Isso mesmo ficou claro numa das primeiras intervenções do líder turco no âmbito desta visita oficial, quando, no Salão Nobre do Palácio da Cidade Alta, apontou como caminho a seguir a construção de uma nova era nas relações entre Angola e a Turquia como um dos passos essenciais no objectivo mais lato de Ancara que passa pela construção de uma "ponte" sem portagens artificiais entre a potência euro-asiática e o continente africano.

Este redesenhar das prioridades turcas, claramente viradas para África, mas também para o Médio Oriente e os vizinhos asiáticos, começou a ser erguida quando a sua aposta para entrar na União Europeia começou a esmorecer devido aos fortes entraves colocados por Bruxelas, nomeadamente exigências no âmbito das liberdades democráticas e Direitos Humanos.

Mas foi na promessa de "um mundo mais justo" que Recep Erdogan alicerçou o seu discurso inicial logo na manhã de segunda-feira, com a qual justificou este caminho de Ancara para o continente-berço de todas as oportunidades nesta era em que as velhas potências como os EUA ou mesmo França e Reino Unido começam a perder terreno para outras que se aglomeram em busca de oportunidades, como Espanha, com o seu "Foco África 2023" ou a Turquia, que já está alicerçada em países como a Guiné-Conacri, a Líbia ou a Etiópia, disputando "terreno" com a própria China, que é hoje, de longe, a mais impactante presença externa no continente, muito por causa das infindáveis linhas de crédito escoadas para África nos últimos 20 anos.

E uma linha de crédito de 500 milhões USD foi precisamente um dos trunfos com que Erdogan se apresentou em Luanda, nesta visita que foi realizada de forma acelerada depois de João Lourenço ter estado na Turquia em Julho último, mostrando essa celeridade que Ancara encara Angola como um pilar estruturante da sua aposta africana.

Erdogan deixa Angola com um conjunto de sete instrumentos jurídicos (acordos) assinados, que visam reforçar outro conjunto de documentos semelhantes assinados em Ancara, no mês de Julho, aprofundando a cooperação bilateral nas áreas, entre outras, da indústria, agricultura, defesa, energia, turismo, educação...

João Lourenço repetiu que o objectivo é que esta cooperação seja "mutuamente vantajosa", objectivo a que o seu homólogo turco não coloca entraves visto que o seu projecto mais lato é criar "um mundo mais justo", desde logo a começar pelo apoio que a Turquia pode dar a Angola no esforço, como também o disse Lourenço, de diversificação da economia nacional.

O que João Lourenço sintetiza com a constatação de que este reforço da cooperação com a Turquia já está a dar frutos porque já se assiste a uma relevante e crescente "dinâmica" entre empresas dos dois países com resultados volumosos esperados na criação de emprego e no desenvolvimento económico.

Desenvolvimento esse que tem uma ajuda suplementar na linha de crédito que já estava anunciada poder vir a ser aplicada nos tempos mais próximos, já que se trata de "um importante instrumento de apoio ao incremento do investimento turco em Angola", restando saber se este dinheiro vai servir, como tem sido comum, para alavancar as exportações da poderosa indústria turca do sector alimentar, tecnológico ou agro-industrial, ou para, como o Governo de Luanda tem insistido, apoiar investimentos em território nacional que permitam criar emprego e diluir as importações, ao mesmo tempo que se substitui o crude como o pilar estrutural da economia angolana.

Erdogan aproveitou para lembrar que Angola é um país que foi explorado pelo ocidente, primeiro nos 400 anos de colonialismo, depois em contexto de conflitos armados, apontando o dedo acusatório à França, que disse foi responsável pela morte de milhares de africanos, "massacrados" em países como o Ruanda e a Argélia.

Com isto, Erdogan faz algo semelhante ao que a China foi fazendo ao longo das últimas duas décadas, que foi marcar a forma diferente como pretende entrar em África, recusando a exploração dos recursos do continente como única razão para olhar para o continente, sublinhando que essa visão é "uma grande injustiça", apelando que os africanos deixem de ter medo porque se não for assim, o "mal vai continuar".

"Nós queremos um mundo mais justo e para isso precisamos de trabalhar juntos", garantiu, notando assim que a Turquia não se comportará dessa forma exploratória. "É necessário procurar os nossos direitos para construir um mundo mais justo".

Angola aposta na dinâmica empresarial

Já o Presidente angolano, como a Lusa noticiou, assinalou, a "importante dinâmica no movimento de empresas turcas e angolanas", considerando que terá um valor significativo para o crescimento económico e criação de emprego.

Lourenço, que discursava na sala do Conselho de Ministros do Palácio Presidencial, onde esteve também o seu homólogo turco, Recep Erdogan, considerou que, graças a esta dinâmica, há uma "forte probabilidade" de a linha de crédito anunciada em Ancara por ocasião da visita que fez há três meses à Turquia, vir a funcionar nos tempos mais próximos, já que se trata de "um importante instrumento de apoio ao incremento do investimento turco em Angola".

Dirigindo-se a Erdogan, o chefe do executivo angolano disse que quer contar com o apoio da experiência e influência turcas, sendo esta das mais importantes economias da região Eurásia, e abordou os instrumentos jurídicos assinados pelas duas delegações que "terão um peso específico inquestionável" no estreitamento e intensificação das relações bilaterais.

"Penso que estes acontecimentos sinalizam com muita clareza a vontade política de cada um dos nossos Governos em criar um ambiente de segurança e de previsibilidade para os negócios que forem sendo efectuados entre ambos os países", sublinhou o Presidente angolano, enaltecendo o potencial de cooperação e negócios que os dois países, "que se conheciam pouco", descobriram.

João Lourenço falou também sobre as responsabilidades da Turquia e de Angola na promoção de iniciativas que garantam a paz, a segurança e a estabilidade ao nível das regiões em que estão inseridos, e que têm impacto global.

"Preocupa-nos, em face disso, a crescente escalada de tensão que se observa em várias regiões do planeta e, sobretudo, os conflitos armados que se registam em África e no Médio Oriente, os quais requerem um esforço ingente da comunidade internacional, para que, ao abrigo das normas do Direito internacional, das pertinentes resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e em estrita observância do princípio do diálogo, se promovam iniciativas reais, concretas e funcionais, destinadas à sua resolução definitiva", realçou.

Neste âmbito, "Angola tem feito a sua parte por via de iniciativas que empreende no quadro da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), no sentido de contribuir para a paz e estabilidade nessas sub-regiões", continuou João Lourenço.

O chefe de Estado angolano manifestou, por isso, empenho "no sentido de sensibilizar as partes em conflito, de modo a construir-se um entendimento sólido entre todos".