Há uma forte desconfiança de que algumas variedades de mandioca, conhecidas pelo alto teor de ácido cianídrico, que pode ser muito tóxico para humanos, estejam por detrás de várias mortes e de múltiplas idas de urgência para os hospitais no Bengo e na periferia de Luanda.

Nas províncias angolanas do Norte e Centro, o conhecimento popular diz que há dois tipos de mandioca, a amarga e a doce. A primeira, a amarga, é utilizada para a produção de farinha, o tradicional funge, e a segunda, a doce, para o consumo em cru do tubérculo ou as folhas na forma de kizaca.

Mas a toxicidade de algumas das mais de 100 variedades de mandioca que existem no mundo, algumas dezenas crescem em África, não é do conhecimento comum a todas as comunidades angolanas, porque, se no Norte, a mandioca é parte significativa da dieta alimentar, no Centro e no Sul, predominam o milho e o sorgo como base da alimentação.

Sem a divulgação desta informação, e numa altura de crise, onde as famílias mais pobres têm dificuldade em se alimentar, o perigo aumenta consideravelmente porque, nessa aflição, não se presta atenção aos perigos ou estes são totalmente desconhecidos.

Como explicou ao Novo Jornal Online o engenheiro agrónomo Fernando Pacheco, "há províncias - do Planalto Central e do Sul do país- onde não existe tradição de consumo de mandioca e, por isso, as pessoas estão menos alerta para os riscos".

Assim sendo, com a chegada à periferia de Luanda de muitas famílias oriundas destas províncias, que, tradicionalmente, têm no milho e no sorgo a base da sua dieta, e face à dificuldade crescente de se alimentarem, a mandioca surge como uma "alternativa natural", adiantou Fernando Pacheco.

O engenheiro agrónomo observou ainda que "isso leva a um aumento do risco de consumo de variedades de mandioca mais ricas em ácido cianídrico", que é o componente tóxico que pode provocar náuseas, dores musculares, asfixia e convulsões... e, sem a resposta médica adequada e em tempo adquado, a morte.

Há casos onde estas variedades de mandioca mais tóxicas provocaram dezenas de mortes, como já aconteceu em países como Moçambique, mas também em Angola há alguns anos, nas províncias do Zaire e do Uíge, onde existem fortes indícios de ter sido essa a razão da morte de várias pessoas.

Em linguagem simples, Fernando Pacheco explicou que, na sabedoria popular das comunidades que têm a mandioca como parte da sua dieta alimentar de base, sabe-se que as chamadas mandiocas "amargas", que contêm maior potencial de produção de ácido cianídrico, devem ser utilizadas para produzir farinha, porque o processo de secagem ao sol e de maceração, através de um processo chamado volatilização, elimina os componentes tóxicos. A fervura é também essencial para diminuir os riscos.

As variedades "doces", com muito menor grau de toxicidade, embora todas contenham algum, excepto as que foram geneticamente manipuladas para não terem nenhuma percentagem de ácido cianídrico, podem ser consumidas cruas ou escassamente cozinhadas na forma de kizaca.

"O perigo ocorre quando as pessoas que estão a consumir estas variedades mais perigosas de mandioca não têm este conhecimento, porque já cresceram em meio urbano ou porque são originárias de regiões onde se conhece mal a planta, e as confundem e tratam como sendo a chamada mandioca doce, o que pode ser extremamente perigoso", notou o técnico.

Para que se tenha uma ideia clara do perigo do consumo das variedades "amargas" ou "selvagem", como é conhecida noutras latitudes, como, por exemplo, no Brasil, um dos elementos produzidos, em determinadas circunstâncias, a partir desta planta é o cianeto de hidrogénio.

E mesmo o famoso Zyklon B, o gás venenoso utilizado nas câmaras de extermínio dos campos de concentração nazis, durante a II Guerra Mundial, era composto quase integralmente por ácido cianídrico.

É preciso uma campanha de alerta

Fernando Pacheco, sublinhando que desconhece se as mortes mais recentes foram ou não provocadas pelo consumo desta planta nas suas variedades tóxicas, alerta para a urgência de as autoridades sanitárias angolanas "procederem a uma campanha de informação e sensibilização para minimizar os riscos do seu consumo por parte de pessoas desconhecedoras do perigo que, de facto, existe".

