E é por isso que o republicano e antigo Presidente, Donald Trump, e a democrata e actual vice-Presidente, Kamala Harris, apostaram tudo o que têm em estados como o Arizona, o Wisconsin, a Geórgia, o Michigan ou a Pensilvânia, os cinco grandes "campos de batalha" por onde se estende, sobre sangue, suor e lágrimas, a passadeira vermelha para a Casa Branca.
Na última semana, Trump e Harris pousaram os seus aviões de campanha duas a três vezes em cada um destes estados, incluindo outros igualmente deslizantes, como a Carolina do Norte, mas nas derradeiras 48 horas de campanha, os sinais de desespero começaram a saltar como pipocas em óleo a ferver.
Do lado do republicano ouviram-se declarações ainda mais extraordinárias que o costume, como a ideia de que não se importaria de ser atingido por uma segunda bala se essa bala fosse depois atingir a banca da imprensa, acusando os jornalistas de estarem por detrás das sondagens falsas e das "feke news" que dão a vitória à sua adversária ou a ajudam a ganhar vantagem.
E este sinal de desespero claro não emerge do vazio, ele chega aos ecrãs dos jornais acompanhado de notícias que dão conta de que Donald Trump não vai aceitar a derrota, caso seja esse o veredicto final dos eleitores, não apenas porque se acha roubado, mas sim porque acha que isso seria injusto.
Ou seja, para o ex-Presidente, que veio agora dizer que "nunca devia ter deixado a Casa Branca" em 2020, quando perdeu para Joe Biden, uma alusão à ideia de que deveria protagonizar um golpe de Estado, o "day after" eleitoral, se perder, não quer dizer nada. Vai vender cara a derrota!
Isto, porque, por entre rumores ensurdecedores a percorrer as redes sociais, especialmente o X, do seu aliado Elon Musk, ou a sua própria, a Truth Social, de que se perder desencadear-se-á uma guerra civil nos Estados Unidos, Trump já gastou mais de 90 milhões USD em advogados para preparar a litigância judicial numa primeira fase se vier a perder as eleições.
E não se tem cansado de chamar os mais deselegantes nomes à sua adversária, acusando-a de ser "a mais incompetente e estúpida vice-Presidente de sempre" nos EUA, sendo esse o epiteto mais simpático de todos, insistindo até à exaustão na tecla da imigração que está a invadir o país pela mão dos democratas.
Está claro que se Donald Trump, na noite de amanhã, terça-feira, 05, para quarta-feira, perceber que Kamala Harris vai na frente sem possibilidades de inversão da tendência à medida que os votos forem sendo contados, o telefonema bem-educado para a sua adversária a aceitar a derrota, nunca acontecerá.
Pelo contrário... adivinham-se dias de ferro e fogo na justiça e nas ruas, porque, como sublinham vários analistas, incluindo alguns de crédito e mérito global, como Noam Chomsky, que falam numa América mais dividida que nunca, há sinais de que o que se passou a 06 de Janeiro de 2020, com o assalto ao Congresso, após se conhecer a derrota de Trump, pode ser, em comparação, coisa de crianças.
E do outro lado?
Do outro lado da barricada, há um momento histórico na história das eleições nos Estados Unidos que não larga o pensamento da equipa de campanha de Kamala Harris, tendo já adquirido foro de "síndrome".
É o "síndrome Hillary Clinton", quando a antiga secretária de Estado de Barack Obama, e mulher do ex-Presidente Bill Clinton, enfrentou Trum nas eleições de 2016 e, mesmo ganhando as eleições... perdeu.
Na altura, nesse ano de 2016, Hillary Clinton era favorita em todas as sondagens, que a davam como vencedora antecipada, mas, no fim, mesmo tendo obtido mais quase 3 milhões de votos que Trump, perdeu o acesso à Casa Branca.
Isto foi possível devido ao idiossincrático sistema eleitoral norte-americano, porque nele os eleitores dos 51 estados elegem os denominados "grandes eleitores", que são 538, e que, no fim, votam no seu candidato, que precisa de obter 270 para obter as chaves da Casa Branca.
Ora, mesmo tendo mais votos populares, Hillary Clinton conseguiu menos grandes eleitores, porque nem todos os estados elegem o mesmo número destes votos decisivos, o que pode bem suceder de novo, quando as sondagens, mesmo com escassa margem, dão vantagem a Kamala Harris.
E é por isso que, também do lado dos democratas, os sinais de desespero não são menos relevantes, de natureza diferente, mas não menos evidentes, como, por exemplo, a aposta esmagadora em centenas de milhões de dólares em publicidade nas grandes cadeias de televisão a atacar Trump de todas as maneiras imagináveis.
Alguns desses ataques não são mais elegantes que aqueles que Trump tem desferido contra Harris, apelidando-o de misógino, homofóbico, nazi, fascista, agressor sexual, racista, de forma a retirar-lhe, imagine-se, o voto das minorias, especialmente a gigantesca minoria latina.
Isto, porque a comunidade latina vota maioritariamente republicano e em Trump com ênfase especial, porque, como o demonstram múltiplos estudos sociológicos, os latinos são os primeiros a defender o encerramento de fronteiras e a deportação dos ilegais.
