O envolvimento da NATO, a organização do tratado do Atlântico Norte (NATO) - criada em 1949, no pós-II Guerra Mundial, para conter o avanço da então URSS -, tem sido, oficiosamente, o garante da capacidade ucraniana, com forte empenho norte-americano, de manter a resistência ao avanço das forças russas no último ano, mas este pode ser o momento de tornar esse empenho mais denso e oficial, abrindo as portas para um confronto directo entre a Federação Russa e os EUA e os seus aliados ocidentais.

No limite, se esse passo, que muitos consideram uma precipitação trágica, como o disseram, mesmo antes da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, os Presidentes dos EUA, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, uma guerra nuclear passa a ser uma possibilidade real.

Mas é bem possível que o seja, até porque, nas últimas horas, Henry Kissinger, 99 anos, o oráculo da geoestratégia mundial, e histórico homem forte da diplomacia norte-americana durante décadas, no activo, ao serviço dos antigos Presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, ou na "sombra", por todos os restantes ouvido com atenção, veio dizer que já não faz sentido que a Ucrânia não seja integrada na NATO porque isso será o mais adequado face ao que emerge da realidade actual, onde este país depende totalmente do apoio militar e financeiro do ocidente.

Mas também o major-general Agostinho Costa, do EuroDefense Portugal, analista militar da RTP3 e da CNN Portugal, veio agora admitir que a reunião de Ramstein, na próxima sexta-feira, não se vai focar na questão mais badalada do momento no âmbito do conflito no leste europeu, que é o envio ou não envio de blindados de combate pesados, mas sim, se se dá ou não o passo seguinte.

O próximo patamar, se vier a ser aprovado, é o envio sem limites de todo o tipo de equipamento militar, desde os misseis de longo alcance, que permitirá a Kiev atacar as cidades russas em profundida no interior do país, aviões de combate e helicópteros ocidentais e ainda, naquilo que seria o último passo antes do precipício, o envio de tropas dos países ocidentais para a frente de combate, porque é o que mais falta faz neste momento ao Exército ucraniano, que está a sofrer pesadas perdas, tal como a Rússia, mas com muito menor capacidade de substituição.

Quanto aos carros de combate Leopard-2, na sua versão mais avançada, o A6, que custam perto de 6 milhões de dólares, a Alemanha, pais que os produz, conta apenas com 240 nas suas Forças Armadas, e, ainda assim, Ursula von der Leyen, actual lider da Comissão Europeia, e antiga ministra da Defesa alemã, pressiona, de forma incoerente e estranha, Berlim a enviá-los para a Ucrânia, embora tenha sido ele mesma, segundo o analista militar Agostinho Costa, a fazer baixar este número dos anteriores mais de 2.200 para o reduzido inventário actual.

A derradeira oportunidade

E um dos sinais de que tal cenário não é pura ficção foi dado esta semana pelo Presidente da República Democrática do Congo, que aproveitou a presença no Fórum Económico Mundial (FEM) em Davos, Suíça, para acusar os rebeldes do M23 de estarem a fazer de conta que cumprem o acordo assinado em Luanda.

Uma das razões que leva os EUA, que mandou para esta reunião na sua base aérea na Alemanha, uma herança ainda da derrota de Hitler na II GM, o Secretário da Defesa, Loyd Austin, a pressionar fortemente neste momento os seus aliados para enviarem tudo o que tiverem nos paióis, é que os EUA vão começar a ter cada vez mais dificuldades em manter o fluxo em dinheiro e material militar para a Ucrânia.

Isto, como foi a Kiev explicar a Volodymyr Zelensky o director da CIA, William Burns, na semana passada mas que só agora se soube pelos media norte-americanos, com o controlo da Câmara dos Representantes, a Câmara Baixa do Congresso dos EUA, pelo Partido Republicano, de Donald Trump, grandemente contrário à política de mãos abertas de Washington para Kiev, vai ser cada vez mais difícil manter esse apoio.

E, como a guerra está a entrar claramente numa nova fase, onde a Rússia surge com maior ímpeto na frente de combate, com vitórias importantes no Donbass, para os EUA, que alguns analistas apontam como estando aqui a defender os seus "interesses existenciais" de domínio global, alicerçados na actual ordem global baseada em regras - que China e Rússia já disseram que querem desmantelar - aos EUA pode muito bem restar fazer agora um derradeiro "pressing" para derrotar Moscovo.

