"Colegas, foram demasiado longe nesta histeria nuclear ao interpretar das palavras do Presidente sobre ataques nucleares como uma ameaça quando nada disso existe", correu apressadamente para o Twitter o assessor de imprensa de Zelensky, Sergey Nikoforov, numa clara tentativa de reduzir danos provocados pelas palavras inusitadas do líder ucraniano.
Isto, já depois de se ter sabido que Volodymyr Zelensky era um dos nomes da lista curta de favoritos ao Prémio Nobel da Paz - o mais prestigiado dos Nobel, qua acabou por não ganhar -, e depois de o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ter vido a público alertar para as desajustadas e perigosas palavras de Zelesky sobre uma propalada ameaça nuclear feita pela Rússia quando, sublinhou, "a doutrina russa de uso das armas nucleares é bem conhecida" e não existem dúvidas sobre "as bem especificadas situações onde o seu uso está previsto", o que não sucede de todo no actual contexto do conflito ucraniano.
O Kremlin foi ainda mais longe ao acusar o agora candidato ao Nobel da Paz de estar a querer "iniciar uma guerra nuclear" sob um inadequado pretexto de que tal anularia a capacidade russa de fazer um ataque nuclear à Ucrânia, sem, aparentemente, considerar que isso levaria a uma guerra mundial que conduziria à destruição da Humanidade.
Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa disse mesmo que o líder ucraniano "só pode ser um monstro" quando apela a uma situação que conduziria à aniquilação total.
Mas o seu assessor de imprensa veio, logo a seguir, face às reacções negativas conseguidas pelas perigosas palavras de Zelensky, garantir que o Presidente ucraniano estava, antes, a lembrar que um ataque preventivo da NATO levaria a Rússia a não dar início à sua invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro.
Presidente dos EUA avisa que ameaça nuclear russa coloca mundo em risco de "apocalipse"
Entretanto, o Presidente norte-americano disse que a ameaça russa de utilizar armas nucleares no conflito da Ucrânia coloca o mundo em risco de um "apocalipse"
Tal acontece pela primeira vez desde a crise dos mísseis cubanos no auge da Guerra Fria, sublinhou Joe Biden, citado pela Lusa.
"Não enfrentamos a perspectiva de um apocalipse desde [ex-Presidente John F.] Kennedy e a crise dos mísseis cubanos" em 1962, afirmou, numa angariação de fundos em Nova Iorque, onde disse que o homólogo russo, Vladimir Putin, "não estava a brincar" quando fez as ameaças.
Há meses que responsáveis norte-americanos alertam para a perspetiva de a Rússia poder utilizar armas de destruição maciça na Ucrânia, após uma série de reveses estratégicos no campo de batalha.
No entanto, ainda esta semana disseram não ter visto qualquer mudança nas forças nucleares russas que exigisse uma mudança na postura de alerta das forças nucleares dos EUA.
"Não vimos qualquer razão para ajustar a nossa própria postura nuclear estratégica, nem temos indicação de que a Rússia se está a preparar para utilizar iminentemente armas nucleares", disse na terça-feira a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.
Esta quinta-feira, Biden disse que ainda estava "a tentar descobrir" a "rampa de saída" de Putin na Ucrânia.
"Onde é que ele vai encontrar uma saída? (...) Como é que ele se encontra numa posição em que não só perde a face como perde poder significativo dentro da Rússia?", perguntou Biden.
Putin aludiu repetidamente à utilização do vasto arsenal nuclear, incluindo no mês passado, quando anunciou os planos de mobilização parcial.
"Quero lembrar-vos que o nosso país também tem vários meios de destruição (...) e quando a integridade territorial do nosso país for ameaçada, para proteger a Rússia e o nosso povo, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição", disse Putin a 21 de setembro, acrescentando, com um olhar prolongado para a câmara: "Isto não é um "bluff'".
O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse na semana passada que os EUA têm sido "claros" para a Rússia sobre quais seriam as "consequências" da utilização de uma arma nuclear na Ucrânia.
O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que Putin compreendeu que o "mundo nunca perdoará" um ataque nuclear russo.
"Ele compreende que, após o uso de armas nucleares, não seria mais capaz de preservar, por assim dizer, a sua vida, e estou confiante nisso", afirmou.
Recorde-se que o Kremlin tem divulgado com insistência a sua doutrina nuclear, especialmente depois de o Presidente russo, Vladimir Putin ter dito que usaria o seu arsenal nuclear em caso de necessidade sob uma ameaça existencial da Rússia, e que compreende três pilares fundamentais: perante um ataque nuclear à Rússia, face a uma ameaça existencial mesmo que na forma de ataque convencional ou quando a sua infra-estrutura de suporte ao arsenal nuclear estiver sob ataque directo.
Novas da frente leste
Com o avançar dos dias e a chegada iminente do "General Inverno", onde os dois lados da barricada vão ficar entalados no frio de mais de 30 graus negativos, por vezes mesmo mais, tanto ucranianos como russos procuram consolidar posições ganhas ao opositor e nisso os homens de Kiev estão a levar a melhor sobre as unidades de Moscovo, pelo menos para já.
