A ideia por detrás das palavras do bem conhecido estratega norte-americano na área da diplomacia era, e ainda é, não deixar andar a carroça do inferno em que o mundo se transformaria por considerar inevitável um confronto directo entre a Rússia e os Estados Unidos com o prolongamento do conflito na Ucrânia, sendo que isso levaria inevitavelmente a um confronto nuclear.

O antigo Secretário de Estado de Richard Nixon e conselheiro para a Segurança Nacional de Gerald Ford, entre 1969 e 1977, e um dos nomes mais considerados na área da geopolítica, agora com 99 anos, entende que, ao fim de um ano de guerra, já não tem valor nem significado fazer de conta que a Ucrânia não pertence à NATO quando é esta organização militar ocidental liderada pelos EUA, criada em 1949 para conter o avanço da ex-URSS, que garante a capacidade militar a Kiev.

No Fórum Económico Mundial (FEM) de Davos, na Suíça, onde os poderosos do mundo reúnem anualmente para redesenhar a economia e a política globais, mas sempre com os seus interesses no topo das prioridades, mesmo que camuflados na forma de combate às alterações climáticas ou às incertezas sociais e políticas no mundo, escolhendo anualmente os temas mais "fashion", Henry Kissinger, também conhecido pelo seu cinismo inteligente ao serviço da "real politik", chamou, no entanto, a atenção para a necessidade de manter lubrificados os canais de diálogo com Moscovo.

De recordar que as palavras de 2022 levaram Kiev a criticar efusivamente Kissinger, considerando-o um "inimigo" porque a política de Volodymyr Zelensky, o Presidente ucraniano, era, e é, convencer o ocidente e a NATO a entrar na guerra directamente com a Rússia, o que os Estados Unidos têm conseguido evitar, apesar de na Europa alguns países, como a Polónia, Lituânia, Letónia e Estónia, e ainda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defenderem a mesma posição que o regime ucraniano, o que, como tem sido repetido por Washington e por Moscovo, levaria inevitavelmente a um Armagedão nuclear.

Depois de ter sido claramente ameaçado por Zelensky após as suas palavras em Davos, a 24 de Maio, nesta edição do FEM, Kissinger, apostou no elogio rasgado ao Presidente Zelensky, defendeu a entrada da Ucrânia na NATO, porque o é já de facto, faltando formalizar apenas essa adesão, porque no terreno é já uma guerra entre a NATO e a Rússia a que se assiste, seja devido ao apoio ilimitado em dinheiro ou em equipamento militar, e mesmo em tropas já está meio caminho feito depois de Kiev oficializar a aceitação de mercenários ocidentais nas suas fileiras.

Diz Kissinger que antes do início da guerra, opunha-se à entrada de Kiev na NATO, por temer que a consequência fosse exactamente aquela que se veio a verificar, um conflito em quase tudo aberto entre NATO e Rússia, no qual a questão da neutralidade ucraniana e fora da organização militar ocidental exigida por Moscovo "já não faz sentido" e a sua entrada no grupo é um desfecho "apropriado".

Recorde-se que o famoso Art. 5º da NATO obriga à intervenção, não forçosamente na forma de ataque militar, dos aliados ao lado de um dos membros que esteja a ser atacado, o que, neste caso, apesar de uma entrada só ser possível num contexto de não-conflito, seria, como entende Moscovo, mais que meio caminho andado para a libertação do inferno nuclear na terra porque o Kremlin considera a ocupação da Ucrânia pela NATO uma ameaça existencial.

Para acabar com o conflito, nesta sua reavaliação, Henry Kissinger propõe que a NATO e a União Europeia mantenham as portas do diálogo com Moscovo abertas em permanência, apelando a que a Rússia veja que é bem recebida no ocidente alagado e na europa ocidental, defendendo que deve ainda ser a NATO a servir de garante do cumprimento que vier a exigir um eventual acordo de paz entre Moscovo e Kiev.

Ora, é aqui que o velho diplomata, que é por alguns visto como "alguém sempre ao serviço dos interesses norte-americanos", parece ter falhado na percepção, porque o Presidente Vladimir Putin já disse que em condição nenhuma a Federação Russa abdicará dos territórios anexados no leste da Ucrânia em 2022 e da Crimeia, anexada em 2014, enquanto o Presidente Zelensky já veio deixar claro que a paz só será possível com a saída do último militar russo da Ucrânia e com a tomada do último centímetro de território, incluindo a Crimeia.

Face a isto, que não desconhece, certamente, então coloca-se a possibilidade de as palavras de Henry Kissinger serem um apelo à guerra (?), porque esse seria o desfecho, com a informação que existe hoje disponível, inevitável da entrada da Ucrânia na NATO.

O que quer então, então...

...o velho mestre da "realpolitik" que escreveu o guião da diplomacia norte-americana durante décadas, e integrou as Administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, nas décadas de 1960 e 1970, Henry Kissinger, ao ir ao Fórum Mundial de Davos, este ano, defender a entrada da Ucrânia na NATO?

