A partir de Washington, o Presidente norte-americano procurou convencer o seu homólogo chinês a afastar-se o mais possível da agressão russa à Ucrânia, tentando obter garantias de que a China não vai apoiar nem militarmente nem financeiramente o esforço de guerra russo, sabendo-se que já tinha feito ameaças de severas consequências se o fizer.
Do outro lado da linha, em Pequim, Xi Jinping explicou ao senhor da Casa Branca que a guerra no leste europeu não interessa a ninguém e que este conflito não foi nem poderia ser uma opção chinesa, aconselhando os americanos a manter o guia das relações diplomáticas dentro dos parâmetros razoáveis.
Para duas horas, isto, como resultado, parece pouco mas, como sempre, o que escorre para os media é sempre um produto refinado por ambas as diplomacias de forma a evitar melindres nos lados em conflitos, sendo certo e seguro que o que Pequim e Washington vierem agora a fazer poderá ter como leitura fazer parte do resultado desta conversa.
Praticamente ao mesmo tempo, em Moscovo, Vladimir Putin, o Presidente russo, lembrava , numa cerimónia comemorativa da anexação da Crimeia, em 2014, cuja transmissão televisiva, inexplicavelmente, saiu do ar, criando rumores sobre as causas que, localmente, foram explicadas como tendo resultado que falhas técnicas, que a Rússia entrou na Ucrânia não para invadir ou ocupar mas sim para proteger os povos das duas repúblicas do Donbass, no leste do país, Donetsk e Lugansk.
No terreno, os ataques russos continuam a fazer machetes nos media globais mas também a resistência ucraniana, que conta com um claro e inequívoco dos EUA e dos seus aliados na NATO.
Paralelamente, além da diplomacia turca, israelita, francesa... também os dois Governos permanecem em conversações via digital para procurarem uma plataforma de entendimento mínimo que permita um cessar fogo e, depois, um acordo de paz subsequentemente a um encontro entre os Presidente Putin e Zelensky, da Ucrânia.
As partes admitem progressos, mas os acertos teimam em ser talhados na dura, para já, intransigência dos dois lados da barricada.
A China vai ser paciente porque corre por fora
Desta fornalha diplomática ressalta ainda o pragmatismo chinês, que ficou demonstrado, mais uma vez, já esta semana, em Roma, Itália, onde, durante sete incandescentes horas, o conselheiro nacional para a segurança de Biden, Jake Sullivan, e o diplomata chinês, Yang Jiechi, discutiram o assunto da guerra no leste europeu, onde o norte-americano deixou, segundo fontes citadas pelas agências, um sério aviso à China das "severas consequências" de um envolvimento mais próximo com a Rússia neste conflito.
Isto, quando se sabe que a China e a Rússia assinaram vários acordos antes deste conflito, incidindo em vários domínios da economia e do comércio, mas não são conhecidos quaisquer entendimentos no âmbito da cooperação militar firmados recentemente.
A parte chinesa repetiu o que tem vindo a ser sublinhado pelo seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é a continuidade das relações de cooperação comercial com a Rússia, cumprindo os acordos assinados entre ambos os países, recusando o alinhamento na estratégia das sanções ocidentais mas reforçando a neutralidade demonstrada na abstenção votada na Assembleia-Geral da ONU onde os EUA e a Albânia apresentaram um projecto de resolução de condenação pesada da invasão russa à Ucrânia.
Para a conversa de hoje, alguns analistas admitiam que a estratégia de Joe Biden passaria por garantir, através de um compromisso com XI Jinping, que a China se mantém de fora da disputa russo-ucraniana, não apoiando, nem financeira nem militarmente Moscovo, de forma a que o esforço de guerra acabe por exaurir as possibilidades belicistas de Moscovo, acabando Putin por soçobrar e, preferencialmente, acabando com as pretensões da Rússia de voltar ao palco das grandes potências mundiais, ao mesmo tempo que Washington aumenta, dia após dia, o apoio de largo espectro a Kiev, tal como a União Europeia.
Com o apoio militar dos EUA e dos restantes países da NATO à Ucrânia, nomeadamente em sistemas de defesa antiaérea, antitanque e logística militar, esta guerra, se não houver um avanço decisivo no campo diplomático, pode prolongar-se sem prazo, o que seria uma catástrofe não só humanitária no campo de batalha, mas também em número de refugiados que já vão em mais de 3,2 milhões, e, com especial enfoque, na crescente crise económica global com o aumento pujante dos combustíveis e dos alimentos em todo o mundo.
Para a China, as exigências dos EUA podem ser vistas como um desafio inaceitável visto não terem uma contrapartida equitativa, e ainda porque Pequim tem bem presente que se a Rússia acabar por cair do seu pedestal de grande potência neste conflito regional, ficará sozinha na vastidão planetária contra um ocidente cada vez mais belicista - o investimento dos países da NATO está a subir de forma substancial nos últimos anos e ainda mais agora -, perdendo "profundidade de campo" no seu problema "interno" que é Taiwan, e que se sabe ser uma questão de "quando" será tratado, provavelmente de forma militar, e não "se" isso vai suceder.
Como é que uma e outra parte se vão desenvencilhar do "nó górdio" com que se estão a deparar, depois desta conversa entre Xi Jinping e Joe Biden não ficou claro, mas poderá ler-se nas entrelinhas do que vier a ser feito pelos dois países, no imediato.
Mas dificilmente a China deixará pelo caminho o seu macroplano de evoluir para a potência económica mundial nº1, para o qual pode ser essencial uma Rússia - e uma Índia, que também não abdicou da sua estratégia neutral mas sem melindrar Moscovo - importante no xadrez mundial.
Todavia, os analistas coincidem num ponto sem grandes divergências: Se a China tem todo o interesse em terminar esta guerra em breve, porque já assegurou da Rússia uma posição vantajosa no campo comercial para o futuro, e porque isso vai permitir ao gigante asiático voltar o negócio do costume, continuando o seu plano para se tornar na maior economia mundial numa década, enquanto prepara o terreno para resolver o imbróglio de Taiwan, para os EUA é importante estender a guerra na Ucrânia até ao ponto em que a Rússia soçobre e perca o vigor próprio das grandes potências, até porque as consequências nefastas do conflito, como a avalanche de refugiados e os custos humanitários deverão ser amortecidos substancial e maioritariamente pela União Europeia.
Contexto
A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...
Milhares de mortos e feridos e mais de 3 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.