Com alguns avanços no Donbass, nomeadamente com a tomada de Liman, uma cidade estratégica no acesso aos territórios conquistados pelos russos, nalguns locais mais de 20 kms, os ucranianos conseguiram vencer no campo da comunicação, pelo menos no ocidente, ao sucesso do processo de anexação conduzido pelos russos, desde os referendos à aprovação legal e política dos documentos, que hoje tiveram a última etapa com a câmara alta do Parlamento russo (Duma) a assinar as leis finais da integração de Zaporijia, Kherson, LUgansk e Donetsk na Federação Russa.
Mas as coisas, como estão a sublinhar alguns analistas militares, podem estar a mudar, com uma esperada contra-contra-ofensiva russa, alimentada já pelos milhares de reservistas mobilizados nas últimas semanas à linha da frente, notando-se já mudanças de curso dos combates em Kharkiv e no sul, além da frente de Donetsk, onde os ucranianos investiam mais nos últimos dias.
Segundo se pode ler nas redes sociais, o Ministério da Defesa russo anunciou, na rede social Telegram, que moradores de Lugansk foram para as ruas receber de forma efusiva os reservistas com os quais Moscovo promete mudar em definitivo o curso desta guerra e acabar com ela através de uma vitória célere.
Estes militares reservistas, na sua maioria, segundo o Kremlin, vão garantir as linhas de logística e protecção secundária de infra-estruturas de forma a que as tropas melhor preparadas não tenham essa função a retirar músculo à linha da frente.
Recorde-se que a 21 de Setembro, Vladimir Putin assinou um decreto que autorizava uma "mobilização parcial" na Rússia de 300 mil reservistas e o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, rapidamente avançou para esse processo considerado fundamental para travar as recentes perdas russas de territórios na contra-ofensiva de Kiev das últimas semanas.
Neste momento histórico para a Federação Russa mas ao qual todo o ocidente se opõe, e o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,já disse que não vai deixar que procura recuperar, Putin aproveitou para desferir fortes acusações aos ocidente, especialmente, aos Estados Unidos, a quem acusou de não buscar nem a paz nem a harmonia internacional mas sim a subjugação dos povos que não se alinham com a sua vontade e os seus interesses.
O senhor do Kremlin disse ainda que os habitantes de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson fizeram uma opção livre e sem dúvidas para se juntarem a Rúsia e deixou claro que não há meios indisponíveis para defender estas novas regiões russas. "Todos os meios necessários serão colocados nesse esforço", avisou.
E Putin foi ainda claro ao dizer que estes novos cidadãos russos, estes novos territórios russos sê-lo-ão para sempre, e nada nem ninguém se poderá intrometer na história da Federação Russa.
Demonstrando que os seus objectivos na invasão da Ucrânia estão conseguidos, o que é a grande novidade neste discurso, Vladimir Putin lançou um apelo ao Governo ucraniano para acabar com a guerra aceitando um cessar-fogo mediato, e que tudo o que vier a suceder a partir de agora seja fruto de trabalho entre os dois países à mesa das negociações.
"Pedimos ao regime de Kiev que cesse todas as hostilidades, pare com a guerra que começou em 2014 (referindo-se aos ataques ao Donbass e ao golpe de Estado apoiado pelo ocidente) e regresse à mesa das negociações", porque as pessoas "fizeram as suas escolhas claras" e estas, advertiu, "devem ser vistas com respeito" porque "essa éa única via para a paz".
A resposta de Kiev já é conhecida, não porque Zelensky tenha falado após o discurso no Kremlin, mas porque fez questão de antecipar este momento afirmando que não vai ceder qualquer território a Moscovo, que a guerra não vai parar enquanto esses territórios não estiverem todos recuperados e, já depois do discurso de Putin, anunciou o pedido formal de adesão da Ucrânia à NATO..
E conta com o apoio igualmente claro e inequívoco do ocidente, com os EUA e a União Europeia a aproveitarem os momentos imediatamente anteriores aos tratados assinados no Kremlin para garantirem mais armas e mais apoio financeiro a Kiev no seu esforço de guerra com Moscovo, embora a questão da adesão à NATO seja uma questão substancialmente mais complexa, porque Washington já disse que essa possibilidade está afastada.
Na primeira reacção conhecida de um actor internacional importante, e a mais férrea aliada de Kiev na defesa da guerra, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Leyen, já veio dizer, via Twitter, que "a anexação ilegal proclamada por Putin não vai alterar nada".
Ursula Leyen disse ainda que "todos os territórios ilegalmente ocupados pelos russos invasores são ucranianos e sempre o serão, porque se trata de terras de uma nação soberana".
E o Presidente Zelensky mandou reunir de urgência o Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, prometendo fazer uma declaração específica, em vídeo, como costume, sobre este tema mais tarde, sendo, todavia, de prever, que fosse apenas o anúncio da continuação dos combates para voltar a erguer a bandeira azul e amarela onde agora está a russa, mas, além disso, acrescentou que foi feito um pedido formal de adesão à Aliança Atlântica, a organização de defesa criada em 1949 com o objectivo de estancar o avanço da antiga União Soviética na Europa e, depois do colapso desta, passou a ter a Rússia na mira.
Um dos riscos imediatos é que aos esperados ataques a estes novos territórios anexados pela Rússia por parte da Ucrânia, o Kremlin responda com ataques, como antecipam alguns analistas militares, a infra-estruturas e centros de decisão ucranianos, incluindo edifícios do Governo e até mesmo membros do Governo de Volodymyr Zelensky podem passar a ser alvos dos mísseis de longo alcance russos...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.