Depois de um relatório divulgado pelo Fórum Económico Mundial (FEM), a organização por detrás deste momento anual, onde são expostos os imensos riscos que esperam a Humanidade ao longo de 2023 (que pode ler aqui), também o economista Nouriel Roubini voltou a "lançar os búzios" e o que viu, e escreveu no seu mais recente livro, "Mega-Riscos", é de levar as mãos à cabeça.

Isto, porque Roubini, apesar de preferir ser conhecido pelos seus alertas, ganhou estatuto de "Senhor Catástrofe" depois de ter acertado em cheio ao antecipar a crise nos EUA que ficou conhecida por "subprime", em 2008, e que acabou por inundar o mundo, diz agora que está no horizonte a tempestade perfeita com inflação crescente, ruptura nas cadeias de abastecimento e recessão a prazo, levando a economia global para a estagflação, o pior dos pesadelos de todos os governos porque, em síntese, implica que a economia de um país, ou do mundo, se debate, em simultâneo com um contexto de inflação, a estagnação no desenvolvimento económico e com o aumento do desemprego.

Para 2023, as expectativas não são as melhores, adverte o relatório do Fórum Económico Mundial (FEM), a partir de Genebra, na Suíça, destacando problemas maiores no custo de vida em todo o mundo e consequências potencialmente dramáticas para os países com os maiores encargos com a dívida.

Em cenário de fundo para o "pesadelo" que, segundo estas análises, vai ser 2023 e, provavelmente, 2024, estão a, aparentemente, infindável guerra na Ucrânia, depois de três anos marcados a ferro e fogo pela pandemia da Covid-19, e ainda com os efeitos devastadores, ao longe, da crise de 2008, e, para os petrodependentes, ou, mais lato senso, commoditiesdependentes, como é Angola e a esmagadora maioria dos países africanos, a crise de 2014, gerada com a baixa subida dos preços das suas exportações.

E é isso mesmo que Davos vai reflectir a partir desta segunda-feira, até 20, sexta-feira, com os decisores do mundo a começarem a chegar àquela estância turística da Suíça, sabendo todos de antemão que, mesmo que as previsões "esotéricas" de Roubini não se concretizem totalmente, nada será fácil, porque algumas certezas estão... certas.

Desde logo a inflação e a recessão não precisam que se lancem as cartas do Tarot para serem dadas como garantidas, pelo menos nas maiores economias ocidentais, e o aperto no fornecimento de energia é já um facto, depois de o ocidente ter disparado quase uma dezena de pacotes de pesadas sanções contra a Rússia por ter invadido a Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022, o país com mais castigos económicos ao mesmo tempo no pós II GM.

Curiosamente, olhando para a agenda do Fórum de Davos deste ano, os temas principais são os mesmos, desde logo a guerra na Ucrânia, agora já não porque, como em Maio de 2022, estava em cima da mesa a incerteza, agora é a certeza de que a economia foi abalada até à sua raiz, com a disrupção do acesso a energia barata por parte da Europa ocidental que agora vai ter de adquirir gás e crude noutras paragens, muito mais caro, pondo em risco a base de sustentação do seu forte desenvolvimento nas últimas décadas.

Mas a economia bruta não é o único tema, também as velhinhas questões ambientais, e, para isso, está garantida a presença de activistas ambientais, sociais bem como as crises geopolíticas, juntam outros protagonistas aos "artistas da economia e da política, incluindo militares, porque o mundo nunca esteve tão perto de um conjunto simultâneo de riscos que podem levar ao colapso da Humanidade tal como a conhecemos.

Isso mesmo veio já dizer ao mundo o fundador do Fórum Económico Mundial (FEM) em 1971, Klaus Schwab, sublinhando que os riscos ambientais, sociais e geopolíticos convergem agora como nunca criando "um futuro extremamente versátil e incerto", defendendo que, para sair desta "armadilha", os lideres mundiais devem perceber rapidamente que é preciso redesenhar a forma como se olha para as soluções.

Até porque os mais vergastados pelo conjunto de riscos em parada é mesmo a África subsaariana, onde, à medida que se impuser o rasto nefasto desta "tempestade global", aumentarão, como o próprio Banco Mundial alertou já, os distúrbios sociais e a pobreza vai disparar numa região onde esta já atinge níveis estratosféricos e onde estão 60% dos extremamente pobres do mundo.

Quem está e quem não estará - O recado de Ramaphosa

Para este encontro que vai desta segunda-feira, 16, até 19 deste mês, sexta-feira, e tem como tema "A cooperação num mundo fragmentado", são esperados 50 Chefes de Estado e de Governo, dos quais apenas quatro africanos, Os Presidentes da República Democráica do Congo, Félix Tshisekwedi, e da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, e Aziz Akhannouch, primeiro-ministro de Marrocos, e Najla Bouden, primeiro-ministro da Tunísia.