E é por isso que esta reunião de Ramstein surge como fulcral para os intentos ocidentais, estado em cima da mesa a exigência de apostar num tudo ou nada.

Mas há alguns países que mostram cada vez mais resistência a esse caminho, porque sabem que no pós-guerra, que chegará de uma forma ou de outra, vão ter de lidar com a geografia russa em plena Europa, embora a retórica propagandística ocidental procure "levar" Moscovo para a Ásia, quando é historicamente uma dimensão essencial da Europa.

O que fazer?

Alguns dos analistas militares menos alinhados com as posições ocidentais que ainda têm espaço para a opinião nos media europeus e norte-americanos, admitem que a NATO e a União Europeia estão colocadas perante um momento de extrema dificuldade de decisão, porque, com o actual cenário, onde os ucranianos estão a ceder em quase toda a linha e se somam as vitórias militares russas no terreno, embora sem ser determinante para uma vitória total, nomeadamente na linha estratégica de Bakhmut-Soledar, no Donetsk, existe o risco de o ímpeto das forças do Kremlin se tornar imparável.

O que, na perspectiva de Washington e de Bruxelas, seria uma humilhação insuportável, ver a parafernália de equipamento militar ocidental colapsar face à indústria militar russa, da qual andaram a desdenhar nos últimos anos, o que poderá levar a NATO e a União Europeia a darem o tal passo em direcção ao envolvimento quase-total na frente de combate e, com isso, mudar radicalmente o paradigma desde conflito, onde quase nada se manteria como linha vermelha, incluindo o alastramento da conflitualidade ao Oriente - caso China/Taiwan -, ou ainda o recurso aos arsenais nucleares, primeiro tácticos - de impacto limitado - e depois...

Para já, se tal decisão dependesse da União Europeia, essa decisão poderia ser tomada num curto prazo, porque a presidente da Comissão, Ursula vonder Leyen, voltou esta semana, em Davos, na Suíça, durante o Fórum Económico Mundial, embora sem surpresa, porque é considerada o "falcão de guerra de Bruxelas", a apelar a um envio de apoio financeiro e sem limites para a Ucrânia e durante o tempo que for preciso.

Uma decisão desse género pode ainda ser impulsionada pela realidade que vai crescendo na sombra entre os europeus, que é, como já admite o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, que defende a entrada em acção directa nos combates da NATO, incluindo a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia - mais uma forma de levar ao confronto directo EUA-NATO/Rússia -, e que passa por um denso cansaço no ocidente para com o esforço de apoio continuado a Kiev.

"Os países ocidentais estão a ficar um bocadinho cansados e a mostrar menos vontade de se envolverem no conflito em curso", disse o chefe de Governo polaco, que explicou, em entrevista à TV pública do seu país, que "há uns meses, as discussões em torno do apoio a Kiev eram muito mais efusivas e emocionais, sendo que, agora, o interesse é diferente e menos intenso".

O que diz Mateusz Morawiecki, que também admite que o ocidente quer "voltar a viver a sua vida normal" sem perda contínua de qualidade de vida, surge alinhado com os mais recentes estudos de opinião feitos na Europa ocidental, onde a percentagem de apoio popular ao esforço financeiro à Ucrânia nos respectivos países tem vido a descer coerentemente nos últimos meses e nalguns países já é inferior a 50%, quando, ainda em Julho estava acima dos 85%, em média, havendo casos onde ultrapassava os 90%.

Os principais apoiantes da manutenção do apoio ilimitado a Kiev no ocidente são, além da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, o Reino Unido, a Polónia, e os países do Báltico, Estónia, Letónia e Lituânia, que, segundo algumas fontes, sabendo que os seus parceiros ocidentais estão a desligar as máquinas lentamente, procuram, num encontro de emergência, esta quinta-feira, manter entre si avivado o lado emocional a que aludia Mateusz Morawiecki, e garantir que não esmorece o seu apoio ao regime de Volodymyr Zelensky.

Um dos sinais de perda de vigor do esforço no apio a Kiev está bem patente nas notícias desta quinta-feira, entre outros, no britânico The Guardian, que aponta para um braço-de-ferro entre alemães e norte-americanos sobre o envio de carros de combate pesados para a Ucrânia.

