Esta posição de Mark Milley, que é o mais alto chefe militar dos EUA, logo abaixo do Presidente enquanto comandante-em-chefe, tem importância estratégica porque revela um olhar diferente dos Estados Unidos sobre o conflito que não é aquele que os políticos, incluindo Joe Biden, o seu Secretário da Defesa, Lloyd Austin, e o seu chefe da diplomacia, Antony Blinken, têm apresentado desde há vários meses, especialmente nas reuniões alargadas da NATO, onde o lema parece ser "com Kiev até onde for preciso".
Qual a posição mais relevante, não é fácil de discernir, porque o Chefe de Estado-Maior conjunto das Forças Armadas dos EUA é um cargo que depende do Presidente e as suas posições vinculam a Administração.
O que, segundo alguns analistas, face ao crescente atrito entre a oposição republicana, agora maioritária na Câmara dos Representantes, e os democratas de Joe Biden, permite a aproveitar alguma plasticidade para que, mais tarde, seja mais fácil recuar de posições mais sólidas, como as que Loyd Austin defendeu em que diz que os EUA estão empenhados em garantir que a Rússia se venha a ajoelhar perante os ucranianos, ou ainda de Bien, que defende que vai estar com Kiev "durante o tempo que for preciso e como for preciso".
O que diz Milley é que nem as forças ucranianas vão conseguir expulsar os russos do seu território até ao último centímetro nem os russos vão conseguir conquistar todo o território que colocaram como objectivo, que são as quatro províncias anexadas em 2022, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, e a Crimeia.
Esta posição surge num momento em que começa ma Alemanha, na cidade de Munique, a Cimeira de Segurança, onde, esta ano, a Rússia não foi convidada, o que faz desta uma cimeira incompleta considerando que a maior potência nuclear do mundo não estará presente.
Sair de Bahkmut, já!
Entretanto, acontece um claro desencontro entre as decisões políticas de Kiev, para defender a todo o custo a cidade de Bahkmut como bastião frontal ao avanço russo em Donetsk, os aliados ocidentais defendem que a Ucrânia devia optar pela poupança de vidas dos seus militares e deixar aquele ponto estratégico para os russos, de modo a ter forças suficientes e treinadas para uma posterior ofensiva, provavelmente nos meses de Maio ou Junho.
Sobre este particular, a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, veio agora pedir aos cerca de seis mil civis que ainda permanecem na cidade de Bahkmut, dos mais de 60 mil que ali viviam antes da guerra, para partirem com toda a urgência, deixando o espaço para que as unidades militares ali presentes, perto de 40 mil tropas, façam o seu trabalho sem essa crescida preocupação com a presença de civis.
A responsável disse ainda, numa rede social, que não percebe porque é que tanta gente ainda está numa cidade quase integralmente destruída pelos bombardeamentos russos.
A cidade de Bakhmut, conhecida pelos russos como Artyomovsk, está numa confluência de vias rodoviárias fundamentais para a saída e acesso a Donetsk, sendo que os russos já têm as suas unidades avançadas a cercar quase integralmente esta localidade, mantendo apenas uma pequena estrada livre, porque onde os civis poderão sair, mas também por onde os reforços miliares estão a chegar à cidade.
E este é um ponto eu não está ainda totalmente compreendido pelos analistas militares, porque, aparentemente, as forças russas, quase exclusivamente do Grupo Wagner, uma força privada, vista no ocidente como mercenários, poderiam impedir, através de raides de artilharia, o uso desta via terrestre e não o fazem.
Uma das explicações é para que os civis possam sair totalmente e isso deixaria toda a urbe sob o fogo da artilharia pesada sem a factura pesada de baixas civis que são sempre más para a guerra da propaganda.
A outra é que o Kremlin aposta numa guerra de atrição, que não visa a conquista de territórios, para já, mas sim a destruição paulatina mas progressiva das capacidades humanas e em equipamento das forças ucranianas, deixando-as ainda menos capazes de organizar uma ofensiva futura sobre as suas linhas de defesa, e isso só é possível se as colunas ucranianas continuarem a poder entrar em Bahkmut, onde passam a ser flageladas pelos misseis, a aviação e a artilharia pesada russas.
A Cimeira de Segurança de Munique...