Provavelmente, esta foi a forma escolhida para melhor começar a ser ouvido, porque, depois desta afirmação, Kissinger voltou à carga com a ideia que tem vindo a defender em artigos de jornal, como um recente no The Spectator, onde insiste que deve ocorrer um cessar-fogo com as partes a aceitarem as posições que tinham antes de 24 de Fevereiro.

Isto, daria a Moscovo a Crimeia e uma boa parte de Donetsk e Lugansk, mas retirar-lhe-ia todo o corredor entre o Donbass e a Crimeia, e ainda as áreas de Kherson e Zaporijia que controlam actualmente mais a norte, o que, ao mesmo tempo, permitiria ao regime de Kiev vender a ideia de uma vitória, relativa, mas vitória, para consumo interno.

E, ao mesmo tempo, sublinha que isso permitiria evitar aquilo que seria uma tragédia global, uma guerra directa entre EUA e Rússia.

Isto, depois de em 2022, ter dito frontalmente aos países ocidentais que estão a sustentar o esforço de guerra ucraniano que o caminho a seguir é deixar de ter como objectivo estratégico uma derrota da Rússia na Ucrânia.

"Idealmente, o ocidente tem de garantir que deixa de perseguir a derrota da Rússia e consegue acabar com o conflito em menos de dois meses porque, para lá desse prazo, a guerra deixará de ser pela libertação da Ucrânia e passará a ser uma guerra exclusivamente contra a Rússia", disse ainda Kissinger há um ano. Para já, o que se segue é a continuação da guerra...

Lavrov diz que quem manda em Kiev é o ocidente

Naquilo que parece ser uma resposta a Kissinger, porque foi pulicado nos media russos já depois das palavras deste terem sido noticiadas, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, veio ironizar dizendo que quem decido sobre o que Kiev faz é o ocidente e os países ocidentais "ainda não fizerem qualquer proposta razoável" para a paz.

O chefe da diplomacia russa adiantou que se Washington e os seus aliados Avançarem com uma proposta a Moscovo para se conseguir a paz, esta será tida em consideração.

Sergei Lavrov aproveitou ainda, numa conferência de imprensa em Moscovo, esta quarta-feira, 18, para lembrar que a Rússia estava empenhada em analisar uma proposta de paz no mês de Março de 2022, elaborada por Kiev, mas que, ao último minuto, por ordem do ocidente, esta foi anulada por considerarem que "ainda era muito cedo".

Citado pela Russia Today, Lavrov voltou a dizer que a proposta em 10 ponto do Presidente Zelensky é "apenas ridícula" e afirmou que não é possível iniciar conversações com o regime ucraniano se este apenas contempla a possibilidade de falar com os países ocidentais.

E o experiente diplomata russo foi ainda mais longe ao defender a ideia de que é "absurda a ideia" de que os países ocidentais não podem falar com Moscovo sobre paz na Ucrânia, quando é "evidente que a política externa e a diplomacia de Kiev é decidida pelo ocidente".

"A Rússia levará a sério qualquer proposta que lhe seja apresentada pelos Estados Unidos e pelos seus aliados para ultrapassar esta crise", disse.

E acrescentou que a paz na Ucrânia tem de ir mais longe que a própria Ucrânia, porque "o ocidente está a usar a Ucrânia para destruir o sistema de segurança que existia no espaço euro-atlântico durante décadas".

Ministro morre em queda de helicóptero

O ministro do Interior ucraniano, Denys Monastyrskiy, de 42 anos, considerado nalguns meios como um dos expoentes do nacionalismo ucraniano, situando-se ideologicamente na extrema-direita, está entre as 14 vítimas mortais (o número foi revisto em baixa horas depois do acidente) da queda de um helicóptero numa localidade perto de Kiev, em Brovary, incluindo três crianças, que fez ainda mais 22 feridos, alguns com gravidade e que se encontravam no solo.

A queda deste helicóptero, um Super Puma, de fabrico francês, do serviço de emergência ucraniano, perto de um jardim de infância, para já, não está relacionado com qualquer ataque ligado à guerra, embora as investigações estejam já a decorrer.

Denys Monastyrskiy chegou ao Governo de Volodymyr Zelensky em 2021, depois de ter sido eleito depuado em 2019 pelo seu partido, o Servo do Povo.

A informação avançada pela Polícia Nacional ucraniana indica ainda que entre as vítimas mortais estão vários assessores do ministro e o secretário de Estado.

Alguns media avançaram que o aparelho foi visto a arder antes de embater no solo, abrindo-se assim a possibilidade de se ter tratado de um atentado, que pode ter sido de autoria dos serviços secretos russos, como vingança, por exemplo, do atentado em Moscovo que, no ano passado, matou a filha de um importante aliado de Putin e foi realizado pela secreta de Kiev, ou ainda reflexo de lutas internas no regime de Kiev, entre facções com posições distintas sobre o conflito ou outros assuntos na governação do país, que está a receber dezenas de milhões de dólares em apoio externo.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.