A OPEP+, "cartel" que junta, desde 2017, os 13 membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e um grupo de 10 produtores não-alinhados, liderados pela Rússia, volta a juntar-se por videoconferência quarta e quinta-feira desta semana para "retocar" o plano de cortes na produção activo desde Março do ano passado e criado para esbater os efeitos da crise na procura gerados pela pandemia da Covid-19.
A antecipação dos analistas de que a OPEP+ vai aumentar a produção, por pressão da Rússia, que lidera este "cartel" em conjunto com a Arábia Saudita, dois dos maiores produtores mundiais, foi de efeito imediato no valor do barril, com descidas substanciais de segunda-feira para hoje, terça-feira, 02 de Março, estando, perto das 10:00 de Luanda, a valer 63,07 USD, menos 1,05% que no fecho da sessão anterior.
Recorde-se que o barril tem estado a perder fôlego há cerca de uma semana, quando esteve a bater nos 67 USD, valores praticamente idênticos aos registados antes do surgimento, em Wuhan, China, da crise gerada pelo Sars CoV-2, quase em exclusivo sob a pressão dos resultados previstos para esta reunião da OPEP+.
No encontro dos próximos dois dias vão estar em cima da mesa duas forças de pressão com vontades diferentes: a Rússia, a puxar para o aumento da produção, e a Arábia Saudita, que historicamente defende a manutenção de cortes para garantir o valor elevado no barril, dependendo tudo do resultado do embate entre estes dois gigantes da produção e da exportação global da matéria-prima.
Historicamente, os sauditas preferem ver o barril com preço elevado mas menor oferta porque o seu breakeven é muito baixo, perto dos 7 USD, o que garante uma gigantesca margem de lucro em condições de apreciação do crude nos mercados; enquanto os russos tendem a preferir mais volume porque, historicamente, elaboram os seus orçamentos anuais de Estado com o barril nos 40 USD (valor de referência), o que leva à preferência pelo aumento do volume de vendas.
E, para já, se não voltar a suceder uma "guerra de preços" entre Moscovo e Riade, como sucedeu em Abril de 2020, no seio da OPEP+, que levou os sauditas a inundarem os mercados de crude barato para forçar os russos a aceitarem um acordo de redução da oferta - objectivo conseguido apesar do forte impacto negativo que o antecedeu -, o "cartel" deverá experimentar um aumento na produção que os analistas admitem poder ir até 500 mil barris por dia.
No entanto, as perdas no valor do barril podem ser mais graves, o que seria uma péssima notícia para Angola que, recorde-se, tem o seu OGE 2021 elaborado a partir de um valor de referência do barril de 39 USD, se os sauditas, ao mesmo tempo que aceitam aumentar a produção, põem termo à subtracção de 1 milhão de barris por dia (mbpd) que definiram para Fevereiro e Março, num esforço singular para ajudar à estratégia comum de enxugamento dos mercados.
Mas se assim suceder, já a partir de 01 de Abril, a verdade que virá à tona da realidade escondida pela mentira dos cortes na produção durante os anteriores dois meses, é que os mercados vão receber, provavelmente, entre mais 1,5 mbpd a 2 mbpd, dependendo do acrescento que ficar decidido na reunião dos próximos dois dias, podendo mesmo ser mais e chegar aos 2,5 mbpd.
Os analistas são peremptórios sobre o que sucederá se for essa a decisão do cartel. Com dois cenários mais prováveis em cima da mesa: A produção aumenta pouco e os sauditas não mexem no corte de 1 mbpd e os preços descem moderadamente, sendo decisivo o comportamento da pandemia e as campanhas de vacinação, ou os cortes são mais substanciais e os sauditas pôem fim ao corte à margem dos acordos, sendo evidente que nesse cenário, o barril perderá valor de forma severa nos próximos dias.
Como pano de fundo para estes possíveis cenários, aos quais se junta a reduzida possibilidade de o cartel optar por não mexer na situação vigente por mais dois ou mais meses, até ao Verão (Junho/Julho), por exemplo, o que daria um novo impulso ao valor da matéria-prima, está a evolução da Covid-19 e as fortes expectativas de que as campanhas de vacinação poderão acabar com os confinamentos e as limitações actuais, gerando um "boom" económico neste início de 2021.
Recorde-se que a OPEP+ mantém cortes superiores a 5 mbpd desde o primeiro trimestre de 2020 como resposta à crise pandémica, tendo começado nos 5,7 mbpd, depois sofreu um decréscimo para os 5,2 mbpd, estando, actualmente, somando o 1 mbpd exclusivamente saudita, acima dos 6 mbpd subtraídos à produção normal do grupo.
Esta realidade não está a ser sentida por igual em todos os membros da OPEP+
Por exemplo, Angola é um dos países que mais beneficia dos cortes e mais poderá ser prejudicado com o aumento da produção, porque a sua infra-estrutura produtiva está saturada devido aos desgaste gerado pela falta de investimento em pesquisa e manutenção, com a produção actual estacionada abaixo dos 1,3 mbpd e uma evidente incapacidade de a aumentar a breve prazo, pelo menos.
Ou seja, o potencial do País já esteve acima dos 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, mas a crise de 2014 deu início a uma perda de vigor da produção nacional, que foi diminuindo substancialmente desde então por causa do desinvestimento das "majors" na pesquisa e do envelhecimento dos poços activos.
Isto, apesar das alterações legislativas introduzidas pelo Executivo de João Lourenço, desde os incentivos fiscais à introdução mais recente de novas perspectivas para a exploração de crude e gás onshore, incluindo a polémica abertura às reservas e parques naturais.
Angola e o futuro breve
A produção actual está abaixo dos 1,3 mbpd e em constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção demora a arrancar para os patamares mais próximos daqueles que se viram no passado, especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.
Para já, com o barril acima dos 63 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 23 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
O alerta da Carbon Tracker
Um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.