Nessa declaração, Pam Bondi, a Procuradora-Geral norte-americana, defendeu que existe uma forte componente criminosa no regime de Caracas que permite todos os cenários, e Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, quase ao mesmo tempo, garantiu que o Presidente Donald Trump não descarta nenhuma possibilidade para defender os interesses nacionais contra o tráfico de drogas, o que prefigura uma ameaça militar para deitar a mão a Maduro.
Nos dias seguintes, este assunto foi esquecido pelos media internacionais, mas, dias depois, a 14 de Agosto, a mesma Pam Bondi, numa entrevista à Fox News, voltou à carga e afirmou que os EUA já tinham apreendido 700 milhões ao Presidente venezuelano fruto do tráfico.
A Procuradora-Geral, que nos EUA é um membro da Administração, considerou que entre as apreensões a Nicolas Maduro estão joias, mansões, aviões e carros de luxo, tudo bens tipicamente apreendidos a líderes de cartéis de narcotráfico.
"Isto é crime organizado que em nada difere da máfia ou dos cartéis mexicanos", apontava Bondi nessa mesma entrevista, que antecipava em poucos dias as primeiras notícias sólidas sobre a aproximação às costas da Venezuela uma forte Armada da Marinha dos EUA, composta por navios de desembarque, submarinos e uma dezena de navios de guerra.
Os media norte-americanos começaram por avançar com pelo menos 2 mil militares prontos para a acção e, já esta semana, as notícias começaram a apontar para a presença a bordo desta esquadra naval mais de 4 mil marines e depois, segundo The Miami Herald, pelo menos 4.500 tropas, incluindo um corpo expedicionário de perto de três mil marines.
Esta força naval, composta por navios de recolha de intelligentsia, submarinos capazes de um ataque para decapitar o poder em Caracas, fragatas e navios anfíbios de desembarque, segundo especialistas militares, não tem dimensão para tentar uma invasão a um país como a Venezuela mas tem tudo para proceder aos preparativos para essa possibilidade.
Enquanto isso, segundo os media venezuelanos, mais um destroyer com misseis guiados e um submarino especialmente desenhado para efectuar primeiros ataques, estão igualmente a navegar para a região.
Sabendo disso, o Governo de Caracas, como descreve a versão inglesa do espanhol El Pais, já fez deslocar para as áreas de costa, sem detalhar localizações, mas que os EUA visualizam facilmente através de satélites espiões e drones de grande altitude, baterias de costa, drones e navios de guerra.
O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino Lopez, anunciou já a deslocação de uma substancial quantidade de drones para a costa do país e o aumento do patrulhamento marítimo ao longo da costa caribenha do país para proteger as suas águas territoriais que ainda não foram trespassadas pelos navios dos Estados Unidos.
E o próprio Presidente Maduro, num discurso frenético, desafiou Trump a ir a Caracas prendê-lo e anunciou a deslocação de 4,5 milhões de milicianos pela linha de costa do país para dar as "boas vindas" aos "gringos".
O Golfo da Venezuela, tem uma variedade de portos especialmente desenhados para a exportação de crude, o que é natural sendo a Venezuela, tradicionalmente, um gigante da produção de petróleo, embora nas últimas décadas, devido às sanções dos EUA, esteja reduzida a uma quota insignificante de menos de 500 mil barris por dia.
Isto, apesar de ser o país detentor das maiores, e muito apetecíveis, reservas de petróleo do mundo, estimadas em mais de 300 mil milhões de barris.
Além das reservas de crude, a Venezuela é ainda parte de uma região estratégica do ponto de vista da sua localização para países como o Brasil, que já fez sentir, através do seu Presidente, Lula da Silva, o seu incómodo com este avanço dos EUA nos mares caribenhos, os próprios Estados Unidos, mas também para a China e para a Rússia, os dois mais poderosos aliados de Caracas.
E é precisamente aqui que esta crise ganha contornos planetários, considerando que o "apetite" de Washington pela Venezuela não é nem novo nem secreto, porque as tentativas de mudança de regime, com o patrocínio da candidaturas alternativas contra Maduro, protagonizadas por Juan Guaido, em 2019, e Edmundo Gonzalez, em 2024, foram financiadas e organizadas pelos norte-americanos e pelos seus aliados europeus, que ainda hoje não reconhecem o actual regime de Caracas.
Mas é precisamente devido à sua importância estratégica tanto geografica como economicamente que a China e a Rússia, segundo alguns media alternativos, fizeram deslocar para a Venezuela não apenas um continuado apoio financeiro ao regime de Maduro mas ainda equipamento militar sofisticado, incluindo sistemas de defesa anti-aérea, navios de guerra, lotes de milhares de drones e apoio essencial na área da formação e da intelligentsia...
Mas a questão, perante este cenário, que se impõe é: os EUA podem mesmo invadir a Venezuela?
Do ponto de vista militar, os EUA possuem capacidade mais que suficiente para derrubar o regime de Nicolas Maduro pela força, mas as implicações de um passo dessa magnitude seriam gigantescas e impossíveis de antecipar em concreto, nomeadamente a reacção do Brasil, da China e da Rússia, além dos restantes países latino-americanos pouco ou nada contentes com as políticas de Trump para a imigração, entre outras.
Citado pela RFI, Víctor Mijares, professor de estudos globais da Universidade dos Andes, na Colômbia, defende que o contingente enviado, de cerca de 4.000 marinheiros e fuzileiros navais, é pouco expressivo para uma invasão, retirando a abrasividade desse cenário em antecipação em muitos corredores.
Este especialista nota que se trata de uma deslocação naval importante mas do ponto de vista operacional não tem essa relevância.
Outros analistas, como se pode verificar lendo os media sul-americanos nestes dias, entendem, de forma geral, que o que Donald Trump está a fazer com esta deslocação de meios militares significativos é o mínimo para dar credibilidade a uma ameaça que visa afinal desfocar as atenções dos media internacionais e nacionais das suas crises e insucessos.
Para além do processo intrincado e sem desenvolvimentos na guerra da Ucrânia que diz querer acabar há largos meses, ou a questão do Médio Oriente, onde o seu aliado principal, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, é a cara do genocídio em Gaza com o patrocínio dos EUA, Donald Trump parece cada vez mais enterrado no escândalo de Jeffrey Epstein, o financeiro que se "suicidou" na cadeia em 2019, onde estava condenado por gerir um gigantesco esquema internacional de pedofilia e abuso sexual de menores, em cujos "ficheiros secretos" o nome do Presidente norte-americano alegadamente aparece em destaque.