O clima em forte mudança, que troca as voltas aos agricultores, atrasando a chuva ou fazendo-a cair com força destruidora e a crise dos cereais que deixaram de vir da Ucrânia e da Rússia por causa da guerra, estão a afectar todo o continente africano, acrescentando milhões de vidas em risco aos milhões que há décadas vivem nessa condição.
Numa publicação recente no site AfricaNews, Menghestab Haile, director regional para a África Austral do Programa Alimentar Mundial (PAM), não podia ser mais expressivo na forma como alerta para a existência de 50 milhões de pessoas em risco severo devido à fome, na sua maioria mulheres e crianças, sendo que, destas, apenas 36 milhões têm acesso a algum tipo de ajuda, apontando países como Moçambique, Angola, Namíbia, Madagáscar e Tanzânia, entre os que apresentam pior situação.
Este responsável explica, num artigo de opinião, que, Angola, por exemplo, viu 1,6 milhões de pessoas, nas suas províncias do sul, encurraladas num ciclo sem saída aparente de fome e miséria, Moçambique pelo menos 1,9 milhões na mesma condição, embora a pior situação seja apontada na República Democrática do Congo, onde 26 milhões - um população estimada em 70 milhões - se encontram em situação de insegurança alimentar aguda.
E, para agravar as perspectivas para estes milhões de pessoas, Menghestab Haile alerta para o "stresse severo" em todo o mundo em que se encontram os sistemas alimentares, o que leva a uma situação catastrófica em África, onde 1/4 da sua população de 1,2 mil milhões de pessoas - perto de 260 milhões - está em situação de insegurança alimentar aguda e fome, apontando o director regional do PAM como razão para este quadro trágico os conflitos, as secas, as inundações, o desemprego galopante, crises económicas e a desigualdade.
Lembra ainda que no sul do continente, os sistemas alimentares tradicionais estão fortemente assentes em pequenos produtores, na maioria mulheres e idosos, fortemente dependentes da chuva, o que faz com que toda a rede que gera alimentos é altamente vulnerável e essa fragilidade cresce de forma célere face às alterações climáticas que, nos últimos anos, se manifestam de forma evidente e desastrosa, sublinhando que se verifica uma forte resistência dos jovens para o trabalho agrícola que identificam como gerador de pobreza e insegurança permanente na forma que este tem actualmente e que urge alterar, por isso.
Esta realidade alarga-se a outras regiões, como a África Oriental, onde se destacam países como o Sudão, fortemente dependente da importação de trigo do leste europeu, Rússia e Ucrânia, ou a Somália, Quénia, Etiópia. onde se junta este problema às prolongadas secas... deixando dezenas de milhões de pessoas vulneráveis, só no Sudão são perto de 27 milhões...
Na África Ocidental, o mesmo cenário, as mesmas razões...
Onze Organizações Não-Governamentais alertaram hoje para a catástrofe alimentar que se avizinha na África Ocidental, com 27 milhões de pessoas a passar fome, a que se poderão juntar mais 11 milhões nos próximos três meses
"A África Ocidental está a ser atingida pela pior crise alimentar da última década, com 27 milhões de pessoas a passar fome; este número pode subir para 38 milhões até junho, um novo nível histórico e já de si um aumento de mais de um terço face ao último ano, a não ser que sejam tomadas medidas urgentes", lê-se no comunicado assinado por 11 ONG, entre as quais estão a Oxfam, Action Against Hunger, Save the Children, CARE International, Comité de Resgate Internacional (IRC) e o Conselho de Refugiados da Noruega.
O alerta agora difundido surge na véspera da conferência virtual sobre a crise alimentar e nutritiva na região do Sahel e do Lago Chade, organizada pela União Europeia e pelo Clube do Sahel e da África Ocidental.
"Na última década, em vez de diminuírem, as crises alimentares têm aumentado na região da África Ocidental, incluindo no Burkina Faso, Níger, Chade, Mali e Nigéria; entre 2015 e 2022, o número de pessoas que necessitam de assistência alimentar urgente quase quadruplicou, passando de 7 para 27 milhões", lê-se ainda no comunicado, citado pela Lusa.
Citado no comunicado, o director para a África Ocidental e Central da ONG Save the Children, Philippe Adapoe, diz que "a situação está a forçar centenas de milhares de pessoas a mudarem de sítio e a viverem em famílias de acolhimento que já estão, elas próprias, em dificuldades; não há comida suficiente, quanto mais comida nutritiva para as crianças".
As Nações Unidas estimam que 6,3 milhões de crianças entre os 5 e os 9 meses ficarão severamente malnutridas este ano, o que compara com os 4,9 milhões de crianças que já tinham problemas de subnutrição no ano passado.
Além das secas e do efeito que isso tem na vida animal e nas colheitas, as principais fontes de rendimento da maior parte da população nesta região africana, a crise na Europa está a originar uma forte descida na ajuda internacional para África.
"Muitos doadores já indicaram que podem fazer cortes no financiamento a África; por exemplo, a Dinamarca anunciou que vai adiar parte da sua ajuda bilateral ao desenvolvimento ao Burkina Faso (50% em 2022) e ao Mali (40% em 2022), para financiar a recepção de pessoas que fugiram das suas casas na Ucrânia", lê-se no comunicado.
A região da África Ocidental, de acordo com a definição das Nações Unidas, inclui 16 países: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Gâmbia, Gana, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.
As 11 ONG que assinam o comunicado conjunto são a Oxfam, Action Against Hunger, Save the Children, CARE International, Comité de Resgate Internacional (IRC), Conselho da Noruega para os Refugiados (NRC), Aliança para a Ação Médica Internacional (ALIMA), Tearfund, World Vision (WV), Handicap International - Humanité & Inclusion e Mercy Corps.