As sociais-democracias do Norte da Europa foram um bom exemplo dessa estratégia, fazendo com que os países nórdicos surgissem sistematicamente nos melhores lugares do mundo, no que diz respeito aos direitos e regalias de quem produzia, de quem trabalhava.

Por outro lado, a carga fiscal sobre as grandes fortunas era muito grande, o que permitia reduzir consideravelmente o fosso entre ricos e pobres.

Quando, a partir de 2011, os espaços político-partidários, no sentido estrito do termo, foram também afectados por uma crise que se anunciava como de carácter económico (como se fosse possível separar as duas vertentes), integrantes de movimentos sociais que uniam pessoas de praticamente todos os extractos sociais - à excepção da alta burguesia, é bom de ver... - na Europa, mas também na Ásia e na América do Sul, começaram a surgir organizados em movimentos de protesto, os chamados indignados.

Era a reacção possível a uma geração de (falsos) políticos que empurravam para os economistas a solução dos graves problemas que então ganhavam corpo. Duas ou três gerações de políticos que há muitos anos prestavam vassalagem ao grande capital, e não eram mais do que instrumentos do poder financeiro, inventaram então a doutrina de "não haver alternativa".

Hans Magnus Enzensberger, poeta, ensaísta e tradutor alemão, considerado por muitos o maior poeta vivo na sua língua, respondeu então a esta teoria diabólica criada nos laboratórios da alta finança mundial: "É um insulto à razão, pois é o mesmo que proibir-nos de pensar. Não é um argumento, é uma capitulação", lembra Daniel Innerarity, no seu livro A Política e os seus Inimigos.

Um dos resultados dos movimentos sociais que então encheram as ruas de inúmeras capitais, sem dúvida o principal, foi a visibilidade dada às vítimas e aos resultados dessa teoria da inevitabilidade, que lançou milhões de pessoas no desemprego, no subemprego, pondo a nu o carácter político, social, cultural e moral da crise e dos seus principais responsáveis.

Recorremos de novo a Daniel Innerarity: "A pretensão de explicar a política tem de fazer frente a das possíveis objecções. Em primeiro lugar, não restabelece uma relação de verticalidade, como se houvesse quem soubesse e quem não soubesse destes temas... E em segundo lugar [...] só quem percebeu bem a sua lógica e tem consciência daquilo que a política está em condições de nos proporcionar consegue evitar as falsas expectativas e, ao mesmo tempo, formular as suas críticas com toda a radicalidade."

O exercício da actividade política, com raras e honrosas excepções depois de desaparecidos os principais líderes a nível mundial saídos da guerra de 1939-1945, alicerçou-se no conceito da racionalização, afastando o mais possível as emoções e os sentimentos. O impessoal, uma suposta objectividade e a distância entre governantes e governados tornaram-se a chave mestra de um sistema que subalterniza a inteligência, o conhecimento, mas também conceitos básicos da vida humana. Acções e reacções. Grandezas e misérias. Lágrimas e sorrisos.

Um político não pode ser um ser impessoal, cópia de um burocrata comum, que da vida apenas ficou a saber despachar, carimbar e assinar papéis. Num sistema verdadeiramente democrático, não há especialistas indiscutíveis. Não há regras e deveres para uns e direitos e benesses para outros. Não pode haver uma distância fria, quilométrica e deliberada entre quem foi eleito e quem elegeu. É verdade que o conceito de política que nos acompanhou durante séculos se diluiu em grande medida nas formas contemporâneas que nos acompanham desde a mudança de século: o tempo aumentou a sua velocidade, e desde as redes sociais até aos instrumentos financeiros, tudo acabou por alterar um padrão do exercício da política que conhecíamos e com o qual convivíamos todos, independentemente das concepções ideológicas. Mas tal não significa que se deitem fora princípios, valores e a defesa permanente dos mais desprotegidos.