Sob forte pressão por todos os lados, de Washington a Bruxelas, o Governo alemão tem vindo a protelar o envio dos seus famosos Leopard-2 para Kiev - situação que terá levado à demissão da anterior ministra da Defesa, Christine Lambrecht, que foi substituída por Boris Pistorius, um antigo membro da Associação de Amizade Alemanha-Rússia, e próximo do ex-chanceler Gerhard Schröder, com conhecidas ligações a Moscovo -, tendo agora feito um avanço tido como pouco amistoso para com Washington, colocando como condição para o envio dos seus "tanques" que os norte-americanos enviem para a frente de batalha primeiro os seus Abrams.

Isto pode ter um significado mais profundo porque a Administração Biden já veio dizer que não fará o envio dos seus principais carros de combate para a Ucrânia porque estes exigem uma atenção permanente difícil de garantir nas actuais condições, como sejam a afinação permanente devido à elevada tecnologia, o enorme consumo de combustível especial e, por fim, embora não assumido, o risco de mau desempenho e de má publicidade a estes equipamentos porque o seu emprego em combate exige uma alargada rede de apoio que não existe nas forças ucranianas.

Jens, a "águia" da NATO

Esta é uma guerra que é mais que um conjunto de batalhas, é um conflito pela liberdade, diz Jens Stoltemberg, o secretário-geral da NATO, que, nas ultimas horas, veio insistir que o ocidente deve manter o apoio intenso e continuado em equipamento pesado a Kiev, porque do desfecho deste conflito vai depender a continuidade das democracias.

No Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça, que se transformou na trincheira das elites pró-Ucrânia políticas e financeiras, Stoltenberg avançou com uma declaração que parece desesperada, ainda para mais com o seu permanente aspecto nervoso, ao dizer que a reunão de sexta-feira em Ramstein vai ser um momento decisivo.

Sabendo da fragilidade da aliança ocidental, moída na sua economia e das suas sociedades, pelos efeitos colaterais dos sucessivos, já são nove, pacotes de sanções à Rússia, o chefe da NATO colocou as ficas todas na mesa: Na reunião do Grupo de Contacto de Defesa da Ucrânia que será "liderado pelos Estados Unidos da América", a "mensagem principal vai ser a garantia de que o envio de armamento pesado e moderno vai ser uma realidade".

Tal como Ursula Leyen, Jens Stoltenberg não teve ainda, durante quase um ano de guerra, uma única palavra sólida em defesa de uma solução dialogada para o conflito, pressupondo que o seu interesse, como, de resto, o próprio confirma, é que a saída para o coflito seja exclusivamente militar, considerando que só uma vitória inequívoca de Kiev levará o presidente russo, Vladimir Putin, a perceber, que tem de se sentar para conversar e aceitar a proposta ucraniana para a paz que é sair total e incondicionalmente de todo o território, incluindo a Crimeia, o que é o mesmo que dizer que não há caminho para a paz nesta direcção.

Em forma de desafio a Moscovo, Stoltenberg avisou que "a Ucrânia vai acabar por ser um membro da NATO", que, recorde-se, evitar essa possibilidade, foi uma das principais justificações de Putin para lançar esta invasão, além de "desnazificar" a Ucrânia e proteger as populações do Donbass, dos ataques ucranianos nacionalistas, tendo mesmo, esta semana, que o leste ucraniano é "território histórica da Rússia".

Alias, as coisas podem começar mesmo a aquecer se se confirmarem as recentes notícias, do New York Times, que apontam para uma decisão dos EUA para apoiarem novos ataques de Kiev à Crimeia, a península anexada por Mosvovo em 2014, e que é já parte, oficialmente, da Rússia, na perspectiva de Moscovo.

Medvedev dá conselho ao ocidente

Sobre este repetido slogan de que a Rússia deve ser derrotada na Ucrânia para se chegar à Paz, Dmitri Medvedev, antigo Presidente russo e um dos mais destacados aliados de Vladimir Putin, já veio aconselhar os lideres ocidentais a repensarem essa ideia, porque uma potência nuclear não pede uma guerra se a considerar existencial, como é o caso.

"Não lhes ocorre a possibilidade de uma derrota de uma potência nuclear numa guerra convencional poder provocar uma guerra nuclear"", questionou-se Medvedev, acrescentando, a propósito do corrido de declarações em Davos que considera ingénuas, que devia ser "óbvio para todos com um módico de inteligência" que uma potência nuclear - a Rússia é a maior do mundo - não vai perder uma guerra convencional que possa determinar a sua existência.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.