O primeiro aviso foi feito pelo ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, que falou duas vezes em 48 horas, ao telefone, com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, e com o ministro da Defesa britânico, Bem Wallace, e ainda com os seus homólogos francês e turco, sobre aquilo que Moscovo considera e diz ter provas, da preparação por parte da Ucrânia de uma bomba suja, que é a mistura de resíduos radioactivos, por exemplo, de uma central nuclear - existem seis no país - com explosivos convencionais.

Depois, tudo nos últimos quatro dias, foi o comandante-geral das Forças Armadas russas, o general Valery Gerasimov, que contactou, sob o mesmo pretexto, os seus homólogos norte-americano e britânico, chamando-os à atenção para os palnos ucranianos de fazer explodir uma bomba radioactiva com o intuito de acusar a Federação Russa de terrorismo nuclear.

E, por fim, o embaixador russo nas Nações Unidas, Vassily Nebenzia, escreveu ma carta com a descrição dos alegados planos ucranianos, primeiro ao Secretário-Geral, António Guterres, e depois aos membros do Conselho de Segurança, chamando-os à pedra para a urgência de agir face ao perigo real de o conflito no leste europeu poder ser conspurcado com um engenho explosivo de natureza proibida por todas as convenções e tratados internacionais Made in Kiev.

Moscovo agendou mesmo para esta terça-feira uma reunião de urgência do Conselho de Segurança com ponto único a discussão e apresentação de provas das alegações russas sobre a preparação de uma bomba suja por parte do regime ucraniano.

A resposta

Face a esta iniciativa diplomática russa, Kiev, pela primeira vez desde o início da guerra, pareceu estar a perder a iniciativa da comunicação - nunca foi desmentido que os ucranianos contam desde Fevereiro com o apoio de dezenas das melhores agências de comunicação ocidentais -, onde sempre, nos oito meses de guerra, "comemorados" na segunda-feira, levou a melhor sobre a, em comparação, inepta máquina de propaganda russa, reflectido que foi isso numa ligeira mudança de agulha no tom "partizan" dos media ocidentais, encostando Kiev às cordas face a essa ameaça "suja" que pareceu estar a ser levada a sério.

Mas rapidamente a "norma" voltou a ser reposta e, primeiro o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, saiu a terreiro a negar tal possibilidade, acusando isso sim a Rússia de estar a querer justificar uma escalada na guerra, porque é o único país neste conflito a possuir arsenal nuclear.

Mas, logo a seguir, com uma poderosa cobertura mediática, como se pode observar em, quase sem excepção, todo o panorama mediático ocidental, Lloyd Austin, o secretário da Defesa dos EUA, e depois o seu conterpart britânico, Bem Wallace, seguindo-se-lhes o chefe da NATO, Jens Stoltenberg, e os respectivos chefes da tutela francês e alemão, vieram a público não só negar quaisquer possibilidade de a Ucrânia poder estar a preparar o uso da tal bomba suja, como esse momento foi aproveitado para acusar Moscovo de querer, através desta "ficção", justificar uma escalada na guerra, reafirmando o apoio total e incondicional do Ocidente/NATO ao regime de Volodymyr Zelensky.

Apesar deste reajustado alinhamento do Ocidente com Kiev, o Kremlin, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov, voltou a insistir no risco, aconselhando a parte aliada dos ucranianos ocidental a considerar melhor a sua posição, porque a ameaça "é real e evidente" e advertiu que o facto de os aliados de Kiev "dizerem não acreditar nas alegações russas, isso não significa que deixem de ser verdade".

Face a este cenário, que tem como única diferença face ao que existia há uma semana, o facto de as linhas de comunicação dos países ocidentais com Moscovo terem sido "lubrificadas", ficou, como é natural, consolidada a abertura para conversar, visto que nenhum dos intervenientes recusou a chamada dos outros, sendo que estas foram todas de iniciativa das autoridades russas.

Para já, seguem-se imagens dos novos capítulos ainda por conhecer, como sejam as linhas temporais bem marcadas, que estão, como seja a realização das eleições intercalares nos EUA, a 08 de Novembro, onde os Democratas do Presidente Joe Biden, segundo as sondagens, estão em risco de perderem as maiorias no Congresso, no Senado, ainda em dúvida relativa, nos Representantes, quase certo, o que, a suceder, obrigará a uma reavaliação do apoio incondicional de Washington a Kiev, visto que os Republicanos de Donald Trump já disseram que não concordam com a avalanche financeira e militar que corre em fluxo continuo para a Ucrânia.

A extraodinária carta dos democratas da Câmara dos Representantes a Biden

Alias, os media norte-americanos noticiaram, entre estas a CNN, nas últimas horas que um grupo de 30 congressistas democratas enviaram uma carta, numa rara posição de força, a Joe Biden para este ponderar rapidamente uma alteração de políticas para com a Ucrânia, apelando a que a Administração BIden avance com propostas concretas para um cessar-fogo e um acordo de paz através de conversações com Moscovo.

