ter uma consciência exacta da realidade, para poder tomar decisões acertadas na nossa vida pessoal, política e económica. Há um sentimento de impunidade porque as investigações não chegam ao fim, os casos são arquivados, em muitas ocasiões os intervenientes conseguiram usar o tempo e a lei para conduzir a decisão para o seu lado. Claro que esse sentimento de impunidade nos deixa também um bocadinho zangados. Mas, para os próprios que aparecem neste livro, é também um acto de punição, porque, quando existe um conjunto de atitudes e comportamentos que são feitos na sombra e que ninguém sabe quem é que os fez, é uma coisa. Quando esses comportamentos são expostos, isso afecta as pessoas que o praticaram e, se calhar, impede que essas pessoas venham a praticar outras situações do género no futuro. Acho que esse é o regozijo de escrever um livro, assim como ver o leitor surpreendido com todas as revelações feitas.

Vinte dias depois da apresentação a público, algum dos citados no livro comentou, desmentiu ou confirmou as denúncias de que seja alvo?

Não. Por acaso é curioso que todos os livros que escrevi até hoje - este é o sétimo - têm factos, acontecimentos, documentos, nomes, pessoas lá inseridos, mas nunca alguém veio a público dizer que "não foi isso que aconteceu". O que vejo, na maior parte das vezes, são os leitores querendo falar sobre os livros depois de ler, às vezes até têm factos novos a acrescentar. Agora, os próprios visados normalmente não têm qualquer tipo de reacção. Penso que isso acontece porque as fontes documentais são indubitáveis, estão lá as conversas telefónicas, os documentos dos bancos, os documentos judiciais, os e-mails dos próprios. Não há grandes voltas a dar àquilo que ali está; aquilo aconteceu, pronto; é só isso.

É expectável que este livro possa resultar no desenrolar de novos acontecimentos ou novas investigações à volta dos vários casos denunciados?

Sobretudo a parte final do livro. O livro é o contar de uma história durante 10, 12 ou 14 anos, e a parte final do mesmo tem, realmente, uma coisa que está em aberto ainda: a grande questão de o banco ter alegadamente servido para ser também uma lavandaria de dinheiro que, de alguma maneira, fugia ao controlo das autoridades, que provavelmente terá vindo do Brasil, desembocado em Portugal, na América Latina e em Angola. É um processo que está em investigação há algum tempo nas autoridades portuguesas e com muitas paragens, devido à falta de meios. Fala-se que há 1,5 mil milhões de dólares que terão andado a circular, não se sabe muito bem para onde. Sabemos uma coisa: uma das entidades que poderão ser a dona original deste dinheiro é a brasileira Odebrecht que, como é do conhecimento público, pagava actos de corrupção praticamente em todo o mundo, sobretudo na América Latina, nalgumas zonas da Europa, mas também e países africanos, nomeadamente em Angola. E essa investigação é aquilo que pode ainda trazer algum valor acrescido, a partir do momento em que se identifica que o dinheiro passou pelo banco, que nunca foi comunicado às autoridades durante não sei quantos anos, que a Polícia chegou ao banco já numa fase final em que o dinheiro tinha sido todo retirado, mas que conseguiu detectar o circuito financeiro, ou seja, para onde é que o dinheiro foi. Já se sabe que havia cinco grandes no BANIF e que três ou quatro advogados em Lisboa geriam estas contas - eram uma espécie de procuradores das referidas contas e recebiam ordens para movimentar o dinheiro para aqui ou para ali. Uma parte deste dinheiro foi, necessariamente, para a América Latina. Há documentos da investigação que dão conta que pelo menos 50 milhões de dólares terão servido para fazer pagamentos a altas entidades angolanas. Podem ter sido políticos ou empresas, mas normalmente são pessoas detentoras de poder, que pudessem autorizar, por exemplo, a realização de obras nos países em que a Odebrecht tinha intervenção, como Peru, México, Venezuela, mas também em Portugal - há uma série de obras da Odebrecht em Portugal como barragens que poderão ter sido conseguidas através do pagamento de dinheiro para a corrupção ou então pagamentos por fora: alguém que trabalha para esta empresa e que não recebe oficialmente, recebendo o dinheiro por fora e não declarando este dinheiro; e aí estaríamos diante duma fraude fiscal gigantesca, branqueamento de capitais e provavelmente outros crimes económicos ou financeiros como a corrupção. Essa é a parte do livro que está em aberto, porque está a acontecer, neste momento, a investigação, e com este livro quero crer que a investigação que estava parada durante algum tempo vai mexer. A investigação estava parada, apesar das insistências brasileiras para com Portugal, pois, até agora, nunca houve uma troca de informações muito célere entre as autoridades brasileiras e portuguesas em relação a isso. Espero, com o livro, que isso pelo menos chegue ao fim e que se consiga perceber o que é que aconteceu efectivamente com este dinheiro.

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