Há cinco meses, o padre denunciou que, no Sul do País, muitos angolanos fugiam para a Namíbia em busca de sustento. Qual é a situação real hoje?
O primeiro grande movimento dos angolanos, em direcção à República da Namíbia, sobretudo nas regiões (por cá seriam províncias) de Ohangwena e Omusati tornou-se notório em 2021, quando mais de sete mil pessoas, idas do Sul da Huila, Namibe e Cunene começaram a afluir por lá, devido à seca severa já iniciada de forma intensa em 2012. Infelizmente, da parte do Estado Angolano, faltaram medidas de prevenção, já que o fenómeno na Região Sudoeste de Angola não é novo. Desde 2012 que temos vindo a alertar o Governo e com todos os dados de satélite disponíveis, para que fossem adoptadas medidas em diferentes modalidades. A primeira seria a de emergência, e que deveria consistir no levantamento sério da situação e das comunidades afectadas, desencadeando a ajuda de emergência para as respectivas comunidades. A segunda, seria uma fase de transição, com a recuperação e criação de sistemas de aprovisionamento de águas pluviais ou freáticas. O Sudoeste de Angola está repleto de estruturas simples de aprovisionamento de águas, como açudes. Muretes ou barragens de areia, cisternas-calçadão, inovações recentes inspiradas no Nordeste Brasileiro, chimpacas melhoradas, redes de furos com sistemas de recarga associada para recarregar os lençóis freáticos com as cargas pluviométricas. E, apesar da seca, as comunidades conhecem os pontos e as linhas de água e que poderiam ser usadas para o seu aprovisionamento.
E este cenário caótico persiste?
Exactamente. Estamos a viver um dos picos mais elevados de fuga de pessoas para o estrangeiro, que já se viveu em 1974/75, e que era motivada pela fuga do conflito. Agora, a fuga acontece por falta de condições. Se houvesse sensibilidade e empatia da parte do Governo, desde finais de 2021, teríamos sistemas e estruturas, bem como serviços preparados para lidar com os impactos das alterações climáticas. Infelizmente, o Governo se fechou no negacionismo e minimalismo, e agora, o fenómeno da fome se espalhou como fogo em palha, por todo o País, levando de forma vergonhosa os angolanos a comerem nos contentores. Não teríamos números astronómicos de tanta gente a viver à míngua, num País com tanto e enorme potencial.
O senhor esteve numa conferência sobre o "Planeta em Chamas". Que lições a retirar desta conferência?
São muitas as lições que tiramos desta conferência da MOSAIKO e a mais perturbadora que me veio à mente é a de que, daqui a alguns anos, as questões de seca, de fome, de degradação da biodiversidade serão mais agudas, não devido às alterações climáticas, mas devido à mão humana. Infelizmente, membros de elite do Estado, sobretudo do Governo angolano, são os principais responsáveis de destruição da biodiversidade, com o assalto às áreas antes protegidas, como a exploração do petróleo nas Bacias de Okavango e Namibe. Mas não só: a destruição astronómica da nossa floresta do Leste e que serve para nos fornecer da chuva que ainda temos, no Centro e Sul, representa o cume da cupidez dos grupos empresariais, com o concurso de empresas estrangeiras, vai deixar Angola à beira de um processo de desertificação irreversível. E isto é, sim, o verdadeiro atentado à segurança do Estado, e não os pacotes recentemente aprovados sobre vandalização e pares. Todos sentem que a temperatura está a mudar, o ciclo das chuvas está a mudar, o calor está a aumentar, as pestes sobre animais e plantas, bem como as doenças como o paludismo estão a alcançar uma resistência fora do comum. E, infelizmente, nem a transição energética está a ser célere o suficiente para ajudar a criar resiliência comunitária.
O canal do Cafu é um dos maiores empreendimentos feitos pelo Governo no Sul do País. Que benefícios tem usufruído a população deste canal?
Quanto ao Canal do Cafu, em resumo, o problema fundamental é o de, em parte, o seu projecto ter calhado no contexto da campanha eleitoral. Havia um projecto colonial que devia servir como uma estacão zootécnica. Acredito que antes de se empreender o actual Canal do Cafu, deveria ter-se feito estudos e avaliações sobre os projectos coloniais sobre o Baixo Cunene. Seja como for, a iniciativa era louvável, pois iria, na visão das comunidades e de muitos de nós, reeditar o que ocorreu com o projecto do Alto Cunene e que envolveu a construção do Canal de irrigação da Matala, numa faixa de quase 40 quilómetros e que deveria, com o tempo, abranger o território que vai até Mankhete, no Cunene. O Canal de irrigação da Matala envolveu o programa de Fomento Rural do Governo português. Para além da parte técnica, houve um complexo programa de assentamento de famílias, maioritariamente idas das Ilhas de Madeira e Açores e que se adaptaram muito bem ao novo espaço, iniciaram a produção e colocaram Matala no topo de uma das zonas mais produtivas de cereais, sobretudo o trigo, tubérculos e outros.
Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, pagável no Multicaixa. Siga o link: https://leitor.novavaga.co.ao/