Alguns conselhos óbvios, enfatiza Fernando Pacheco, são, para as pessoas menos conhecedoras e quando não existe certeza sobre que tipo de mandioca se está a preparar para consumir, não o fazer crua.

A Acção Angolana para o Desenvolvimento Agrário (ADRA) admite a possibilidade de poder ser necessário realizar uma campanha de prevenção e sensibilização.

O director-geral desta organização, Berlarmino Jelembi, sublinha, contudo, que, para isso "seria necessário uma análise detalhada de eventuais casos e uma investigação científica, com recurso a exames laboratoriais, para justificar esse passo de avançar para uma campanha sobre esta matéria".

Porque, adiantou Jelembi, até ao momento, a experiência que existe aponta para um conhecimento claro das populações angolanas sobre quais e de forma se podem e devem consumir as distintas variedades de mandioca.

"Em casos excepcionais, pode ser encarada essa possibilidade, nomeadamente com a mudança de residência de famílias de geografias onde a alimentação de base não é composta, de todo, pela mandioca, para outras regiões onde esta planta seja consumida com conhecimento em como tratar as variedades mais tóxicas", acrescentou.

Melhores variedades disponíveis, menos riscos

Entretanto, em Angola é o Instituto de Investigação Agrária (IIA) que está a fazer, também com o objectivo de melhorar a segurança no consumo da mandioca, uma selecção de variedades, com apoio das instituições do sector ds Nigéria, para fornecer às comunidades rurais do país.

Domingos Panzo, director-geral do IIA, explicou ao Novo Jornal Online que a instituição tem conhecimento de casos problemáticos que ocorreram em algumas províncias angolanas, e, sempre que isso acontece, um técnico do IIA da área da prevenção desloca-se ao local para sensibilizar e explicar às pessoas os cuidados a ter, especialmente com as crianças.

Mas, acrescentou Domingos Panzo, a parte principal do trabalho nesta área é criar condições para fornecer às comunidades produtoras, variedades de mandioca em quantidade e das melhores qualidades, "por forma a minimizar todos os riscos", como a da toxicidade e da resistência a doenças, que, por vezes, geram situações de escassez deste alimento.

E quando, por exemplo, as doenças limitam a produção de mandioca numa determinada região, isso leva as pessoas a procurar as variedades selvagens, que são mais perigosas devido aos níveis elevados de componentes tóxicos, como o ácido cianídrico.

Um alimento mundial

Cerca de 500 milhões de pessoas em todo o mundo têm na mandioca o principal alimento diário, constituindo a base da sua dieta alimentar. Especialmente nos trópicos, onde é a terceira mais importante fonte de carboidratos, logo a seguir ao milho e ao arroz.

A FAO destaca a importância desta planta tuberosa, integrada na família das Euphorbiaceae como essencial em 80 países e tem como principais produtores mundiais a Nigéria, o Brasil e a RDC. Angola produz anualmente cerca de 5 milhões de toneladas, comparando com os cerca de 29 milhões do Brasil.

O último caso suspeito

O último caso conhecido de morte suspeita de ter resultado de intoxicação alimentar, onde a chamada "mandioca amarga" é suspeita, aconteceu esta semana no Bairro 8, no Caxito, Bengo, onde uma criança de cinco anos perdeu a vida.

Ao Novo Jornal, a Polícia Nacional, no Bengo, confirmou que a criança que morreu e duas outras que sobreviveram, apesar de terem tido sintomas semelhantes, tinham acabado de comer "mandioca amarga".

As três crianças foram transportadas para o hospital local, onde duas foram salvas e estão livres de perigo.

A polícia, através do seu gabinete de comunicação, informou o NJ que foi aberto um inquérito, mas o responsável da PN admite que a mandioca é a principal responsável pelo sucedido, porque foi consumida sem os devidos cuidados e em cru, quando este tipo de mandioca, como é do conhecimento das comunidades da província "deve ser transformada em farinha" antes de ser ingerida.