"Hoje é o dia da vitória dos mortos do 27 de Maio. De todas as nossas exigências, agora só falta a abertura dos arquivos da Direcção de Informação e Segurança de Angola (DISA)", disse aos jornalistas Silva Mateus durante a cerimónia que pela primeira vez em Angola lembrou os acontecimentos de 27 de Maio.
Silva Mateus manifestou a sua satisfação pelo facto de o Presidente da República, João Lourenço, ter pedido desculpas e perdão às vítimas dos conflitos internos que surgiram após a independência, em 1975, incluindo as de 27 de Maio de 1977.
"É isso que nós, angolanos, esperávamos", observou Silva Mateus, admitindo que o trabalho de localização de corpos será "muito difícil", uma vez que muitos dos corpos foram depositados em valas comuns.
Silva Mateus lamentou que há 44 anos irmãos da mesma pátria se tenham envolvido em conflitos desnecessários, ceifando milhares de vidas humanas.
Durante a cerimónia que marcou os 44 anos da data do massacre que terá deixado alegadamente mais de 30 mil vítimas, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, fez a entrega simbólica de certidões de óbito a três familiares dos malogrados Inocente Leão, António Armando e Joaquim Manuel.
Este processo de certidões de óbitos aos familiares das vítimas arrancou hoje em Luanda com uma cerimónia sob o lema "Abraçar e Perdoar".
Na quarta-feira, 26, o Presidente da República, João Lourenço, deu a conhecer que o Executivo vai, nos próximos dias, dar início ao processo de localização dos restos mortais das vítimas do 27 de Maio de1977, para a sua exumação e entrega aos familiares.
Dos restos mortais (ossadas) a serem localizados constam os de Alves Bernardo Baptista (Nito Alves), Jacob João Caetano (Monstro Imortal), Ernesto Eduardo Gomes da Silva (Bakalof), Sita Maria Dias Valles (Sita Valles), José Jacinto da Silva Vieira Dias Van-Dúnem (Zé Van-Dúnem), António Urbano de Castro (Urbano de Castro), David Gabriel José Ferreira (David Zé).
Constam também os nomes de Artur de Jesus Nunes (Artur Nunes), Pedro Fortunato, Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk), António Lourenço Galiano da Silva, Domingos Ferreira de Barros (Sabata), bem como dos ex-militares da 9ª Brigada do Destacamento Feminino e da então DISA.
Este processo abrange, igualmente, a entrega às respectivas famílias das ossadas de Jeremias Kalandula Chitunda, Elias Salupeto Pena e Adolosi Paulo Mango Alicerces, tombados em combate no conflito pós-eleitoral de 1992, na cidade de Luanda.
Bibiana Paulo, irmã de Inocente Paulo, espera que as autoridades competentes indemnizem a família porque o irmão, segundo ela, ele não estava envolvido no alegado golpe do estado.
"Estou satisfeita de saber que os restos mortais do meu irmão serão entregues, para que as famílias façam um funeral condigno", referiu, defendendo que o Executivo deve indemnizar a família.
Isabel Diogo, viúva de António Armando, tem a mesma opinião, salientando que o seu marido estava inocente dos acontecimentos de 27 de Maio.
"O importante é que o Presidente da República, João Lourenço, pediu desculpas e perdão às vítimas dos conflitos internos que surgiram após a independência, em 1975, incluindo as de 27 de Maio de 1977. Esperamos que Executivo preste atenção às famílias", frisou.
A filha do músico Urbano de Castro, Idalina Urbano, que espera nos próximos dias receber a certidão do seu pai, já não contava que um dia a exéquias fúnebres fossem realizadas.
"Perdi o meu pai e espero que o Executivo entregue os restos mortais de um músico que jogou um papel muito importante para a independência de Angola", assinalou.
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, disse que o 27 de Maio, dia em que morreram muitos angolanos, é uma data para não esquecer.
"Esperamos que estes acontecimentos não voltem a repetir-se", declarou o ministro Francisco Queiroz, frisando que o Executivo está imbuído do espírito de reconciliação nacional e de perdão.
"Fomos instruídos para darmos os passos concretos e não ficarmos no discurso de ontem. Daqui para frente o objectivo é a concretização dos actos de perdão", frisou o ministro.
Em 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves - então ex-ministro do Interior desde a independência, a 11 de Novembro de 1975, até Outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Seis dias antes, a 21 de Maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente o controlo da estação da Rádio Nacional, um movimento que ficou conhecido como "fraccionismo".
As tropas leais a Agostinho Neto, com o apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das facções, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.
Em Abril de 2019, o Presidente da República, João Lourenço, ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 e 04 de Abril de 2002 (fim da guerra civil).