Na terça-feira, os juízes do Constitucional devolveram a proposta de Lei de Revisão Constitucional ao Chefe de Estado por considerarem que alguns artigos "desrespeitam os limites materiais fixados na Constituição da República de Angola (CRA)", mas o juiz presidente demissionário foi mais longe e criticou a postura do Tribunal Constitucional por este ter decidido fazer "recomendações" ao legislador constituinte, ao invés de declarar "simplesmente as inconstitucionalidades" constantes no documento.
"O Tribunal Constitucional é chamado a expurgar as normas e os princípios que violem os limites materiais, bem como as normas que colidem com os princípios estruturantes da Constituição. O Tribunal Constitucional não é chamado a recomendar, como se pode verificar no acórdão em apreço", lê-se na sua declaração de voto vencido.
A proposta de Lei de Revisão Constitucional, de iniciativa presidencial, propõe que os tribunais superiores de Angola são o Tribunal Supremo, o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Militar, "alterando a disposição originária dos tribunais superiores, mas mantendo as respectivas funções".
Segundo o presidente do TC, o sistema jurisdicional existente em Angola "é difuso, onde existe uma jurisdição comum encabeçada pelo Tribunal Supremo (TS) e uma jurisdição especializada (Tribunal Constitucional) e cada um destes órgãos é chamado, de acordo com a sua natureza a dar resposta às questões a eles submetido".
"No Estado de direito, esta estrutura e organização é determinada a fim de garantir a concretização e efetivação dos demais princípios, como o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva", lê-se na declaração de voto de Manuel Aragão.
Ressalvar que também o juiz Carlos Teixeira votou voto vencido. Já as juízas Josefa Neto e Conceição Sango votaram favoravelmente mas com "reserva. Os restantes seis juízes - a maioria - votaram a favor da norma que redefine a ordem dos tribunais superiores na Constituição da República de Angola, colocando o Tribunal Supremo no topo da hierarquia.
O acórdão 688/2021, assinado pelo juiz conselheiro presidente Manuel Aragão declara que a proposta de Lei "está conforme aos princípios e aos limites fixados nos artigos 233, 234, 235 e 237 da Constituição da República de Angola", com excepção das alíneas 5ª do artigo 181, 4ª do artigo 182, 4ª do artigo 183, e 6ª do artigo 184, por "desrespeito aos limites materiais fixados na CRA.
Segundo o parecer do TC, os artigos que estabelecem a remessa de relatórios dos órgãos jurisdicionais para outros órgãos de soberania constituem desrespeito ao limite material da revisão da CRA no que se refere aos princípios de independência dos tribunais e da separação de poderes e interdependência dos órgãos de soberania.
O n.º 5 do artigo 181 dispõe que "o Tribunal Constitucional remete anualmente o relatório da sua actividade ao Presidente da República e à Assembleia Nacional para conhecimento", expõe o colectivo de juízes do Constitucional, lembrando que "similarmente preceitua-se em relação ao Tribunal de Contas (n.º 4 do artigo 182), ao Supremo Tribunal Militar (n.º 4 do artigo 183) e ao Conselho Superior da Magistratura Judicial em relação à jurisdição comum (n.º 6 do artigo 184)".
Para o colectivo de juízes que devolveu o documento ao Presidente da República, "em relação aos tribunais, o princípio em referência tem uma dimensão externa, que traduz a ideia da independência dos tribunais em face dos demais órgãos de soberania quer seja, outras entidades estranhas ao poder judicial, a fim de assegurar não somente a sua independência funcional como a aparência desta mesma independência".
Deste modo, refere o documento, "a exigência de remessa por parte dos mencionados Tribunais, de um relatório anual da sua actividade aos órgãos de soberania Presidente da República e Assembleia Nacional, contende com aquele limite material de revisão constitucional".
Os juízes recomendam que "é essencial para a consolidação do estado democrático de direito, a ausência de suspeições relativamente a influência indevida dos demais órgãos de soberania sobre o poder judicial, pelo que nesta medida, a exigência do envio anual do referido relatório aos órgãos externos a funções judiciais, não permite destrinçar isto mesmo, pelo contrário inclinando-se no sentido de inquinar a confiança pública, num poder judicial funcionalmente independente dos poderes executivo e legislativo".
Para o Tribunal Constitucional, "o princípio da separação de poderes determina a especificidade de funções dos órgãos de soberania, sem submissão de um ao outro", e, por isso defendem que " a submissão deste relatório mesmo que seja somente para efeitos de conhecimento, contende com este princípio".
"Embora não seja feita qualquer referência à natureza do relatório em causa", pressupondo poder ser de actividade ou de cariz orçamental, e ainda que para mero conhecimento, tal remessa denota uma evidente e clara subordinação destes órgãos para com aqueles", lê-se no parecer.
Segundo o colectivo de juízes, "o Tribunal Constitucional, o Tribunal Supremo e o Supremo Tribunal Militar podem, ao invés, publicar os seus relatórios em Diário da República, sem prejuízo de submeter os relatórios orçamentais ao Tribunal de Contas".
No acórdão foram validadas a normas sobre a jubilação aos 70 anos de juízes de qualquer jurisdição, a independência do Banco Nacional de Angola (BNA, o voto de cidadãos angolanos no exterior, os limites da propriedade privada e a retirada o gradualismo na CRA vigente.
O registo eleitoral oficioso, obrigatório e permanente, a actualização do registo eleitoral no exterior, a data das eleições gerais, que devem ser realizadas "preferencialmente durante a segunda quinzena do mês de Agosto", a extensão para 15 membros do Conselho de República tiveram igualmente o aval do TC.