Este novo episódio do "eterno" conflito israelo-palestiniano começou, há pouco mais de uma semana, com confrontos entre radicais islâmicos e judeus fundamentalistas em Jerusalém, a cidade santa para as três religiões monoteístas, judaísmo, islamismo e cristianismo, comummente denominadas como as religiões do "Livro", na área historicamente incandescente onde se situam a Esplanada das Mesquitas, o Muro das Lamentações e o Santo Sepulcro, mas um enorme "elefante" não deixa a "sala" das porcelanas: a aparente impossibilidade de formação de um Governo em Tel Aviv.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahau, ao fim de quatro eleições sucessivas, não consegue formar um Governo estável e mantém-se em funções sob condição, com nova ida às urnas à espreita, enquanto decorre na justiça um conjunto de processos onde é suspeito de corrupção e peculato, entre outros crimes, arriscando mesmo a cadeia.
Isto, segundo alguns analistas, é uma das razões para que o "filme" da violência e terror neste canto do Médio Oriente voltasse do intervalo, porque pode, como usualmente acontece, levar os israelitas, acossados diariamente pela ameaça das centenas de roquetes disparados pelo Hamas, a voltarem-se para Benjamin Netanyahau, considerado um "falcão", como a solução, garantindo-lhe a manutenção no poder e, assim, uma protecção face ao risco de um julgamento e de uma eventual condenação.
A outra razão igualmente sublinhada por quem observa este conflito há mais tempo, é que o Hamas, criado em 1987 para libertar a Palestina, no rescaldo da 1ª Intifada, em confronto directo com os moderados da Organização de Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat, um movimento com várias dimensões, incluindo, além da militar, a social, política e religiosa, que ora se opõe, ora de alia à Autoridade Palestina, o Governo dos territórios que ainda não possuem estatuto de Estado, tem neste conflito, igualmente, uma boa parte da sua "razão de ser" e fortalece-se sempre que o "filme" da guerra retoma.
Com este pano de fundo, os mesmos analistas notam que o Hamas e Netanyahau são, embora sem o admitir, nem de perto nem de longe, "aliados", porque quando se combatem, fortalecem-se política e socialmente, embora a assimetria do conflito, com os roquetes caseiros dos radicais islamistas de um lado, e os misseis de cruzeiro, os sofisticados drones e os poderosos F-16 ao serviço dos falcões israelitas, do outro, não deixem margem para dúvidas sobre quem mais sofre.
E é isso que os números conhecidos das vítimas de um lado e do outro evidenciam. Desde que este novo conflito deflagrou, há cerca de uma semana, morreram quase duas centenas de palestinianos, entre estes dezenas de crianças, em Gaza, sob o efeito dos raides e bombardeamentos israelitas, e 10 pessoas, duas delas crianças, perderam a vida do lado israelita.
Noite trágica
Na segunda-feira, Gaza voltou a ser alvo de fortes bombardeamentos, incluindo edifícios alegadamente civis, e ainda aquilo que parece ter sido um "truque" em que a "intelligentsia" israelita usou os media internacionais para debilitar os combatentes do Hamas, ao anunciar um falso início de uma invasão terrestre, conduzindo centenas de combatentes deste movimento para os tuneis que ligam a área urbana de Gaza à fronteira com Israel, onde acabaram por ser apanhados por uma barreira de fogo de artilharia e mísseis teleguiados com grande poder de penetração no solo.
Os ataques que foram reportados na manhã de segunda-feira, pela imprensa internacional, parecem ser mais devastadores que os dos últimos dias, dando seguimento à ameaça do primeiro-ministro israelita onde este diz que os ataques vão sofrer um forte incremento em dimensão e intensidade.
Isso mesmo o demonstram os sucessivos raides da Força Aérea israelita sobre a Cidade de Gaza, a capital desta apertada faixa de território com pouco mais de 30 km de comprimento de costa por cerca de 10 de largura, que é um dos territórios dispersos e descontínuos da Palestina, com os media locais e os correspondentes dos media internacionais a relatarem a existência de um número elevado de mortos, que se somam aos 42 de Domingo, tendo ainda deixado uma boa parte do território sem electricidade.
Enquanto as cadeias de televisão e as agências de notícias difundem imagens de Gaza sob escombros, como sucedeu com o edifício onde estavam alguns media internacionais, como a Al Jazeera, do Qatar, e a norte-americana Associated Press, os raides israelitas sucedem-se a um ritmo mais feroz dia após dias, ao mesmo tempo que os ceús se enchem de roquetes lançados pelo Hamas, alguns com um alcance superior ao que era conhecido até aqui, atingindo mesmo Tel Aviv, a capital israelita situada a cerca de 70 km's da Cidade de Gaza.
No entanto, a esmagadora maioria dos roquetes lançados pelo Hamas, produzidos localmente com apoio, alegadamente, da Síria e do Irão, são interceptados pelo sistema de defesa anti-míssil israelita, denominado "cúpula de ferro", desenhado especialmente para destruir engenhos explosivos disparados para áreas urbanas em Israel, especialmente criado para os roquetes e a artilharia do Hamas de curto alcance.
