Ao perder a maioria absoluta que mantinha há 30 anos, o ANC virou-se para os partidos do seu antigo líder e ex-Presidente, Jacob Zuma, e para o seu antigo líder da ala juvenil, Julius Malema, cujos partidos arrebataram o 3º e 4º lugar nas eleições de 29 de Maio.

Percebendo a oportunidade para crescer entre os escombros do ANC, Zuma e Malema recusaram participar no governo de unidade nacional proposto pelo histórico partido, que passou de 54% em 2019 para 41% agora, uma hecatombe eleitoral.

Para ultrapassar este espartilho parlamentar, Ciryl Ramaphosa e o seu ANC viraram-se para a Aliança Democrática (AD) que, apesar de ter feito um longo percurso para afastar de si a sombra do antigo regime racista do apartheid, não deixa de ser o seu "herdeiro" natural.

Esta era uma aposta arriscada, porque, como foi possível perceber nos muitos artigos de opinião na imprensa sul-africana, se o ANC formasse um Governo apenas com a AD - que recusou entrar nesse acordo com o MK e os EFF -, estaria, na percepção geral, a aceitar que falhara no legado de Nelson Mandela com o regresso dos seus antigos "carcereiros" ao poder pela mão dos antigos prisioneiros.

A solução, depois de o MK de Zuma e os Combatentes da Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), de Malema, terem recusado integrar um governo alargado de unidade nacional, ao ANC restava apenas a AD, que se sabe estar disponível para aproveitar a oportunidade.

Alias, uma boa parte da sua campanha eleitoral, como se viu nos cartazes da campanha, foi bastante linkada ao sucesso da sua governação da província do Cabo Ocidental (Western Cape), e tem agora a possibilidade de, no Governo nacional, mostrar que pode fazer a diferença.

Todavia, uma coligação ANC/AD era impossível de aceitar pelo núcleo duro de Ramaphosa, precisamente porque está ciente de que se um Governo com essa composição fosse capaz de tirar a África do Sul do sufoco da inflação, do aperto do desemprego e da nódoa da corrupção, estaria a mostrar ao eleitorado que valeria a pena, nas próximas eleições, devolver o poder aos "brancos".

Naturalmente que a AD de John Steenhuisen está hoje muito longe do então Partido Nacional que governou o país de 1948 a 1994, sendo agora a sua direcção multirracial, o que permitiu a sua aceitação social alargada, mas na percepção popular este ainda é o herdeiro do antigo regime.

Para resolver o imbróglio, o ANC convidou todos os 17 partidos com assento parlamentar para um Governo de Unidade Nacional, mas as recusas do MK de Zuma e os EFF de Malema atrapalharam esta contabilidade.

Com a AD disponível, mesmo que ainda não formalmente, o ANC precisava de outro partido relevante, não apenas eleitoralmente mas com um húmus eleitoral negro para diluir o peso da AD no Executivo, e foi encontra-lo em Velenkosini Hlabisa, líder do Partido da Liberdade Inkatha (IFP), na foto, ao centro, onde está igualmente o lider da AD, John Steenhuisen,à direita, e ainda Ramaphosa, à esquerda..

Este partido é formado maioritariamente pela etnia Zulo, embora com um pequeno pormenor por detrás, que é o facto desta organização partidária ter emergido em 2019 de uma outra criada em 1975 por um antigo líder zulo do Kwazulo-Natal, no tempo do apartheid.

Face a esta adesão do IFP, o ANC está mais à-vontade para abrir as portas do poder à AD, diluindo o problema histórico, embora saiba que, ainda assim, vai contar com o fogo cerrado do MK e dos EFF, onde não faltarão acusações de "traição" aos valores do ANC e da luta contra o regime racista deposto em 1994.

O diluente para este problema será, como é sempre, a boa governação... e se o ANC e o seu governo de unidade nacional conseguirem tirar a África do Sul da degradação económica e social em que se encontra, então a questão racial será mera adjacência e, com o tempo, irrelevante.

Nas eleições de 29 de Maio o ANC obteve 40,18%, a AD 21,8% e o IFP, 3,5%, conseguindo assim uma folgada maioria parlamentar que permite lidar com a esperada forte oposição do MK e dos EFF, dois partidos de tendência radical na economia e nacionalistas étnicos por natureza.

O parlamento deverá eleger o Presidente da África do Sul, naturalmente Ciryl Ramaphosa avançará para o segundo mandato, esta sexta-feira, 14.