Sabendo-se que na África do Sul o Congresso Nacional Africano (ANC) determina todas as votações no Congresso, onde tem uma maioria folgada, a aprovação de uma moção que visa o encerramento da embaixada de Israel no país, o mais vincado protesto que um país pode fazer na área diplomática sobre o comportamento de outro, antes de uma declaração de guerra.
Esta medida, que compreende o fecho da embaixada e o corte de todas as relações diplomáticas com Israel "até que seja acordado um cessar-fogo que acabe com as atrocidades israelitas em Gaza", poderá ser aprovada muito em breve depois de o ANC já ter tonado público que a votará favoravelmente.
E surge depois de o Governo do Presidente Ciryl Ramaphosa, também líder do ANC, ter exigido uma investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) aos crimes de guerra perpetrados por Israel em Gaza nas seis semanas de bombardeamentos e ataques aéreos, a que se seguiu uma invasão terrestre, na resposta ao ataque do Hamas no sul de Israel a 07 de Outubro.
O ataque dos combatentes das Brigadas Al Qassam, o braço armado do Hamas, a Israel, deixou um rasto de 1200 mortos e mais de 2 mil feridos, merecendo a condenação generalizada da comunidade internacional.
A punição colectiva de Israel que se seguiu sobre Gaza, com uma campanha de 4 semanas de ataques aéreos e disparos de artilharia ininterruptos, seguida da tomada de assalto da Cidade de Gaza, no norte do território, já fez mais de 11 mil mortos, entre estes seis mil crianças, quase 40 mil feridos, arrasando quase integralmente a malha urbana do território, destruindo hospitais, centros de apoio social da ONU, deixando os mais de 2,3 milhões de habitantes sem água, comida, medicamentos...
A acção de Israel, vista como um crime de guerra e desrespeitando as leis internacionais da guerra por dezenas de países, contou com uma posição de apoio dos EUA e dos países europeus nas primeiras semanas, mas a dureza e o terror das imagens colhidas pelos media internacionais a partir de Gaza, estão a fazer mudar a agulha e até os EUA aparecem agora a pedir contenção ao Governo extremista de Benjamin Netanyahu, aconselhar pausas humanitárias e a defender que só a "solução de dois Estados" poderá resolver a questão palestiniana.
A moção que vai suportar o fecho da representação diplomática de Israel na África do Sul é da autoria do partido de Julius Malema (na foto), os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), e foi apresentada no Parlamento esta quinta-feira, devendo ser votada brevemente, em data a anunciar.
No entanto, mesmo aprovada no Parlamento, o seu cumprimento não é vinculativo e a decisão de última instância será do Presidente Ramaphosa, que, considerando as posições de extrema dureza do seu Governo para com o comportamento de Israel em Gaza, dificilmente não terá continuidade.
Como se passa com a maior parte dos países africanos com um passado de luta pela independência, a África do Sul é um férreo apoiante da causa palestiniana desde 1994, quando o ANC ganhou as primeiras eleições no pós-apartheid, mas o ANC e a OLP, de Yasser Arafat, inicialmente, levam décadas de relações de proximidade e apoio mútuo, sobressaindo em quase todos estes momentos a famosa frase de Nelson Mandela, em 1977, onde este diz: "Nós sabemos muito bem que a nossa liberdade estará incompleta sem a liberdade dos palestinianos".
Num cenário de total destruição de Gaza, especialmente no norte do território, os hospitais eram os únicos espaços parcialmente protegidos das explosões da artilharia e da aviação de guerra israelita, mas isso já assim não é, porque das quase duas dezenas de unidades hospitalares nesta área em torno da Cidade de Gaza, apenas um mantém a capacidade de funcionar.
Depois de vários ataques a unidades hospitalares, Israel repetiu uma após outra vez que estes ataques visavam as caves onde se refugiavam terroristas e era guardadas armas, mas com esta ataque a Al Shifa, as IDF perderam uma oportunidade de demonstrar que as suas alegações eram reais.
Depois de o maior de todos, o Hospital de Al Shifa, ter sido tomado de assalto pelas IDF para chegar às caves, onde diziam estar células de combatentes do Hamas, com um alvoroço entre pessoal e doentes, havendo registo de dezenas de mortes, incluindo recém-nascidos e hemodialisados, a resposta hospitalar aos feridos pelos bombardeamentos israelitas é agora quase nula em toda a parte norte da Faixa de Gaza.
