Em seis meses, precisamente o tempo que já dura a guerra no leste europeu, opondo ucranianos e russos, a Rússia, que está entre os três maiores exportadores e produtores de crude e de gás em todo o mundo, já recebeu, pela exportação do sector energético cerca de 160 mil milhões de dólares norte-americanos, como revelou o Centro para a Pesquisa em Energia e Ar Limpo (CREA) com sede na Finlândia.
Este valor, apesar de não divergir substancialmente do que a Rússia arrecadava antes da guerra - perto de mil milhões USD por dia -, e especialmente dos sucessivos pacotes de sanções ocidentais, elaborados enfaticamente para destruir a economia russa, tem como substância extraordinária o facto de provar que as sanções só não estão a resultar minimamente no que diz respeito a restrições neste sector como deixa em evidência a hipocrisia da União Europeia ao ser este bloco da Europa ocidental quem mais pagou a Moscovo apesar de ser o principal impulsionador das sanções e ser, logo a seguir aos EUA, o maior fornecedor de apoio militar e financeiro à Ucrânia.
Dos mais de 160 mil milhões USD recolhidos pela Rússia com a exportação de energia fóssil em seis meses, mais de metade, segundo este estudo do CREA, foram entregues pela União Europeia.
O think thank finlandês mostra ainda, através de números definidos, que a UE foi o maior importador de combustíveis fosseis russos desde o início da invasão, num total de 85 mil milhões, quando a China, com 35 mil milhões, e a Turquia, com 11 mil milhões, seguem a grande distância.
Isto, quando tem sido noticiado em abundância que a Rússia esteve estes seis meses a manter o seu volume exportador de crude graças a uma mudança de azimute geográfico das suas vendas para a Índia e a China... mas, afinal foi sempre a velha União Europeia a manter o financiamento regular e volumoso da máquina de guerra russa através da compra de crude e gás.
De todo este dinheiro, o CREA avança ainda que mais de 43 mil milhões USD foram directamente para os cofres do Estado russo desde o início da guerra, sublinhando que este volume gigantesco de receitas resulta não de um aumento das exportações, pelo contrário, estas baixaram 18%, mas sim do aumento acelerado do preço da energia nos mercados internacionais, o que permite a Moscovo ganhar de duas formas: manter as suas reservas, poder ser generoso com os amigos através de vendas a grandes descontos e manter o nível das receitas sem grandes perturbações.
O CREA admite ainda que este cenário mostra que, apesar de não estar a perder dinheiro, pelo contrário, a Rússia mostra à evidência que a Europa ocidental tem uma dependência do seu sector energético, gás e crude - aparentemente libertou-se da necessidade de carvão russo -, que não consegue substituir eficazmente, confirmando que o Kremlin tem na mão uma poderosa arma contra a UE que pode ser letal para a economia ocidental sem disparar uma bala, basta fechar a torneira no próximo Inverno, a época fria no Hemisfério Norte, onde as temperaturas chegam aos 40ª negativos em países do norte da Europa e o gás é essencial para o aquecimento das casas e na poderosa e estratégica indústria química da Alemanha.
E a guerra continua
Ao fim de seis meses de guerra, a Ucrânia parece estar a conseguir, pelo menos de acordo com fontes norte-americanas e britânicas, empurrar ligeiramente as forças russas que ocupam parte do território no sul, junto à costa do Mar Negro.
Este relativo sucesso, é fruto da previamente anunciada contra-ofensiva das forças ucranianas que visa, segundo o Presidente Volodymyr Zelensky, reerguer a bandeira ucraniana nos territórios perdidos nestes meses para os invasores.
Estes avanços ucranianos são resultado do emprego de perto de 100 mil homens nesta contra-ofensiva, em unidades equipadas com armamento sofisticado oferecido pelos EUA, especialmente os Howitzers M777, canhões de longo alcance, e os HIMARS, unidades móveis de lançamento de foguetes de precisão.
Os russos, por sua vez, garantem que as tropas de Kiev estão a ser fortemente combatidas e rechaçadas com elevadas perdas.
Não há forma de confirmar quem está a mentir porque nesta guerra, tal como em quase todas as outras, a mentira tem mil caras e a verdade foi a sua primeira vítima.
Mas sabe-se que os EUA estão a perder o pudor em entregar cada vez mais armamento sofisticado a Kiev e a reduzir os cuidados em entregar peças que não permitam ataques em profundidade no território da Federação Russa porque isso poderia levar Moscovo a considerar um ataque directo dos EUA à sua geografia existencial.
