Sabalito, de 13 anos, fez as honras da casa, convidando a transpor a porta de ferro e seguir no estreito quintal com configuração da letra L, dois passos depois estavam todos sentados, bem à porta que dá para a sala do "Ti Bondoso". Não era dia de ensaios, aliás, nunca houve esse dia...Era um dia normal para jogar conversas fora, ao invés da bola. É um cenário quase habitué, já que três membros do grupo vivem na humilde casa do ti Bondoso, são filhos adoptivos: "Jaime" Dinis Paulo, de 12 anos, Daniel Ngunha Cassanda, John Mário "Canadense" (17), Jailson Bernardo "Gilson", Dionísia e Vitinho, de 11 anos. Ao todo, são sete rapazes com talento de 150, aceitaram o espinhoso desafio de driblar a delinquência no bairro, explorando a arte da representação. É que, no Banga-ué, à semelhança de outros subúrbios de Luanda, já de pequeno se torcem papéis, lutando em grupos, empunhando espadas feitas de papel, nalguns casos em companhia de paus, esses utensílios evoluem para armas.
No coração dessa circunscrição, bem ao nariz do histórico Forte de São Pedro da Barra, evoluiu um campo de batalhas, um largo cercado por algumas vendedeiras aos pingos, com peixe, coxas, fuba, legumes, óleo, tudo canjonjado, para satisfazer as famílias desenrascas. No campo de batalhas, os gangues revezam-se em rixas, empunhando lâminas de vária ordem: catanas, facas, varões pontiagudos. São episódios de quase todos os dias, com audiência garantida de crianças e adultos, que os têm como referência obrigatória, na falta de outras ocupações e actividades. "Há miúdos bem pequenos a lutarem assim. Eles brincam com papelão, mas... vêem os mais velhos lutarem com garrafa e catana. Crianças brincam com papelão. Vão crescendo assim", situa Bondoso. É um coliseu naquela parcela do Sambizanga, do qual estão todos os bairristas condenados a assistir. Com raríssima excepção, atrás desse largo, o jovem Anderson Domingos, mais conhecido por Bondoso, atiçava a criatividade num pequeno quarto, assistindo a outros gladiadores, os de Hollywood. Enquanto lá fora os grupos de marginais intensificavam hostilidades, Bondoso procurava formas de desviar as atenções das crianças desse ambiente hostil. Foi assim que, em 2021, por altura da Covid-19, surgiu a ideia de satirizar o filme "300". Reuniu alguns meninos do bairro e formou "Os 150", precisamente a metade do número do título do filme que gira em torno do Rei Leónidas. Os rapazes usavam escudos e espadas de papel. Vicissitudes da vida, entretanto, levaram-no a interromper o projecto no mesmo ano. Teve de se casar e organizar a vida.
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