Os mais de 4,6 mil milhões USD que o megaprojecto etíope, uma das maiores barragens do mundo e a maior em África, com uma potência instalada de 5,15 gigawatts (Lauca, a maior barragem angolana, produz menos de metade, 2,2 GW), tinha duas certezas iniciais, a de que vai garantir energia eléctrica a milhões de etíopes que nunca a tiveram em casa e gerar tensões caudalosas a jusante, porque a água do Nilo é a garantia de sobrevivência para mais de 80% da população egípcia e sudanesa e nem um nem outro país vão abdicar dela.
Erguida no Nilo Azul, o curso de água que, ao juntar-se, no Sudão, ao Nilo Branco, forma o majestoso Rio Nilo, que representa mais de 90% da água potável consumida anualmente no Egipto, esta barragem, a 7ª maior do mundo, está há anos a causar fricções graves entre os três países, levando a União Africana a tomar em mãos a mediação do problema que é considerado, actualmente, um dos maiores riscos de gerar conflitos no continente africano, como, de resto, os governos de Adis Abeba, Cairo e Cartum já o admitiram.
Nos últimos anos, os três países têm mantido negociações duras com a questão das garantias de manutenção de um caudal viável no Nilo Azul, rio que nasce no Lago Tana, na Etiópia, de forma a evitar que não ocorram alterações nos caudais a jusante, nomeadamente na formação do Rio Nilo quando àquele se junta, próximo de Cartum, o Nilo Branco, que nasce no Lago Victoria, na Tanzânia.
Este assunto ganhou foro de assunto de interesse global, foi já agendado pelo Sudão para ser debatido no Conselho de Segurança da ONU, depois de as partes terem admitido que a intermediação das União Africana colapsou, deixando um buraco relevante de incerteza sobre qual o comportamento dos respectivos governos.
E o perigo de choque letal entre Cartum, Adis Abeba e o Cairo aumentou quando, há dias, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, com as principais figuras do Estado, carregou no botão que ligou as turbinas que começaram a produzir energia eléctrica, embora ainda antes de a obra estar acabada, contrariando os conselhos dos outros dois países, que preferiam que esse momento tivesse lugar apenas depois de garantidos alguns pressupostos, como as quotas de caudal libertadas, por exemplo.
Apesar de ter garantido, na inauguração parcial do projecto, que a Etiópia não pretende prejudicar os vizinhos, Ahmed conseguiu irritar as capitais vizinhas de onde chegaram reacções adversas e a alertar para o que consideraram ser um episódio inflez neste assunto que se arrasta há largos anos.
O primeiro-ministro etíope, e Prémio Nobel da Paz de 2019, explicou que este projecto vai garantir energia eléctrica a 60% da população (de perto de 110 milhões de pessoas) do seu país que vivem actualmente "às escuras", sublinhando que a geração de electricidade não está a alterar o fluxo de água para o Sudão e para o Egipto, "contrariando os rumores de que este momento iria secar os países a jusante".
Mas isso de pouco valeu, porque Ahmed ouviu do ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto a acusação de que está, e consciente disso, a "violar o acordo preliminar assinado entre os três países" em 2015 que conste, em síntese, na garantia de que nenhum dos países iria avançar para tirar proveito da gigantesca represa ignorando os outros parceiros.
Esta barragem está localizada a escassos quilómetros da fronteira com o Sudão, tem 145 metros de altura, no ponto mais elevado do muro principal e começou agora a gerar 375 megawatts de energia, muito longe ainda dos 5,5 GW previstos na sua capacidade máxima.
No cerne deste problema, que vem num perigoso crescendo há anos, está a questão egípcia, que tem alertado para o facto de o Nilo não ser, para os seus 103 milhões de habitantes, apenas um rio, mas sim o fluxo vital para a sua sobrevivência sem o qual este país não teria sequer potencial de existir, porque dele dependem para a agricultura e para beber quase 90% da população, o que faz desta mega-estrutura uma ameaça à sua existência.
Já da parte do Sudão, com 44 milhões de habitantes, o problema é semelhante, mas em menor escala, visto que este país conta ainda com o caudal volumoso do Nilo Branco para se abastecer, embora o Nilo Azul seja essencial para as suas mais importantes barragens a partir das quais milhões de pessoas têm acesso a energia eléctrica.
Recorde-se que estes são dos três países com as maiores Forças Armadas do continente, sendo que todos eles têm um longo registo de conflitos, internos, como é o caso actual da Etiópia e do Sudão, ou mesmo regionais.