Annalena Baerbock, numa resposta às críticas sobre a tardia decisão alemã em enviar os carros de combate pesados Leopard-2 para a Ucrânia, respondeu com alguma emotividade que esses mesmos críticos deviam ter em consideração que a União Europeia "está a conduzir uma guerra com a Rússia", não entre os seus Estados-membros.
A primeira reacção a esta declaração, arriscada e de enorme potencial para gerar polémica, da chefe da diplomacia alemã, veio do Presidente da Croácia, Zoran Milanovic, que disse, também esta semana, que estar a decorrer uma guerra entre a União Europeia e a Rússia era "uma novidade" mas que, assim, sendo, ironizou, desejava "melhor sorte para a Alemanha que na II Guerra Mundial".
E voltou a frisar que a Croácia, "de modo algum", irá ajudar a Ucrânia militarmente, questionado os croatas se querem que o país entre na guerra, como a ministra alemã diz que já está a decorrer entre a Europa ocidental e os russos.
Também a ministra francesa dos Negócios Estrangeiros se mostrou incomodada com as palavras da sua homóloga alemã, tendo a sua porta-voz, Anne-Claire Legendre, vindo a público dizer que Paris não vê como estando em guerra com a Rússia, porque enviar armamento para a Ucrânia se poder defender não significa que se esteja em guerra com a Federação Russa.
"O envio de armamento não significa uma condição de co-beligerante", acrescentou Anne-Claire Legendre, deixando em evidência o incómodo de Paris com as palavras da ministra alemã dos Negócios Estrangeiros.
A ministra alemã, depois de alguns dias ainda não veio a público retirar, de forma clara e inequívoca, aquelas palavras procurando apenas contorná-las diplomaticamente alegando que a Ucrânia tem do seu lado a lei internacional e a Alemanha responde ao seu direito de se defender.
Mas Moscovo tendencialmente concorda com Annalena Baerbock, quando algumas das suas figuras de maior destaque, como o antigo Presidente Dmitri Medvedev, ou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, insistem há meses que a NATO, liderada pelos EUA, desenvolve uma intensa guerra de proximidade (proxy war) com o objectivo de usar a Ucrânia e os militares ucranianos para fragilizar a Rússia.
Este tipo de acusação de Moscovo tem sido repetida ao longo do conflito, especialmente quando Kiev e os seus aliados ocidentais anunciam o envio de novas e cada vez mais sofisticadas armas para esta guerra, primeiro com os drones turcos, Bayraktar, depois com os obuses M777, seguindo-se os sistemas múltiplos lança misseis (HIMARS), ambos norte-americanos.
Mas, agora, com os tanques Leopard-2, alemães, aos quais se juntam os Chalenger-2 britânicos, os Leclerc franceses, e os M1 Abrams, enviados pelos Estados Unidos, que Moscovo considera ser um avanço para outro patamar devido à sua natureza de arma ofensiva de grande capacidade de penetração nas linhas defensivas russas, como apontou Dmitri Peskov, "a Rússia considera inequivocamente que se trata de um envolvimento directo dos países fornecedores desse armamento no conflito".
Há é duvidas se estes tanques vão de facto fazer alguma diferença, porque, como têm sublinhado os analistas miliares da CNN Portugal, Agostinho Costa e Carlos Branco, ambos com a patente de major general, até ao momento apenas estão garantidos 96 destes carros de combate pesados, entre os Leopard-2 alemães, os Chalenger-2 britânicos e os M1 Abrams dos EUA, o que, para uma frente de combate de mais de 1.200 kms, e face aos mais de 600 T-90 russos, que são equivalentes aos ocidentais, tendo mesmo maior alcance de tiro, e mais de mil entre os T-80 e T-72, menos avançados tecnologicamente mas alvo de melhorias substanciais, provavelmente não mexerá em nada com o curso da guerra.
E para piorar as expectativas, os 31 M1 Abrams, que os EUA vão enviar, só chegarão ao leste ucraniano entre Setembro e Outubro, o que, provavelmente, será demasiado tarde para terem qualquer impacto no conflito, o que demonstra que se está mais perante um alçapão político ocidental para fazer de conta que está a apoiar com vigor Kiev.
Isto, porque, sublinha Agostinho Costa, uma das brigadas norte-americanas estacionadas na Polónia vai fazer a sua rotação técnica este mês e vai levar consigo as várias dezenas de M1 Abrams, tornando-se incompreensível o porquê de não deixarem já no terreno alguns desses veículos, evitando que a Ucrânia tenha de esperar até Setembro pelos que vão ser enviados dos EUA.
A III GM...
... está claramente a caminho, defende o Presidente croata Zoran Milanovic, porque o conflito no leste europeu está a ser travado entre os EU, com apoio da NATO, e a Federação Russa, e "a menos que estejam em curso negociações secretas entre Moscovo e Washington, então o mundo está mesmo a aproximar-se de uma catástrofe inimaginável".
O Chefe de Estado croata, ainda a propósito das palavras insensatas da ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, depois de ter alertado para o risco de uma guerra mundial a desenrolar-se à frente dos olhos de toda a gente, disse que, apesar de estar há muitos anos na política, "nunca tinha visto este tipo de loucura à solta".
Ironizando, disse, admitindo que a Alemanha esteja em guerra com a Rússia, desejou que Berlim se dê melhor agora que há 70 anos, quando, durante a II Guerra Mundial, as tropas de Adolf Hitler sofreu uma pesada derrota frente aos russos do Exército Vermelho, da então URSS, que levou ao fim do maior conflito a que a Humanidade alguma vez assistiu, com a morte de 100 milhões de pessoas entre 1939 e 1945.
E a paz...?
