Um estudo publicado pela revista científica The Lancet Infectious Diseases Journal, realizado no Ruanda, mostra que o continente africano está a deparar-se com um fenómeno que já ocorreu na Ásia, há alguns anos, quando as drogas comummente eficazes para debelar a malária, começaram a deixar de ter efeito.

O que está a suceder agora em África é que o plasmodium, especialmente o falciparum o parasita que causa a doença na sua forma mais grave, e que mais mortes provoca entre as crianças, depois de inserido no organismo, através de um mosquito, o anófeles gambiae, adquiriu uma capacidade robusta de resistir aos medicamentos anti-palúdicos.

E o que este estudo vem agora demonstrar, segundo os especialistas citados pelo The Lancet Infectious Diseases Journal, é que essa resistência adquirida pelo parasita se está a alastrar e, em breve, pode abranger toda a África subsaariana, onde é, de longe, a principal causa de morte, como é disso exemplo Angola.

Em Angola, um dos países africanos com pior registo, embora longe dos números de países como a Nigéria, a RDC, a Tanzânia ou o Mali, o plasmodium mata anualmente cerca de 12 mil pessoas pessoas, com uma incidência de mais de 50% em crianças com menos de cinco anos, atingindo centenas de milhares de casos num ano - mais de 200 casos por mil habitantes.

Em toda a sub-região subsaariana morrem, anualmente, um milhão de crianças com menos de cinco anos por causa da malária, especialmente a gerada pelo plasmodium falciparum, considerado a mais agressiva e letal das várias estirpes deste parasita.

E o que este estudo veio demonstrar é que a administração dos medicamentos até aqui mais eficazes, como a artemisina, em compostos que integram outras drogas (Coartem), começam a evidenciar ausência de resultados e incapacidade de livrar o organismo das vítimas do parasita.

Ou seja: a administração destes medicamentos, segundo o estudo - conduzido com a tracção da Iniciativa do Presidente dos EUA para a Malária e pelo Centro Biomédico do Ruanda -, não está a resultar como costume e o parasita permanece no corpo dos pacientes cada vez por mais tempo, começando a falhar de forma mais evidente e numa mais alagada geografia.

Aline Uwimana, especialista do Centro Biomédico do Ruanda, explicou que as mutações no parasita qe conduzem à resistência aos fármacos surge esporadicamente de forma espontânea, mas, contrariamente ao que era comum, agora esse registo é mais comum, o que exige "uma redobrada vigilância" nos países mais expostos a esta doença.

E isto inclui as drogas que resultam da combinação da artemisina com outros fármacos, nomeadamente o mais usado actualmente que é o bem conhecido Coartem, cuja perda de eficácia pode ser uma tragédia em curso se não for encontrada uma alternativa eficaz.

E isso é de grande relevância porque ocorrem em todo o mundo, anualmente, 229 milhões de casos, sendo África, de longe, a geografia mais afectada (94% do total), segundo a The Lancet, com 409 mortes, dados de 2019, sendo que, das mortes registadas, 274 mil são crianças com menos de 5 anos.

Os especialistas advertem, no entanto, que a eficácia destes medicamentos ainda é alta, exigindo a situação mais vigilância e controlo de forma a antecipar o alastramento desta perda de vigor das drogas anti-palúdicas, como se depreende do estudo realizado no Ruanda, tendo como referência o que sucedeu na Ásia, em países como o Cambodja, onde este fenómeno foi identificado já em 2008.