Foi o ministro da Defesa russo que, num momento em que nas capitais ocidentais se debate a possibilidade de entrega de aviões de guerra à Ucrânia, na forma de troca de MIg-29 polacos enviados para Kiev e F-16 norte-americanos a aterrar em Varsóvia, que veio arrefecer o optimismo que estava a invadir o mundo a partir de Istambul, onde decorrem as negociações de paz entre as comitivas dos dois beligerantes no leste europeu.
Ainda a promissora brisa da paz não tinha atravessado o Bósforo, o rio que separa a capital turca e os continentes europeu e asiático ao mesmo tempo, e já Serguei Shoigu enviava um forte aviso à navegação, anunciando uma resposta vigorosa da Rússia caso a Ucrânia venha a receber aviões de guerra e sistemas de defesa antiaérea evoluídos. Sem, todavia, enunciar que tipo de medidas seriam tomadas por Moscovo.
O responsável pela Defesa russa, cuja ausência do palco mediático nas últimas duas semanas alimentou forte especulação nos media ocidentais, sendo que uma delas era que tinha tido um ataque cardíaco no calor dos confrontos, disse que o foco agora das suas forças é no leste ucraniano, no Donbass, e avisou ainda os governos europeus para o facto de muitas das armas mais ligeiras, entregues aos ucranianos, como os mísseis Stinger ou Javelin, estarem a ser desviados para outros fins por mercenários presentes no conflito ao lado do Exército ucraniano.
E foi ainda neste contexto que o Ministério da Defesa, desta feita pelo vice-ministro, Alexander Fomin, anunciou uma retirada substantiva das forças russas posicionadas nos arredores de Kiev e CHernihiv, entre de outras cidades no norte do país, para, segundo as agências de notícias russas, "criar uma mais sólida confiança mútua" no decurso das negociações de forma a facilitar a assinatura de um acordo o mais rápido possível.
Também o chefe da delegação russa em Istambul, Vladimir Medinsky, aferiu este reposicionamento de Moscovo, sublinhando que o seu país deu passos fundamentais para "reduzir a conflitualidade" na Ucrânia
Medinsky acrescentou que do lado ucraniano foram acolhidas propostas clarificadoras da sua posição para que seja possível assinar um acordo de paz, que serão agora dadas a conhecerão Presidente Putin e, depois, será dada uma resposta concreta à parte ucraniana, no ar a ideia, agora mais consistente, de que um encontro entre Zelensky e Putin é possível em breve e que este pode coincidir com a assinatura de uma acordo de paz.
Do lado ucraniano, segundo o chefe da delegação na capital turca, Mykhailo Podolyak, um dos pontos considerados essenciais é que a segurança da Ucrânia seja assegurada por terceiros num formato semelhante ao definido pelo Artº 5 da NATO; que é de resposta militar imediata perante uma agressão externa.
Podolyak, que também é um dos principais conselheiros de Zelensky, adicionou que Kiev exige que os terceiros a garantir a segurança ucraniana devem ser os EUA, Reino Unido, Turquia, França e Alemanha, sendo este respaldado por um referendo nacional.
Embora dificilmente a Rússia possa vir a aceitar esta condição, nomeadamente a inserção neste grupo de segurança dos Estados Unidos, depois das palavras ditas pelo Presidente Joe Biden sobre o Presidente russo, Vladimir Putin, a quem considerou um assassino", um "carniceiro" e sobre quem disse que devia "ser afastado do poder" em Moscovo, ou ainda a estrutura dos artigos que permitem apertar o gatilho, este passo é visto pelos analistas como "de extrema importância" por colocar as partes nos "carris da paz" e não no caminho da escalada bélica.
Contexto
A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.