Com isto, a possibilidade de uma paz negociada entre Kiev e Moscovo parece agora cada vez mais distante, até porque o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse agora numa entrevista à Sky News, que "o Presidente russo não é ninguém" e que com ele "não vale a pena falar", que não tem "nenhum interesse em falar com ele", isto, depois de ter feito aprovar legislação que torna ilegal qualquer conversa com o Kremlin.
Alias, anda esta semana, Zelensky chegou mesmo a dizer que duvida que Putin esteja vivo, sequer, admitindo mesmo que as imagens que surgem com o Presidente russo sejam manipulações com recurso a Inteligência Artificial.
Apesar de serem muitos os países que pedem a Moscovo que dê o passo na direcção da paz, como é o caso de Angola, o que voltou a acontecer agora, com a recente visita do MNE russo, Sergei Lavrov, o chefe da diplomacia russa voltou a dizer que esse passo foi dado várias vezes e que em Março de 2022 esteve mesmo para ser assinado um acordo, tendo Kiev voltado atrás por pressão ocidental de EUA e Reino Unido.
Isto acontece quando, horas depois de ser conhecida a decisão alemã e norte-americana de enviar tanques pesados para a Ucrânia, as forças russas, a partir do Mar Negro e de bombardeiros pesados, voltaram a atacar massivamente com misseis e drones dezenas de cidades ucranianas, incluindo a capital, com a destruição avultada de infra-estruturas eléctricas e vias rodoviárias e ferroviárias, embora Kiev garanta que a maior parte destes foram abatidos.
Esta vaga de misseis e drones lançados sobre a Ucrânia, mais uma de várias nos últimos dois meses, deixa claro que as informações divulgadas nos media ocidentais, a partir de fontes nos serviços secretos britânicos, de que a Rússia estava a gastar os últimos "cartuchos", são, na verdade, ligeiramente exageradas.
E, por fim, o aviso mais abrasivo feito ao ocidente pelo Kremlin, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov: "O envio dos tanques é o envolvimento directo dos países ocidentais" nesta guerra. O que é que isso significa, só com o passar dos dias se perceberá, mas uma escalada é temida por muitos analistas militares, deixando o mundo mais perto de um incandescente conflito nuclear.
África "entra" na guerra
O Governo do Rei Mohammed VI, de Marrocos, decidiu escolher um lado da guerra e é o primeiro país africano a enviar equipamento de guerra para o conflito na Ucrânia, oferecendo duas dezenas de carros de combate pesados, T-72B, de fabrico soviético, a Kiev.
O envio dos 20 T-72B marroquinos para a Ucrânia tem um forte valor simbólico porque poderá abrir um novo corredor de material de guerra para o conflito no leste europeu, visto que em África existem largas dezenas de milhares de veículos blindados adquiridos ao longo dos anos à então União Soviética, e também já depois, à Federação Russa.
Até 1991, com a consolidação do colapso da ex-URSS, a maior parte dos países africanos eram grandes clientes da indústria militar de Moscovo, tendo depois continuado, mas já enquanto Federação Russa ou CEI (Comunidade de Estados Independentes), o que levou a que fosse concentrado um grande volume de viaturas, sejam os carros de combate ou viaturas blindadas de transporte de tropas.
Agora, no que já está a acontecer, alguns países aliados de Kiev têm estado a adquirir equipamento de guerra em África, desde munições de calibre 152 mm, padrão soviético, até peças de artilharia e viaturas, mas, segundo a informação disponível, sempre por terceiros e com o objectivo deste ser oferecido para alimentar o esforço de guerra de Kiev.
Mas o envio dos 20 carros de combate pesados de fabrico russo, que eram os mais avançados até ao colapso da URSS, e que constituem ainda a espinha dorsal das unidades blindadas ucranianas, por Rabat, surge como a primeira vez que um Estado africano toma a iniciativa de disponibilizar apoio directo a um dos intervenientes neste conflito.
Marrocos, ao contrário da vizinha Argélia, que mantém uma ligação mais sólida e próxima com a Rússia, desde há muito que se posiciona ao lado do ocidente, e esteve mesmo, segundo a imprensa marroquina, presente na reunião recente do denominado Grupo de Contacto para a Ucrânia, composto por cerca de 50 países, maioritariamente da NATO e da União Europeia, na base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha, para relançar o apoio a Kiev.
No entanto, estas viaturas, só vão chegar à frente de combate na guerra Rússia/Ucrânia depois de uma requalificação profunda na República Checa, porque, segundo avança o site ucraniano Defense Express, as Forças Armadas marroquinas, que adquiriram estes veículos, em 1999 e 2000, à Bielorrússia, não foram capazes de os manter operacionais, sendo bastante profunda a sua deterioração.
Estes "tanques" foram adquiridos por Rabat na perspectiva de contenção das forças argelinas a norte, numa altura, que actualmente se repete, em que os dois países viviam momentos de forte tensão e estava iminente um conflito.
No entanto, segundo publicações especializadas na área da defesa, os EUA e a Holanda têm em curso um programa de compra de quase 100 unidades T-72B para enviar para Kiev, existindo fortes evidências de que estes estejam a ser adquiridos em países africanos com disponibilidade abundante deste tipo de equipamento devido aos prolongados e violentos conflitos internos em que estiveram envolvidos e que, agora, têm, com estes, uma grande e permanente despesa de manutenção.
Alguns países africanos nestas circunstâncias podem mesmo aproveitar este conflito europeu para se verem livres de algum material de guerra, incluindo carros de combate de diversos tipos, do qual já não precisam e que estão em vias de se tornarem obsoletos, podendo amortizar algum do investimento feito, nalguns casos, há mais de três décadas.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.