Assim que se soube do ataque ao consulado iraniano em Damasco ficou claro que isso aproximaria ainda mais o Irão e Israel, as duas grandes potências militares do gigantesco barril de pólvora que é o Médio Oriente, de um confronto aberto, mas o pior viria pouco depois.

Entre os 11 mortos registados pela Embaixada iraniana na capital síria no ataque israelita ao seu consulado estão alguns generais de primeira linha da Guarda Revolucionária do Irão (Quds), o corpo militar de elite em Teerão, o que gera sempre forte comoção nos corredores do poder.

E é assim tanto que o próprio Presidente do país, Ebrahim Raisi, veio a público ameaçar Telavive com uma resposta avassaladora, considerando que se tratou de um ataque cobarde e desumano contra todas as regras da lei internacional.

Raisi definiu este ataque do "regime sionista" como um "assassinato cego", garantindo que o cobarde assassinato dos generais Mohammad Reza Zahedi, um comandante sénior das forças Quds, e o seu adjunto, o general Mohammad Hadi Hajriahimi não passará sem resposta adequada.

As ameaças do Irão contra Israel repetem-se sempre que Telavive executa dirigentes das forças armadas persas, tendo atingido o ponto de ferro em brasa em 2020, quando um drone norte-americano matou o comandante máximo da Quds e herói nacional, o general Qassem Soleimani.

A resposta do Irão a estes episódios dramáticos para o orgulho nacional surge, quase sempre, por intermédio dos seus "proxys", como os Houthis, rebeldes do Iémen que Teerão financia e comanda, ou o Hezbollah, uma poderosa força xiita concentrada entre a Síria e o Líbano.

Para as próximas horas é de esperar um recrudescer dos ataques Houthis aos navios e petroleiros ocidentais que atravessem o Mar Vermelho de ou para o Canal do Suez, e o Hezbollah não deve falhar no aumento dos ataques a posições israelitas no norte do país, na fronteira israelo-libanesa.

Mas, até hoje, nunca aconteceu uma reacção directa do Irão contra Israel, que é o que o mundo mais teme, e que volta a gerar um controlado pânico nas chancelarias mundiais, menos frenéticas que os mercados petrolíferos, que abanam sempre mais que tudo o resto à volta.

E não é para menos, porque uma guerra aberta entre Irão e Israel não deixaria um poço de crude a funcionar na região que responde por quase 35% do petróleo consumido em todo o mundo, com ligeiras variações anuais.

E tanto é assim que o barril de Brent abriu na manhã desta terça-feira, 02, a passar em alta os 88 USD, marcando 88,66 USD perto das 09:40, hora de Luanda, mais 1,42% que no fecho de segunda-feira, 01, estando claramente em rtimo de subida, esperando-se que ainda hoje atinja os 90 USD.

Apesar de um conflito regional israelo-iraniano ser, mesmo que enquanto afastada possibilidade, razão que baste para incendiar os mercados, estes já estavam em palha seca com as notícias de segunda-feira sobre as economias dos EUA e da China, os dois maiores consumidores mundiais, onde a matéria-prima deve observar maior procura no segundo trimestre de 2024.

Os os grandes oráculos do negócio petrolífero já andam a anunciar esta escalada há muito tempo, como pode rever aqui, mas não é todos os dias que se vê a "tempestade perfeita" à frente dos nossos olhos.

Pode não ser ainda a tempestade do século, mas as ventanias da economia dos dois gigantes planetários, China e EUA a cruzarem-se com as chuvadas das tensões político-militares no Médio Oriente, pode muito bem evoluir para um fenómeno meteo-económico raramente visto.

É que se o Irão, aliado vital da Rússia, e Israel, principal aliado dos EUA no mundo, são as duas grandes potências militares do Médio Oriente, a China é a segunda maior economia do globo e o maior importador de energia, enquanto os EUA, a maior economia e maior produtor, são o segundo maior consumidor da matéria-prima.

Como refere a Reuters, para já, enquanto se aguarda para ver como evolui o ranger de dentes israelo-iraniano, da China chega a informação de que, em Março, a produção fabril cresceu pela primeira vez em mais de meio ano e nos EUA, igualmente pela primeira vez em ano e meio, a produção cresceu, o que se traduz em mais consumo de petróleo.

Calma, que não é tudo, porque ainda há mais lenha para esta fogueira: já amanhã, quarta-feira, 03, os membros da OPEP+, os 12 Países Exportadores (OPEP) + a Rússia e outros nove desalinhados, reúnem para analisar os mercados e, segundo as agências, confirmar-se-á a extensão dos actuais cortes para lá de Junho.

Recorde-se que a OPEP+ responde por quase 45% do petróleo extraído diariamente em todo o mundo, que é actualmente cerca de 103 milhões de barris por dia (mbpd) - só russos e sauditas podem facilmente chegar aos 20 mbpd - e tem em curso um programa que retira artificialmente de circulação perto de 3,7 mbpd, incluindo 1,5 mbpd que Moscovo e Riade assumem à margem dos acordos do "cartel", que é de 2,2 mbpd.

Visto de Angola

Apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 88 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.