De acordo com a CNN, três dezenas de membros da Câmara dos Representantes pedem em carta a Biden que mude a agulha da política norte-americana para com a Ucrânia e passe a perseguir a paz através de conversações directas com Moscovo.

Esta carta, assinada por 30 congressistas liberais do Partido Democrata de Joe Biden, não pede uma interrupção imediata do apoio a Kiev mas sim ao início de uma nova abordagem que permita levar a um fim da guerra num prazo o mais rápido possível através da diplomacia, nomeadamente através de conversações com Moscovo.

Os democratas que assinam a carta explicam que a destruição que a guerra está a gerar em todo o mundo e o risco de uma escalada catastrófica leva a que seja do interesse de todos, incluindo ucranianos e norte-americanos que o conflito termine o mais rápido possível.

"Por esta razão apelamos a que acompanhe o apoio à Ucrânia com política activa de procura da paz através de uma diplomacia proactiva que permita um calendário realista para um cessar-fogo", apontam os 30 membros da Câmara dos Representantes democratas.

Recorde-se que a Câmara dos Representantes, segundo as sondagens, já só por um milagre" não deixará de ter uma maioria republica a partir de 08 de Novembro, quando tiverem lugar as eleições intercalares, o que obrigará Biden a uma mudança de postura quer queira quer não, porque o Partido Republicano defende uma postura menos colaborante com o regime de Kiev.

Sabendo disto, o Kremlin tem uma boa parte da sua estratégia condicionada por esta data, 08 de Novembro, face ao "bónus" eventual de uma derrota eleitoral de Joe Biden, que já disse querer recandidatar-se em 2024 a um segundo mandato, apesar dos seus 80 anos, mas que, com a crise económica a avolumar-se, uma inflação recorde de 40 anos e uma recessão certa e ao virar da esquina, isso se revela mais difícil a cada dia que passa, sendo óbvio que os eleitores norte-americanos ligam naturalmente as dificuldades crescentes na economia ao evoluir da guerra na Ucrânia e às sanções-ricochete aplicadas a Moscovo.

Mas o mesmo sucede na Europa, apesar de o apoio europeu bélico e financeiro ser reduzido quando comparado com o norte-americano, com vários países a mudarem de Governo devido à crise, como já sucedeu na Itália, na Suécia, problema sérios em França, na Republica Checa, na Roménia, com ministros a demitirem-se sucessivamente, na Bulgária, entre outros... e com as críticas à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a aumentarem de tom e de dureza, como se viu este fim-de-semana com o antigo Presidente francês, Nicholas Sarkozy a dizer que a sua actuação de apoio incondicional ao esforço de guerra de Kiev não ter respaldo em nenhum ponto dos tratados europeus, dizendo esta a agir sem norte e sem razoabilidade.

Ex-Presidente francês não percebe plano europeu e acusa UE de estar à deriva

O antigo Presidente da França, Nicholas Sarkozy, deu uma entrevista este Domingo onde se interroga sobre qual a disposição legal, qual o artigo dos tratados europeus, sobre a qual a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se atreve a assumir competências para definir políticas de entrega de armas à Ucrânia e de definir a política externa dos 27 sobre este conflito.

Sarkozy, num tom fortemente crítico, que, alias, tem sido comum nos políticos franceses que não estão actualmente a ocupar quaisquer cargos, afirmou ainda nesta entrevista a Le Journal du Dimanche que Bruxelas está a ter um envolvimento nesta guerra incompreensível à luz dos tratados, sublinhando a entrega de armas a Kiev e o apelo à continuação da guerra até à vitória ucraniana, como fez a alemã Ursula von der Leyen e o responsável pela diplomacia europeia, o espanhol Josep Borrell.

"A Comissão Europeia é um órgão administrativo e, assim, não se percebe soba alçada de qual o artigo dos tratados europeus a Comissão justifica a sua assumida competência no âmbito da entrega de armas ou na definição da política externa", questionou o antigo Chefe de Estado francês.

Nicholas Sarkozy lamenta que a União Europeia esteja hoje a ser definida por uma retórica belicista de mais armas, mais guerra, mais morte, em vez de mais paz e mais negociações, considerando que Ursula von der Leyn prima pela "exaltação da fúria, reacções superficiais, cálculos desajustados à realidade, exaltação de valores errados", o que, diz, "colocou a Europa a dançar à beira de um vulcão".

O ex-líder francês defende claramente a solidariedade europeia para com a Ucrânia, sublinha que Bruxelas fez bem em condenar a invasão russa, mas apontou como caminho mais frutífero "manter a compostura" e criar um mapa para a paz "através de iniciativas sérias" que coloquem apenas como saída a negociação e a paz.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.