A necessidade de redução dos subsídios aos preços dos combustíveis e às tarifas de água e de electricidade encontra consenso na sociedade, por serem indiscriminados em relação aos beneficiários e terem um grande peso na despesa pública, que a torna insustentável para o Tesouro Nacional. Entre 2022 e 2024, a despesa orçamental com os subsídios terá atingido uma média anual equivalente a cerca 3,7 mil milhões de dólares americanos, sendo que mais de 80% desse montante foram subsídios aos preços dos combustíveis. E, por incapacidade de tesouraria, o Tesouro Nacional não tem entregue os montantes devidos à SONANGOL a título dos subsídios, compensando-os com os impostos devidos pela companhia. Mas, como o montante anual dos subsídios excede o dos impostos da companhia, no final do exercício de 2024, o Tesouro Nacional tinha uma dívida acumulada à SONANGOL equivalente a cerca de 3,3 mil milhões de dólares americanos. E a proporção média dos subsídios em relação ao preço de mercado era, no final de 2023, de cerca de 76%, sendo que ela tende a aumentar com o aumento do preço do petróleo bruto no mercado internacional e com a depreciação da taxa de câmbio, pois o preço do petróleo bruto é fixado no mercado internacional e o seu fornecimento às refinarias domésticas constitui alternativa à exportação.
Então, a remoção dos subsídios generalizados a preços e tarifas é um imperativo de racionalização da despesa pública que não decorre, necessariamente, de uma exigência do FMI, como é entendimento de muitos. Por outro lado, pelo facto do Tesouro Nacional acumular dívidas a SONANGOL pelos valores dos subsídios que excedem os impostos desta, a mera redução dos subsídios resulta apenas na redução da dívida a acumular pelo Tesouro Nacional junto da SONANGOL, não havendo, como se pensa, libertação de liquidez para a cobertura de outras despesas.
Como compreender, então, a onda de protestos que os recentes aumentos de preços e tarifas suscitou, se a remoção dos subsídios generalizados encontra consenso na sociedade?
É que, avaliado pelo Índice de Preços no Consumidor Nacional do Instituto Nacional de Estatística de Angola, a 30/06/2025, os consumidores em Angola acumulavam uma perda do poder de compra dos seus rendimentos, reportados a 31/12/2021, de cerca de 47%. Então, os recentes aumentos de preço e tarifas - com o aumento do preço do gasóleo em 33,33% a repercutir-se no aumento transversal dos preços dos bens de consumo, consequência do aumento dos custos de transportação e da produção agrícola e pesqueira -, ao que se associa o aumento da tarifa de referência dos táxi colectivo (50%), assim como a autorização para o aumento das propinas escolares no ano lectivo 2025/26 (20,74%), acentua tal perda do poder de compra. No actual contexto de instabilidade macroeconómica, isso pressupõe um contínuo agravamento do custo de vida, sendo que da prioridade "mais rendimento" do Executivo - outra das quatro eleitas no OGE 2025 -, com base na qual foram aumentadas as remunerações da função pública em 25%, o seu efeito é tão só a atenuação da perda do poder de compra dos funcionários públicos, entre 31/12/2021 e 31/12/2025, de 51% para 38%.
E é de notar que, antes dos ajustamentos recentes, em Junho de 2023, o preço da gasolina foi aumentado em 87,5% (de 160 para 300Kz/l), tendo na ocasião os taxistas, moto-taxistas, transportes colectivos urbanos e inter-municipais, operadores agrícolas e pesqueiros com equipamento a gasolina continuando a beneficiar do mesmo nível de subsídios por meio de créditos compensatórios concedido em cartões de débito Multicaixa. Estes, contudo, foram abolidos em Maio de 2024 e muitos dos potenciais beneficiários não chegaram a usufruir deles, por causa de uma gestão desastrada da atribuição dos cartões. Já o preço do gasóleo sofreu aumentos de cerca de 48,15% (de 135 para 200Kz), em Abril de 2024, e de 50% (de 200 para 300Kz), em Março de 2025. Hoje o preço do gasóleo (400Kz/l) supera o da gasolina (300Kz/l).
Percebe-se, então, que o processo de remoção dos subsídios que o Executivo vem conduzindo - sobretudo no que aos preços dos combustíveis diz respeito - mostra-se algo atabalhoado, não se conhecendo o calendário para a eliminação dos subsídios generalizados, nem se sabendo sobre os níveis de subsidiação que se objectiva para os serviços públicos e para as actividades económicas. De resto, sendo a medida implementada num contexto de instabilidade macroeconómica, ela tende a redundar mais em degradação do nível de vida da população - com o consequente desgaste político do Executivo - do que na realização dos objectivos perseguidos, pois os ganhos revertem-se rapidamente por efeito da depreciação da taxa de câmbio.
