O anúncio do envio do contingente dos "capacetes azuis" da ONU, integrados na missão das Nações Unidas na RDC, a MONUSCO, a mais volumosa e cara em todo o mundo, está a ser considerado como o sinal de preocupação que faltava e representa igualmente um sinal de que a comunidade internacional teme um crescendo de violência naquela província congolesa vizinha da Lunda Norte.
Desde Maio de 2016 que milícias afectas ao chefe tradicional Kamwina Nsapu espalham o terror nos Kasai e Kasai Oriental, por causa de questões relacionadas com o respeito do Governo de Joseph Kabila para com as chefias tradicionais da região.
E nem a morte de Nsapu, em Julho do ano passado, acalmou as coisas, tendo, pelo contrário, crescido a violência a ponto de hoje, um ano após a sua deflagração, já existiram mais de um milhão de deslocados internos e à beira de 40 mil em campos de acolhimento na Lunda Norte, para onde a ONU enviou equipas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Alto Comissário para os Refugiados (ACNUR) para apoiarem as autoridades angolanas no acolhimento ao crescente número de refugiados da RDC, um país com um largo historial de violência.
Apesar de as Forças Armadas da RDC (FARDC) terem muitas centenas de homens, fortemente armados, no Kasai numa operação de limpeza dos milicianos de Kamwina Nsapu, estes parecem estar a resistir sem grandes problemas e com acções de guerrilha permanentes.
Face a este cenário, a chegada do contingente dos militares da MONUSCO está a ser vista, tanto pelas populações locais como pelos países mais atentos a este conflito, incluindo Angola, como uma oportunidade para resolver o problema do Kasai, não só porque a presença dos "capacetes azuis" aumenta a capacidade de dissuasão militar mas também porque isso permite ter um novo mediador para eventuais negociações de paz.
Segundo os media congoleses, as populações manifestaram de imediato o seu contentamento quando, este fim-de-semana, os soldados da ONU começaram a chegar ao Kasai, distribuindo-se por diversas localidades a partir de Tshimbulo, uma das áreas mais afectadas pela violência.
A acompanhar este contingente das Nações Unidas estão o comandante-adjunto da MONUSCO, o general Bernard Commins, e o enviado especial do Secretário-Geral da ONU, António Guterres à RDC, David Gressly.
Com este acrescento de homens armados na região, a esperança agora é que isso permita reduzir o fluxo de deslocados internos e de refugiados na Lunda Norte, bem como afastar o perigo de dispersão do conflito para outras áreas, nomeadamente para território angolano, como os ministros da Defesa Da Região dos Grandes Lagos (CIRGL), reunidos em Luanda na semana passada admitiram que temem vir a acontecer.
Isso mesmo disseram o ministro da Defesa angolano, João Lourenço, e o CEMGFAA, general Nunda, um dia antes, quando foi discutido o melindroso problema da RDC no âmbito da Organização dos Países da Região dos Grandes Lagos, que é presidida pelo Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos.
Por outro lado, a comunidade internacional receia ainda que este conflito no Kasai, que não dá mostras de ser atenuado, e outros em curso no país vizinho, como nos Kivu, Norte e Sul, possam levar a que as eleições marcadas para este ano sejam, mais uma vez, adiadas, por não ser possível completar o registo eleitoral.
Nesse caso, a ameaça de um conflito generalizado na RDC é mais que possível, é quase uma certeza porque foi isso mesmo que as forças da oposição ao Presidente Kabila prometeram fazer se este, mesmo ficando um ano para lá do prazo legal do seu mandato no poder, não conseguir levar o país a eleições.
E é preciso ter em conta que antes do acordo de São Silvestre, assinado a 31 de Dezembro último, em diversas manifestações seguidas de confrontos, morreram centenas de pessoas nas ruas de Kinshasa porque Kabila foi adiando o processo eleitoral que devia ter sido concluído no final de 2016.
É neste contexto que o comandante Commins, da MONUSCO, defendeu, no Kasai, que os "capacetes azuis" trabalhem em proximidade com as FARDC por forma a evitar o surgimento de mais um beco sem saída violento num país já atafulhado em situações que parecem não ter fim à vista, como o prova a questão da permanente guerrilha no Leste da RDC, pelo menos desde a década de 1990, através das acções criminosas das guerrilhas estrangeiras do Ruanda (FDLR), do Uganda (ADF) ou ainda do movimento M 23, um dos mais violentos do país e em todo o continente africano.
E isto quando as condições criadas na Lunda Norte para acolher os refugiados do Kasai estão a rebentar pelas costuras, como o confirmam os vários relatórios das organizações da ONU presentes no terreno, faltando condições médicas, sanitárias, alimentares...