Em sentido oposto, a esmagadora maioria dos ataques israelitas são bem-sucedidos, sendo igualmente factual que as Forças Armadas de Israel, que, segundo Netanyahau alvejaram 1.500 alvos nos últimos dias, em Gaza, efectuam ataques de precisão devido à avançada tecnologia empregue, em grande parte fornecida pelos EUA, diminuindo o risco de vítimas colaterais entre a população civil, o que é objectivamente quase impossível de evitar porque Gaza possui uma das mais altas densidades de habitantes por metro quadrado em todo o mundo, com 1.8 milhões de pessoas dispersas por 363 quilómetros quadrados.
Como sair disto?
Enquanto do lado israelita o primeiro-ministro ameaça reforçar os ataques, o que está a cumprir, do lado dos palestinianos, sublinham-se os danos colaterais, com imagens de crianças mortas nos braços de familiares desesperados, ao mesmo tempo que o Hamas promete manter o esforço de retaliação.
A comunidade internacional começa a fazer-se ouvir. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres - depois de mais uma sessão inconclusiva do Conselho de Segurança devido à oposição a uma decisão em uníssono por parte dos EUA -, que insiste nos apelos à paz, à negociação como forma de sair da actual crise e na reafirmação da solução de dois Estados com a mesma capital, em Jerusalém, como única saída para este histórico conflito.
O Papa Francisco pede que a paz prevaleça e que seja colocado um ponto final dos ataques devastadores de um lado e do outro.
A Administração Biden já disse que os ataques sejam refreados e que os media internacionais em Gaza devem ser poupados, num claro recado a Tel Aviv, apesar de insistir em não aceitar uma condenação formal de Israel.
A União Europeia, enquanto bloco, e os seus Estados-membros, de per si, tem emitido repetidos apelos ao fim dos ataques e ao regresso às negociações.
Para já, nada tem surtido efeito, ou parece estar em vias de assim suceder.
O Conselho de Segurança, que, recorde-se, é composto por 15 membros, 10 rotativos e cinco com assento permanente, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, esteve reunido no fim-de-semana e, como se esperava, os seus membros ficaram-se pelo apelo à paz e ao fim das hostilidades bem como ao respeito pela lei internacional, porque os EUA recusam, como sempre, um posicionamento em sentido único.
O Secretário-Geral dirigiu este encontro pessoalmente para concluir que se está perante uma das mais sérias crises na região desde há muitos anos mas que, como assim tem sido ao longo de décadas, nada mudou na forma do CS lidar com o problema.
O português António Guterres sublinhou, porém, que os riscos de uma espiral de violência com consequências devastadoras é mais que evidente, mas apontou igualmente que não pode ser ignorado o risco de uma evolução do conflito para toda a região. A resposta, pelo menos, no tempo, de Netanyahau foi que o ritmo dos ataques vai crescer para garantir que o Hamas é neutralizado.
Cenário de fundo
Como pano de fundo para este prolongado conflito, que é uma espécie de filho das guerras devastadoras que opuserem Israel aos países árabes da região ao longo do século XX, incluindo as conhecidas Guerra dos Seis dias, em 1967, ou a Guerra do Yon Kippur, em 1973, ou ainda a de 1948, que coincidiu com a criação do Estado de Israel, todas ganhas por Israel, com forte apoio ocidental, especialmente dos EUA, está a sucessiva conquista e ocupação de territórios da Palestina pelas forças israelitas.
O Estado de Israel é hoje substancialmente maior em território que aquele do acto da sua criação. Isto, porque a política israelita tem sido de sucessivo avanço sobre terras palestinianas com a instalação de colonatos, e contrariando leis internacionais, a ponto de a Palestina, que não possui estatuto de Estado, embora alguns países assim a reconheçam, ser hoje uma "entidade" territorialmente descontínua, entre, especialmente, a faixa de Gaza e a Margem Oeste (West Bank)
Mas até 1948, este território estava sob controlo do Império Britânico como consequência do fim da I Guerra Mundial e da II Guerra Mundial, tendo a ONU decidido pela criação de dois Estados, Árabe e Judeu, com Jerusalém como cidade internacionalizada, o que foi recusado pelos árabes e aceite pelos judeus, levando os segundos a declararem a independência, sucedendo-se uma guerra devastadora que aliou a generalidade dos países árabes da região contra o recém-criado Estado de Israel.
Vingou Israel, que, desde então, avançou a sua autoridade sobre territórios como a West Bank, os Montes Golan ou ainda Jerusalém Leste, sendo hoje um país com quase 10 milhões de habitantes, uma democracia consolidada, mas fortemente militarizada, mantendo-se, todavia, na perspectiva do Direito Internacional, uma boa parte das suas fronteiras na condição de territórios ocupados na sequência de guerras sucessivas, cujo desfecho está por concluir à mesa das negociações sob orientação da ONU.
Como vai acabar este "filme" histórico, que já teve diversos realizadores e argumentistas e está por concluir há dezenas de anos, ninguém sabe.
Para já, ambas as partes estão solidamente contra cedências, o que leva alguns analistas a admitirem que só com uma intervenção clara e decisiva de Washington - para já, Joe Biden parece tardar em assumir uma posição tão fortemente pró-israelita como os seus antecessores na Casa Branca - poderá ser erguida uma saída que permita, se não um final feliz, pelo menos um sugestivo The end.