Deste modo, torna-se exigível que a eliminação dos subsídios generalizados aos preços e tarifas se baseie num processo estruturado, abrangente, consistente, sustentável e com as acções calendarizadas, contemplando vários aspectos.
Do ponto de vista da Constituição e da lei, incumbe ao Estado assegurar a concretização progressiva, de acordo com os recursos disponíveis, dos direitos económicos, sociais e culturais (DESC) dos cidadãos, ainda que nos seus níveis mínimos. Então, porque o nível de preços afecta o poder de compra das famílias e, consequentemente, o seu nível de vida, a regulação de preços dos bens e serviços, no que respeita à sujeição dos mesmos aos regimes de preços fixados e vigiados, deve estar vinculado às políticas sociais. Deste modo, os bens e serviços a considerar devem ser os que contribuam para a equidade e, consequentemente, para a efectivação dos DESC. Neste caso, os serviços de educação, de saúde, de água, de electricidade, de limpeza e saneamento, de transportes públicos colectivos, assim como os medicamentos e a habitação são elegíveis.
Por outro lado, há a considerar que os regimes de preços fixados e vigiados foram definidos pelo Executivo por meio de um Decreto Presidencial, o qual estabeleceu as "Bases Gerais para a Organização do Sistema Nacional de Preços" (BGOSNP), com fundamento na disposição da alínea m) do artigo 120.º da Constituição da República de Angola (CRA), que, entretanto, se reporta à elaboração de "regulamentos necessários à boa execução das leis". Contudo, a fixação do preço de um bem ou serviço pelo Executivo ou o estabelecimento de um limite máximo para a sua variação interfere na liberdade económica definida na CRA (cf. no n.º 1 do artigo 89.º), assim como constitui intervenção do Estado na Economia que a CRA dispõe que deve ser regulada por lei (n.º 2 do artigo 89.º). Então é exigível que se reponha a constitucionalidade, com o estabelecimento das BGOSNP por meio de lei.
Mas o Executivo nunca observou várias das disposições das referidas BGOSNP que aprovou, nomeadamente: o Conselho Nacional de Preços, órgão de consulta da Autoridade de Preços (Ministro das Finanças), não funciona; a regulamentação da formação dos preços dos serviços no regime de preços vigiados, sustentada por estudos por áreas de especialidade e que foi deixada para diplomas específicos, nunca foi emitida; e não têm sido publicados, trimestralmente, para os bens e serviços do regime de preços vigiados, os correspondentes preços de referência e seus limites máximos variação.
Outro aspecto que deve merecer atenção é a clarificação do regime de preços das actividades de refinação, importação, distribuição e comercialização dos derivados do petróleo e gás. Isso porque, pelo Decreto Executivo n.º 256/20 (emitido a coberto do Decreto Presidencial n.º 206/119, a gasolina e o gasóleo se enquadram no regime de preços livres; já pelo Decreto Presidencial n.º 283/20, de 27/10, o Ministro das Finanças é competente para a definição do regime de preços aplicável àquelas actividades (cf. o artigo 4.º), como também são competentes os Ministros das Finanças e dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás para fixarem, alterarem e publicarem os preços dos produtos derivados do petróleo bruto e do gás natural. (cf. o artigo 9.º).
Posto isto, o processo de eliminação dos subsídios generalizados deve contemplar a eleição dos segmentos da sociedade que devam continuar a beneficiar dos subsídios, assim como a definição da proporção de tais subsídios para cada um deles. Em relação aos preços dos combustíveis, os beneficiários dos subsídios deveriam ser os usuários do transporte público, os transportadores de mercadorias, os operadores agrícolas e os operadores pesqueiros. Quanto às tarifas de água e electricidade, estando os consumidores segmentados em domésticos e comerciais, para cada um dos segmentos deveria estabelecer-se uma tarifa protegida para um nível máximo de consumo - eventualmente subsidiada, mas não necessariamente -, a partir do qual seria aplicada uma tarifa livre, competitiva, que excluísse eventuais custos de ineficiência dos operadores. Haveria depois que se calendarizar a implementação das medidas, mas a alteração dos preços e tarifas em si deveria ser precedida do alcance da estabilidade macroeconómica, enquanto factor de protecção do poder de compra dos rendimentos nominais. Mas a agenda da governação deve ter também no horizonte, na prossecução da efectivação dos DESC dos cidadãos, a eliminação de crianças e adolescentes fora do sistema de ensino, a cobertura universal dos cuidados de saúde primários, a garantia de um rendimento mínimo às famílias e o alcance de um nível de crescimento económico capaz de reverter o quadro de um elevado nível de desemprego que o País regista.
*Economista