Ciryl Ramaphosa, o Presidente da África do Sul, era esperado em Davos, mas fez saber que não vai estar presente porque, curiosamente, naquilo que parece mesmo um recado enviado directamente para o centro da mesa dos lideres mundiais, está ocupado com uma grave crise energética no seu país.

Entre os nomes mais sonantes que garantiram a presença, estão os de OLaf Scholz, o chanceler alemão, o da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cuja prioridade tem sido, no último ano, arregimentar armas e dinheiro para a Ucrânia, ou ainda os Presidentes da Colombia, Gustavo Petro, da Coreia do Sul, Yoon Yeol, ou das Filipinas, Ferdinand Marcus Jr, sendo que os EUA vai o enviado especial da Casa Branca para o clima, John Kerry, estado arredada a participação de qualquer enviado de Moscovo.

Alguns analistas consideram que este "meeting" tem contido no seu ADN o risco de vir a servir apenas para agregar o mundo ocidental e os aliados do resto do mundo contra a Rússia, como é disso indício o facto de a Casa da Rússia, onde Moscovo promovia as suas iniciativas nestes momentos, foi encerrada e rebaptizada de "Casa dos Crimes de Guerra da Rússia".

Esses mesmos analistas apontam para a possibilidade deste afastamento de Moscovo e da atitude agreste de rebaptizar a sua "Casa" em Davos, levar a um distanciamento ainda maior de uma possibilidade de acabar com o conflito através de um processo negocial, para o qual os países ocidentais, que garantem a subsistência de Kiev em matéria de armamento e e financiamento, são fundamentais.

De que riscos fala o Relatório do FEM?

Para 2023, as expectativas não são as melhores, adverte o relatório do Fórum Económico Mundial (FEM), a partir de Genebra, na Suíça, destacando problemas maiores no custo de vida em todo o mundo e consequências potencialmente dramáticas para os países com os maiores encargos com a dívida, não sendo de afastar um exponencial aumento da instabilidade social em dezenas de países.

No relatório tornado público na semana passada é ainda sublinhado que o mundo vai experienciar dificuldades a partir do previsível colapso parcial dos sistemas globais ou locais de abastecimento energéticos e alimentares.

Estes alertas que o FEM já lança há 17 anos têm como objectivo chamar a atenção para as interconexões da economia mundial e a sua preponderância nos riscos de expansão planetária que resultam de conflitos, tensões geo-económicas ou outros, procurado antecipar o seu surgimento de forma a criar mecanismos de resposta mais adequados.

O documento enviado ao Novo Jornal sublinha o facto de os potenciais riscos actuais terem um impacto fortemente negativo, desde logo os que têm o seu húmus na guerra da Ucrânia, em prioridades para a Humanidade.

Nesse âmbito, os autores do relatório destacam o combate às alterações climáticas e a transição energética, a única via que ainda pode reduzir o processo galopante de degenerescência ambiental que o mundo vive por estes dias e que parece estar a ser esquecido pelos lideres das grandes potenciais enquanto os povos dos países mais frágeis, como os africanos, sofrem a maior parte das consequências.

Mas também chamam a atenção para a redução dos esforços nacionais para inverter o défice de investimento no capital humano que resultam de fenómenos sérios como a pandemia ou a guerra no leste europeu, que deram asas à inflação gigantesca que ameaça as maiores economias do mundo com uma recessão, já certa na Alemanha e quase nos EUA, por exemplo, além da crise energética, alimentar e de segurança.

E é feita uma chamada de atenção ruidosa para o facto de a janela de oportunidade para a acção na resposta a estes graves desafios de longo-termo que a Humanidade enfrenta, estar a fechar-se rapidamente, exigindo-se uma resposta conjunta urgente antes que se chegue a um ponto de não retorno, que nunca este tão próximo como nos dias de hoje.

Estes recados não devem ser vistos com ligeireza, não só porque corroboram quase tudo o que tem vindo a ser dito por diversas organizações internacionais, incluindo a ONU, mas também porque o seu conteúdo, elaborado numa parceria entre a Marsh McLennan e o Zurich Insurance Group, envolveu a audição de 1.200 especialistas em risco globa, políticos e homens de negócios.

Pode ainda ser interpretado a partir deste documento uma chamada de atenção para o facto de, também ao nível dos Governos, existirem ameaças sérias à estabilidade social e à segurança no rasto das crescentes dificuldades de sobrevivência com o aumento do custo de vida e às rupturas nas cadeias de abastecimento.

Fica um aviso claro "Ou o mundo começa a cooperar de forma mais eficaz na resposta aos desafios climáticos nos próximos 10 anos ou a inércia conduzirá ao colapso ecológico e à aceleração letal do aquecimento global".

Em síntese feita pela directora-geral do FEM, Saadia Zahidi, o desenvolvimento ambiental e humano "tem de estar no centro das atenções dos lideres mundiais para acrescentar resiliência contra os futuros e esperados choques", que vão da eminente catástrofe ambiental, aos tumultuosos tempos na economia mundial ao virar da esquina, passando pelo potencial de deflagração de conflitos que é crescente, entre outros.