Numa notícia recente, a publicação norte-americana The Hill diz que o Presidente Joe Biden acredita agora que pode passar incólume se abrir a torneira ao armamento de maior alcance a Kiev sem que isso leve a uma escalada.
Isto, porque os EUA têm mantido um perfil baixo quando se trata de permitir a entrega de peças como aviões, helicópteros ou artilharia pesada de precisão aos ucranianos pelo receio de que estes os usem para ataques de profundidade à Rússia, podendo com isso despoletar uma escalada que conduza a um confronto directo entre russos e os aliados ocidentais da NATO; o que, tanto Joe Biden como o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, admitiram desde o início que tal confronto teria como desfecho inevitável o recurso ao arsenal nuclear e, por isso, uma catástrofe atómica global.
Porém, agora, ao que conta The Hill, citado pelo site da Russian Today, esse receio está a diluir e Washington tende a abrir mais e mais a porta para a saída de armamento cada vez mais poderoso para Kiev combater os russos porque, nos últimos meses, os americanos estão a enviar mais, em volume e qualidade, armamento e a reacção russa tem sido ficar-se por ameaças, contando Joe Biden que isso significa que Moscovo não passará disso mesmo, de reacções verbais.
De Moscovo, a reacção, sempre que aumentam os envios de armas para a Ucrânia, é que estas só vão prolongar o conflito sem que isso tenha um impacto importante na disposição das unidades de combate de Moscovo no terreno.
Carne para canhão
O Presidente da Federação Russa, sobre este tema, aproveitou uma conferência sobre segurança em Moscovo para acusar os Estados Unidos de estarem a usar os ucranianos como "carne para canhão" de forma a prolongar o conflito na Ucrânia para desgastar a estrutura militar russa.
A guerra na Ucrânia, que já trespassou a barreira psicológica dos seis meses de duração, após a invasão pelas forças russas, a 24 de Fevereiro, está a entrar numa fase em que os objectivos militares que compreendam avanços e ganhos territoriais, de um e do outro lado, têm de suceder nas próximas duas a três semanas porque a aproximação do rigoroso inverno nesta parte do leste europeu torna impossível quaisquer manobras regulares.
Esse facto permite aos analistas militares colocar como mais forte hipótese a procura dos russos de consolidar posições no Donbass e no sul da Ucrânia, enquanto as forças de Kiev vão aproveitar este espaço de tempo para provocar danos na moral dos invasores.
E é neste cenário que o chefe do Kremlin, há cerca de duas semanas, aproveitando uma conferência sobre segurança que teve lugar em Moscovo, procurou aplicar um golpe psicológico nas forças ucranianas, afirmando que estas estão a ser usadas pelos Estados Unidos da América e pelos seus aliados europeus como "carne para canhão" de forma a prolongar o mais possível esta guerra com a qual Washington quer fragilizar o poderio militar de Moscovo.
Com estas palavras, Vladimir Putin estava a dizer aos combatentes ucranianos que não é pela defesa da democracia ou do país que estão a morrer na condição de "carne para canhão" mas sim porque isso interessa aos ocidentais como forma de enfraquecerem a Rússia através de uma guerra de desgaste o mais longa possível que alimenta através de uma máquina propagandística que visa "criar uma fobia aos russos e uma ideia anti-Rússia com base na enfatização de valores fermentados numa ideologia neo-nazi" que vê o povo do Donbass como "objecto natural de aniquilação", apostado no "fornecimento contínuo de armas pesadas aos ucranianos".
Estas palavras foram depois complementadas por uma declaração do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, que retira a este conflito parte do risco que continha numa escalada catastrófica ao afirmar que Moscovo não prevê em nenhuma circunstância recorrer ao seu arsenal nuclear na Ucrânia, o que tem sido sub-repticiamente admitido pelo vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, antigo Presidente russo, ao longo dos últimos meses, o que representa muito atendendo que se trata de um dos mais fieis colaboradores de Putin.
Mas Shoigu, citado pela Reuters e noticiado pelo The Guardian, fez uma acusação grave aos ocidentais que estão mais próximos de Kiev e mais alimentam o seu esforço de guerra, Washington e Londres, acusando-os de estarem a planear directamente as acções militares levadas a cabo pelos militares ucranianos, na tal condição de "carne para canhão" referida por Putin na mesma conferência internacional de segurança que teve lugar na capital russa.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.