Isto, porque são os imigrantes ilegais oriundos da América Latina são a grande ameaça aos seus empregos, que mantém à custa de baixos salários mas que, ainda assim, os ilegais ameaçam por aceitarem receber ainda menos... que os seus "hermanos".
Além disso, a democrata, que bateu todos os recordes de gastos com a campanha multimédia, tem levado para os palcos dos sucessivos comícios, alguns dos grandes nomes do show business americano, onde, entre outros, despontam nomes como Beyonce, Bom Jovi, Bruce Springsteen... além dos pesos-pesados do partido, como as famílias Obama e Clinton.
E se Trump bate furiosamente na tecla das fake news criadas para o prejudicarem ou da deportação histórica dos ilegais que promete, para defender os EUA da invasão alien, Harris aposta tudo na sensatez, que é o mesmo que dizer na questão dos direitos civis, como o aborto, a igualdade de género, a defesa dos apoios sociais, especialmente na área da saúde...
A par desta eleião directa do Presidente dos EUA, que assume uma predominância mediática quase total, a verdade, porém, é ais complexa, porque igualmente em liça vão estar uma boa parte dos eleitos para o Congresso, tanto na Câmara dos Representantes como no Senado.
E isso é importante, porque, entre os vários cenários, este: um Presidente de um dos partidos, Democrata ou Republicano, na Casa Branca, e uma maioria nas duas câmaras do Congresso, Representantes e Senado, do outro partido, o que obrigaria a negociações de grande e permanentemente abrasividade.
No cenário em que Trump ganha a Casa Branca e os democratas a maioria nas duas alas do Congresso, a governabilidade seria quase impossível, mas se Harris entrar na Casa Branca como Presidente, um Congresso republicano poderia ser ligeiramente mais soft porque Trump estaria fora do baralho e sem ele por perto, o partido republicano fica claramente menos belicista.
Mas isso é ainda cedo para se perceber, e até nos dias seguintes poderá não ser possível devido às idiossincráticas possibilidades que a Constituição permite para lidar com disputas pós-eleitorais.
E na política externa?
Não é incomum dizer-se que todos os cidadãos do mundo deveriam ter direito a votar nas eleições dos EUA porque tamanha é a influência que a maior economia do Planeta e a maior potência militar global tem sobre todos e cada um de nós.
Isso, mesmo que tal proeminência esteja claramente já abalada pelo crescente bloco do Sul Global representado pelos BRICS, assentes no eixo China-Rússia-Índia, é possível de verificar pela cobertura mediática que as eleições norte-americanas merecem e todos os países do mundo.
Mas, no que diz respeito a África e a Angola, o que representa uma mudança na Casa Branca...?
Provavelmente quase tudo, porque é conhecido e famoso o alheamento de Trump - basta ir ver os anos em que foi Presidente, entre 2016 e 2020 -, para a política externa, sendo o seu mote concentrar quase tudo na política interna, e muito menos atenção prestou a África...
Para Angola, esta questão assume especial interesse, porque, com a Administração democrata de Joe Biden, Luanda passou a estar no mapa das prioridades dos EUA, como se vê pela aposta de Washington no Corredor do Lobito, cujo potencial passa quase em absoluto pela ligação à RDC e aos gigantescos recursos naturais congoleses.
Recursos naturais esses que são a pedra de toque da luta global entre americanos e chineses pelo domínio e influência em todo o mundo, sendo o "factor x" das novas indústrias tecnológicas, de onde despontam minérios como o coltão, cobalto ou as insondáveis terras raras.
E a grande questão é claramente uma: se Kamala Harris vencer, nada obsta a que a aposta de Washington no Corredor do Lobito como prego espetado na estratégia monopolista da China nos recursos da RDC tenha continuidade, mas se Trump vencer, poucas garantias há de que os americanos passem ao lado deste projecto.
A única estaca que pode aguentar o peso do alheamento histórico que Trump dedica a África é o facto de também ele ter a China como "inimigo a abater" e a questão dos recursos africanos terem, sem sombra de dúvida, um papel de primeira linha nesse combate global entre as duas grandes superpotências económicas.
Igualmente relevante é a programada visita de Joe Biden a Luanda na primeira semana de Dezembro, porque se pode perguntar, naturalmente, qual será o ponto de manter a visita em caso de vitória de Donald Trump?
Claro que há a relação pessoal forjada entre Biden e o Presidente João Lourenço, e ainda o facto de os Estados terem continuidade nos seus interesses estratégicos, que vão além das lideranças políticas...
Mas é igualmente verdade que Donald Trump não será um Presidente como os outros, não apenas por causa da sua famosa teimosia, mas também pelo ódio que se ergueu entre Trump e a dupla Biden e Kamala Harris, que não tem paralelo com nenhum outro período histórico na política norte-americana, especialmente no grau de agressividade visível da retórica de campanha.
Mas só depois, no pós-eleições, quando as equipas de Trump, se este sair vencedor do pleito de amanhã, começarem o processo de passagem de pastas, é que se saberá se o regresso à Casa Branca permitirá ou não manter algumas das apostas estratégicas de Biden e se, entre estas, estará a questão das elações entre Luanda e Washington e o investimento no Corredor do Lobito.