Até agora, de Telavive apenas chegou um rotundo "nem pensar" porque, como diz o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, "este é o tempo da guerra" com a qual pretende "erradicar o Hamas da face da Terra".

À medida que a fome, a sede e a doença se misturam com os escombros de milhares de prédios destruídos pelos bombardeamentos ininterruptos das Forças de Defesa de Israel (IDF) sobre a Faixa de Gaza, onde se amontoam 2,3 milhões de pessoas em 365 kms2, e o volume de mortos em apenas 25 dias de conflito, 8 mil, e feridos, 20 mil, ganham dimensão de tragédia, a pressão sobre Telavive cresce no sentido de travar o terrível sofrimento da população civil...

... e agora até os Estados Unidos da América, que, inicialmente, usaram uma linguagem ácida para com todos aqueles que criticavam Israel pela ferocidade e letalidade da sua resposta ao terror que o braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, espalhou sobre o sul de Israel a 07 de Outubro, deixando um rasto de destruição com 1400 mortos e mais de dois mil feridos, estão a reposicionar-se e John Kirby, o porta-voz do Pentagono, veio dizer que "a ideia de pausa humanitária" é "boa e desejável".

Isto, quando o retrato feito a partir da Faixa de Gaza pelos media com repórteres no terreno, como a Al Jazeera, não deixa dúvidas de que se está perante a maior desumanidade a que o mundo assiste em muitas décadas, com quase metade das unidades de saúde encerradas por falta de combustível e pessoal médico, 60 funcionários da ONU já foram mortos, mais de 20 jornalistas já pereceram sobre o peso da vingança israelita.

Hordas esfomeadas assaltam os postos de ajuda das Nações Unidas a ponto de o chefe da UNRWA, a agência para os refugiados em Gaza, Philippe Lazzarini, ter já alertado para o "iminente colapso da ordem social mínima" nesta terra sem sorte entalada entre o Mar Mediterrâneo, a oeste, o Egipto, a sul, e Israel como um imenso oceano a bordejar o resto do território sem qualquer porto de abrigo viável, tempestuoso e hostil.

Por detrás deste caos está uma população de mais de 1,1 milhões de pessoas obrigadas a deixar o terço norte deste pequeno território para se dirigirem para sul do Rio Wadi de forma a deixar a Cidade de Gaza livre de civis para as forças israelitas poderem usar todo o seu manancial militar contra a infra-estrutura do Hamas, especialmente as dezenas de quilómetros de túneis onde se estima que possam estar mais de 30 mil combatentes das Brigadas Al Qassam.

Para já, este plano de Israel está a demorar mais que o pretendido porque no norte de Gaza permanecem dezenas de milhares de pessoas, os hospitais estão repletos de feridos sem possibilidade de os deslocar para sul, apesar da chuva incessante de bombas e misseis lançados pela sua aviação de guerra, onde pontuam os F16 e os F35 norte-americanos, fazendo com que seja cada vez mais difícil encontrar um edifício habitacional em pé.

Por terra, a ruidosamente anunciada invasão terrestre em massa foi, como o Novo Jornal explica aqui, substituída por uma estratégia com menos impacto na cada vez mais sensível e crítica de Israel opinião pública ocidental, com o faseamento por etapas da entrada no norte do território dos milhares de soldados que estavam estacionados na fronteira de Gaza há duas semanas, definindo pontos de acesso e cerco à capital da Faixa colocando colunas de carros de combate estrategicamente a norte e a sul do mais denso aglomerado urbano daquele que é hoje o coração livre da Palestina por ser o único que não está sob ocupação militar israelita, como sucede na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Os analistas, apesar da informação escassear, até porque Israel cortou todas as comunicações civis com o exterior, internet, telefones e rádio, além da electricidade logo após o ataque do Hamas, e mantém o bloqueio no que diz respeito ao combustível, apontam para a ocorrência de cerrados combates entre as IDF e as Brigadas Al Qassam nos becos da Cidade de Gaza, nos quais Telavive diz ter já abatido 4 mil combatentes do Hamas e o Hamas garante ter já destruído vários blindados israelitas. A verdade toda, essa vai ficar enterrada para sempre nos escombros de Gaza.

Os reféns são trunfo do Hamas... e de Israel

Se alguma contenção existe da parte de Israel neste conflito, isso resulta da pressão exercida pelas famílias dos mais de 220 reféns que o Hamas levou para Gaza no contexto do ataque de 07 de Outubro ao sul de Israel, que têm feito manifestações diárias a exigir a libertação dos seus familiares através de negociações e não de raides militares arriscados, porque quanto à pressão internacional, a essa Netanyahu já respondeu, dizendo que este não é o tempo da paz mas sim da guerra.

Os reféns são, porém, também um trunfo para as IDF, porque os três que já saíram com vida dos túneis do Hamas, duas mulheres idosas, e uma jovem militar que foi libertada numa operação de forças especiais esta segunda-feira, estão a ser veículo de informação precioso sobre as ramificações subterrâneas que dão uma vantagem extra aos combatentes palestinianos num território que já de si, densamente urbanizado, constitui o pior pesadelo para qualquer chefia militar encarregada de nele planear avanços.

E são também um ponto a desfavor de Netanyhau porque, com uma fornalha política interna a rebentar antes de 07 de Outubro, a encher com a impopularidade e as condizentes ruidosas manifestações populares que duravam há mais de um ano, da reforma da Justiça proposta pelo seu Governo, que, sendo aprovada, irá esvaziar o Tribunal Supremo dos seus poderes "constitucionais" - Israel não tem Constituição, apenas uma carta de princípios fundacionais -, passando-os para o Parlamento.