... que hoje começa na cidade alemã, tem como tema central a guerra na Ucrânia, especialmente agora que se está a apenas dias de atingir um ano de duração, sendo o apoio ocidental ao esforço de guerra de Kiev, de novo, o mais importante foco da agenda dos participantes, que, este ano, não contam com a presença de Moscovo.
Segundo a Lusa, o Presidente francês, Emmanuel Macron, defenderá já no primeiro dia da conferência a criação de "meios para garantir a derrota da Rússia", segundo avançaram fontes do Eliseu (Presidência), acrescentando que o líder pretende também procurar "mecanismos para garantir a estabilidade da Europa", de forma a evitar novos conflitos.
O apoio à Ucrânia será também a posição a apresentar pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que estará acompanhado pela vice-Presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, sendo que os dois pretendem ter, à margem da conferência, várias reuniões com representantes dos Governos de França, Alemanha, Reino Unido, Finlândia e Suécia.
Os participantes na conferência irão também debruçar-se sobre a capacidade da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de manter a solidariedade da Aliança a longo prazo e na crescente divisão entre o Ocidente e o Leste.
Entretanto, na frente...
... é a Rússia que ganha terreno, que domina as operações de avanço, sendo já bastante claro que as forças de Moscovo deram o tiro de partida para a grande ofensiva que vinha a ser anunciada há semanas, depois de terem chegado ao leste da Ucrânia, especialmente às regiões separatistas - anexadas formalmente pela Rússia em Outubro de 2022 - do Donbass (Donetsk e Lugansk) mais de 350 mil homens mobilizados em Setembro do ano passado, e um volume considerável de novo armamento, incluindo os recentemente modernizados blindados pesados T-90, os helicópteros de ataque, o mais testado Ka-52 e o estreante Mi-28 NM, além de novas peças de artilharia, como os superpesados morteiros de 240 mm, que tem sido apresentado pelos media russos como uma das estrelas da artilharia de Moscovo, ou as dezenas de blindados ligeiros BMPT Terminator.
Este caudal de poder ofensivo russo, com todos os analistas a admitirem que as forças ucranianas, além do desgaste em meios humanos - volumoso e trágico dos dois lados - está a perder quase toda a sua capacidade blindada, bem como a artilharia pesada, como os canhões norte-americanos M777 ou os franceses Caeser, estão quase todos fundidos no campo de batalha, só poderá ser contrabalançado com a chegada de centenas de novas peças de artilharia ocidental e os esperados "tanques" alemães Leopard-2, porque os Made In USA não deverão chegar até ao fim deste ano, além dos foguetes de média distância para uso nos sistemas móveis HIMARS...
Segundo o analista militar major-general Agostinho Costa, esta guerra pode estar a ser jogada com o tempo a servir, como poucas vezes aconteceu na história dos conflitos, como elemento estratégico preponderante, porque, neste momento, devido à superioridade russa, a Ucrânia está a "perder a guerra".
O especialista militar admite que os russos optaram por uma estratégia de atrição, desgastando os meios humanos e equipamento ucraniano, à medida que vão avançando em postos fulcrais, como Bahkmut, no Donetsk, ou, mais a norte, em Lyman, estando a exaurir progressivamente a espinha dorsal da artilharia e dos blindados ucranianos.
Isso mesmo parece ter percebido o Presidente polaco, que, nesta entrevista ao Le Figaro, vem agora admitir que se o novo equipamento ocidental não chegar à Ucrânia em escassas semanas, "tudo estará perdido para Kiev" e para os seus principais aliados.
A resposta de Moscovo chegou pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, que foi às redes socias dizer a Andrezj Duda que com ou sem novo material ocidental, a Ucrânia "não poderá mudar o curso inexorável deste conflito".
"Kiev e os seus aliados ocidentais estão condenados à derrota", disse, acrescentando, citada pela Russia Today, que "mais armas para a Ucrânia só vai piorar as coisas para os ucranianos" e que "o arrependimento é a única saída para os ocidentais" no quadro deste conflito.
E, para piorar o cenário para Kiev, o chefe do gabinete do Presidente Volodymyr Zelensky, Igor Zhovkva, veio a público admitir que as unidades de combate ucranianas estão "com os paióis de munições a zero" por causa da intensidade dos combates das últimas semanas...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo..
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.