E por detrás desta acção israelita está uma já quase garantida falsa alegação israelita de uso de hospitais por parte do Hamas, porque nem neste foram encontradas mais de um conjunto muito pequeno de armas ligeiras, que facilmente podem ali ter sido colocadas pelos atacantes, e muito longe da expectativa criada de que se tratava da presença de material de guerra mais pesado, além de dezenas de "terroristas".
Apesar da débil descoberta que não justifica o ataque israelita, pondo em risco a vida de centenas de pacientes, o porta-voz das IDF, o coronel Jonathan Conricus, veio defender que a acção foi justificada porque "aquelas armas não têm nada que estar num hospital".
A Al Jazeera noticiou que, no avanço pelo interior do Hospital Al Shifa, provocando um número ainda por definir de mortos nos cuidados intensivos, e noutros departamentos, os solados israelitas recolheram e levaram os cadáveres para não deixar este registo da sua passagem pelo local-
No entanto, a operação israelita no Hospital Al Shifa não parou na quarta-feira, tendo continuada nesta quinta-feira, 16, apesar de ser já claro que não vai ter qualquer resultado além do que já se sabe.
O que leva alguns analistas a defender a ideia de que Israel não pretende outra coisa que não seja destruir todas as unidades de apoio, saúde e sociais, às populações para que as centenas de milhares de pessoas que ainda não deixaram a área o façam em direcção ao sul da Faixa de Gaza, como ordenaram os israelitas pouco depois do ataque do Hamas ao sul de Israel no dia 07 de Outubro.
Israel quer que 1,1 milhões de pessoas do norte da Faixa de Gaza atravesse o Rio Wadi para sul, deixando esta região, que ocupa um terço de todo o território, e, até ao momento, apesar de quatro semanas de intenso bombardeamento e duas de invasão terrestre, ainda ali se mantém, segundo fontes locais, mais de 250 mil pessoas, o que obriga as IDF a redobrado cuidado no avanço das suas unidades especiais, bairro a bairro, rua a rua, casa a casa.
Moscovo quer fim da mortandade
Com este cenário trágico em pano de fundo, e com os números de mortes e feridos a crescer de forma vertiginosa, com mais de 11 mil mortos, dos quais seis a oito mil crianças, e 34 mil feridos, o volume de pedidos de um cessar-fogo, na forma de pausas humanitárias ou interrupção dos ataques na forma como estão a ser conduzidos pelas IDF, com uma insistências cada vez mais ruidosa até pelos EUA, o mais fiel aliado de Telavive.
E desta feita, também o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, apesar de Moscovo já ter pedido um cessar-fogo humanitário, veio agora elevar a parada e exigir o fim da mortandade "de forma imediata".
Sublinhando a condenação do Kremlin a "todas as formas de terrorismo", seja do Hamas, seja de qualquer organização, Lavrov deixou agora um mais robusto recado a Telavive, ao dizer que é igualmente condenável que um país, Israel, use "métodos que de forma flagrante violam a lei internacional".
Citado pela agência russa oficial, TASS, o chefe da diplomacia russa alargou ainda à Cisjordânia o pedido de contenção de Israel que, como se vê pela forma como reage às condenações nas Nações Unidas, pouco ou nada vai ouvir de todos os pedidos que lhe chegam.
Decisão histórica do Conselho de Segurança da ONU contra Israel
O Conselho de Segurança da ONU votou na quinta-feira, num momento raro, contando com a abstenção dos EUA e do Reino Unido, os dois aliados históricos sem condições de Telavive, uma resolução que exige a abertura de corredores humanitários em Gaza.
Esta exigência foi rispidamente rejeitada por Israel, que, pela voz do seu embaixador na ONU disse que a medida "está desligada da realidade e sem significado" prático.
"Independentemente do que o Conselho decida, Israel continuará a agir de acordo com a lei internacional, enquanto os terroristas do Hamas nem sequer lerão a resolução, muito menos a cumprirão", escreveu Gilad Erdan na plataforma X (antigo Twitter), citado pela Lusa.
De acordo com o diplomata, Israel "continuará a agir até que o Hamas seja destruído e os reféns sejam devolvidos".
"É lamentável que o Conselho continue a ignorar, a não condenar, ou mesmo a mencionar, o massacre levado a cabo pelo Hamas em 7 de outubro, que conduziu à guerra em Gaza. É realmente vergonhoso", acrescentou Erdan.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que "apela a pausas e corredores humanitários extensos e urgentes durante um número suficiente de dias" para permitir a entrega de ajuda humanitária aos civis em Gaza.