Ao que se juntam os processos onde é arguido sob suspeita de corrupção e peculato graves, e que, na soma das parcelas, impõe ao primeiro-ministro um êxito inequívoco, célere e o menos letal possível entre as IDF neste confronto com o Hamas.

Para o Hamas, estes reféns, cerca de 220, dependendo das fontes, há quem admita serem mais de 260, entre civis e militares, incluindo crianças e mulheres, são um trunfo ainda mais relevante, não só porque pressionam as IDF à contenção, como permitem negociar trocas de prisioneiros nas cadeias israelitas considerados relevantes pelo movimento palestiniano no contexto deste conflito.

Provavelmente são estas as razões que levaram Netanyhau a fazer declarações no sentido de colar a ideia de cessar-fogo, ou pausas humanitárias, a uma vitória de relações públicas do Hamas, e, por isso, garantiu não estar em cima da mesa equacionar sequer reduzir ou parar as hostilidades, que seriam "ceder aos terrorismo, seria pedir a rendição de Israel ao hamas".

E mesmo sobre a recente mudança de agulha dos EUA quanto a uma pausa nos combates, Netanyhau, noutro exercício por muitos considerado abusivo, depois de comparar erradamente o Hamas ao `estado islâmico", porque este último procurava a conquista de territórios para estabelecer um "califado" e o Hamas combate contra o ocupante das terras ancestrais da Palestina, embora os seus actos de 07 de Outubro sejam claramente considerados terrorismo, advertiu agora Washington de que também não foi considerada adequada a necessidade de "pausas humanitárias" após o 11 de Setembro - ataque às Torres Gémeas - ou depois de Pearl Harbor - ataque japonês à fronte americana no Pacífico em 1941 - que levou à entrada de Washington na II Guerra Mundial.

A possibilidade da faísca de Gaza chegar ao barril de pólvora do Médio Oriente...

... é real porque, se o actual avanço das IDF sobre Gaza for considerado pelo Hezbollah, o movimento político-militar apoiado pelo Irão no sul do Líbano, uma invasão de ocupação daquele território, estarão reunidas as condições para dar seguimento à ameaça do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, de que essa ocupação terá como resposta a abertura de novas frentes de guerra com Israel.

E essas novas frentes, que podem emergir no norte do país, na fronteira com o Líbano, ou a nordeste, com a Síria, seriam o primeiro passo de uma escalada que tem como pano de fundo a possibilidade de envolver num mar de chamas a geografia responsável por mais de 40% da produção mundial de petróleo, cerca de 45 milhões de barris por dia, o que levaria ao caos nos mercados, com o Banco Mundial a admitir que tal cenário levaria o barril de crude a subir para cima dos 150 USD num ápice.

A questão energética é de extrema importância em todo o mundo, sendo Angola um dos espectadores mais interessados, porque, apesar dos horrores da guerra, esta tem uma influência gigantesca no valor do barril de petróleo, matéria-prima que ainda é o "motor" da economia nacional, responsável por mais de 90% do total das suas exportações.

Outra dimensão desta propagação das chamas de Gaza para o resto do Médio Oriente é a rua árabe, que faz tremer os regimes monárquicos, especialmente estes, mas também os autocráticos, sempre que os milhões de apoiantes dos "irmãos" palestinianos enchem as ruas a exigir aos seus lideres que sejam mais activos na defesa contra a ocupação israelita daquelas terras ancestralmente árabes e hoje domínio judeu quase integralmente, à excepção da estreita e minúscula Faixa de Gaza.

Uma guerra entre Israel e o Irão é o elefante na sala do Médio Oriente há anos, porque são as duas maiores potências militares da vasta região, inimigos inequívocos e sempre a testarem-se no terreno, como Telavive tem feito ao bombardear os aeroportos sírios de Damasco e Alepo, alegando serem "hubs" logísticos do Irão para os seus "proxys" Hezbollah e Hamas, ou mesmo os rebeldes Houthis, no Iémen.

O maior teste da capacidade iraniana de fazer tremer o chão de Israel ocorreu em 2006, quando os combatentes do Hezbollah e o Tsahal, Exercito israelita se envolveram numa guerra de larga escala onde, inesperadamente, os milicianos islâmicos não só mostraram uma capacidade militar nunca antes vista.

O Hezbollah saiu claramente por cima, impondo, ao fim de 34 dias de guerra, às IDF um acordo de cessar-fogo que em tudo respondeu às suas exigências iniciais, nomeadamente o levantamento sem condições do bloqueio naval israelita ao Líbano, tendo Telavive sido salva pelo gongo com a intermediação da ONU, que conduziu à assinatura do documento que enterrou a condição de, afinal, imbatibilidade das forças armadas israelitas.

Sabendo deste potencial militar do Hezbollah e da influência do Irão neste contexto, os EUA colocaram rapidamente uma esquadra naval liderada pelo maior porta-aviões do mundo, o USS Ford, e tem outro a chegar, o USS Eisenhower, acompanhado igualmente de um conjunto de navios de guerra.

Todavia, para Teerão, a presença norte-americana no Mediterrâneo, segundo o líder religioso Ayatollah Ali Khamenei, não influi nas decisões de Teerão, que tem repetido à exaustão que não teme nem israelitas nem norte-americanos, sendo hoje considerada uma das maiores potências militares em todo o mundo, fora do grupo restrito dos possuidores da bomba nuclear, onde estão tanto Israel como os EUA.